Estudo associa sintomas duradouros da Covid-19 à inatividade física
Seis meses depois da alta, 76% dos pacientes internados por causa do coronavírus reportaram pelo menos um sintoma persistente
O elo entre sintomas da Covid-19 e a inatividade física torna-se cada vez mais evidente. Em estudo publicado recentemente no periódico Scientific Reports, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apontam que pacientes com ao menos um sintoma persistente da infecção pelo coronavírus têm um risco 57% maior de serem sedentários. Esse número cresce para 138% entre aqueles que reportam cinco ou mais “sequelas pós-agudas do Sars-CoV-2”, como dizem os pesquisadores.
“Apesar de ser um estudo transversal, os resultados dessa investigação destacam a importância de discutirmos e estimularmos a atividade física também durante a pandemia”, afirma Hamilton Roschel, um dos coordenadores do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da USP.
O trabalho, que teve o apoio da Fapesp, é um dos primeiros a avaliar o efeito da atividade física no contexto da COVID longa, quadro usualmente caracterizado pela persistência de sintomas por ao menos dois meses – e que não podem ser explicados por outros problemas que não a infecção por esse vírus.
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Relatório de 2020 já dava conta de que 76% dos pacientes internados por causa do coronavírus reportaram pelo menos um sintoma persistente seis meses depois da alta.
Um estudo transversal
Os dados analisados foram coletados no âmbito do Covid-19 Study Group, que reúne pacientes internados no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Um total de 614 pessoas com idade média de 56 anos foram incluídas na investigação, todas com diagnóstico confirmado por testes laboratoriais.
De seis a 11 meses após as hospitalizações (que ocorreram entre outubro de 2020 e abril de 2021), elas foram examinadas e responderam a diversos questionários, que abrangiam a prática de atividade física, o estilo de vida e a possível presença de dez sintomas ligados à Covid-19 – de falta de ar a problemas de memória.
A inatividade foi definida seguindo o critério da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ou seja, menos de 150 minutos de atividade física por semana. “No nosso caso, isso envolvia deslocamentos, práticas esportivas, tarefas domésticas”, completa Roschel. Os pesquisadores então cruzaram os dados envolvendo sintomas da COVID-19 com os de inatividade física para chegar aos resultados.
Mais sintomas, mais sedentarismo
Dos pacientes analisados, 60% eram inativos fisicamente – taxa maior do que os 47% observados no levantamento Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), feito pelo Ministério da Saúde em 2020, para brasileiros de faixa etária semelhante.
Eles também apresentavam uma alta taxa de comorbidades: 37% eram fumantes, 58% tinham hipertensão, 35% foram diagnosticados com diabetes e 17% eram obesos.
“Esses são fatores de risco para agravamento da COVID-19. Como todas as pessoas analisadas foram hospitalizadas, era natural que eles aparecessem de forma frequente”, argumenta Roschel. Para ter ideia, 55% necessitaram de cuidados em UTI [Unidade de Terapia Intensiva] e 37%, de ventilação mecânica.
Mesmo fazendo ajustes para evitar que esses e alguns outros fatores interferissem nos resultados, a presença de ao menos um sintoma persistente foi associada a um risco 57% maior de sedentarismo, como mencionado antes. “E, quanto mais sintomas, maior a porcentagem de inatividade física”, complementa Roschel. A presença de cinco ou mais sintomas chegou a elevar o risco de inatividade física em 138%.
Ele ainda destaca que certas consequências pós-agudas da COVID-19 foram especialmente atreladas à falta de movimentação. Nos modelos estatísticos ajustados, as que chamaram mais atenção foram falta de ar (risco 132% maior de a pessoa ser inativa) e fadiga (101%).
“Faz sentido imaginar que indivíduos com esses quadros sintam maior dificuldade para manter uma rotina ativa”, diz Roschel. “Mas também é plausível imaginar que os participantes inativos estejam mais sujeitos a esses sintomas prolongados após a infecção. Nosso estudo não permite inferir a causalidade”, pondera.
Associações e hipóteses
No artigo, os autores escrevem que a inatividade física “pode ser, por si só, considerada como um sintoma persistente entre sobreviventes da COVID-19”. A hipótese encontra eco em outros trabalhos. Uma pesquisa neerlandesa – também citada no estudo brasileiro em questão – com 239 pacientes revelou uma redução significativa no tempo dedicado a caminhadas seis meses após o início dos primeiros sintomas.
Roschel conjectura, ainda, a partir de outros estudos, que o sedentarismo poderia, em tese, aumentar o risco de COVID longa. Uma investigação de 2021 assinada por ele, aliás, conclui que pessoas com melhor saúde muscular (a partir daí, pode-se especular que elas seriam menos sedentárias) internadas por causa do SARS-CoV-2 tendem a ficar menos tempo hospitalizadas.
Adicionalmente, em estudo subsequente, os mesmos pesquisadores observaram que aqueles que perderam mais massa muscular durante o período de hospitalização foram também os que apresentaram maiores custos de saúde e mais sintomas persistentes seis meses após a alta médica.
Já uma pesquisa americana examinou o histórico prévio de atividade física de 48.440 indivíduos infectados posteriormente com o coronavírus. Resultado: aqueles ativos consistentemente apresentavam menores riscos de internação, admissão na UTI e morte.
“O nosso trabalho agrega informações ao fazer uma ligação da inatividade física especificamente com os sintomas persistentes da Covid-19. Estudos futuros devem investigar essa associação e entender os motivos por trás dela”, observa Roschel. Cabe destacar que essa ligação pode se dar em ambas as vias. Ou seja, tanto o sedentarismo favoreceria a Covid longa, como essa incitaria a inatividade.
“E, do ponto de vista prático, fica clara a necessidade de valorizarmos a atividade física durante a pandemia”, reitera Roschel. Há situações em que pacientes que já foram infectados devem tomar certas precauções adicionais com os exercícios – um médico é capaz de analisar cada caso. Porém, a atividade física precisa ser estimulada como uma medida de saúde pública, de acordo com Roschel. O sedentarismo é responsável por 9% das mortes por todas as causas no mundo.