EUA dão 30 dias para Israel melhorar crise humanitária ''terrível'' em Gaza
ONU estimou, nesta terça-feira, que a população da Faixa de Gaza está enfrentando as piores restrições desde o início da guerra há um ano
A Casa Branca advertiu Israel de que o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu deve melhorar a crise humanitária “cada vez mais terrível” na Faixa de Gaza dentro de um mês, sugerindo que os EUA podem ser obrigados por lei a cortar o fluxo de armas americanas se a situação não melhorar.
A advertência foi feita pelo secretário de Estado Antony Blinken e pelo secretário de Defesa Lloyd Austin em uma carta conjunta datada de 13 de outubro, endereçada ao ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, e ao ministro de Assuntos Estratégicos, Ron Dermer.
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Na carta, eles culpam Israel por uma queda drástica na ajuda humanitária em Gaza, o que, afirmam, contribuiu para a fome e o sofrimento generalizado, principalmente no norte do enclave, onde as forças israelenses lançaram uma nova operação terrestre há quase duas semanas.
Os EUA deram a Israel 30 dias para “reverter a trajetória humanitária descendente” ou então isso “pode ter implicações” para futuras transferências de armas e financiamento de acordo com a lei dos EUA.
De acordo com o documento, a lei exige que os países que recebem armas americanas “facilitem e não neguem, restrinjam ou impeçam arbitrariamente” a assistência humanitária fornecida ou apoiada pelos EUA.
As duas autoridades pediram que Israel permita a entrada de um mínimo de 350 caminhões de ajuda em Gaza diariamente, aumente a segurança dos locais de ajuda e da movimentação de trabalhadores humanitários e acabe com o isolamento do norte de Gaza, entre outras medidas.
— Já vimos Israel fazer mudanças antes e, quando elas são feitas, a assistência humanitária pode aumentar — disse o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, na terça-feira, após a divulgação da carta. — Sabemos que isso pode ser feito, sabemos que os vários obstáculos logísticos e burocráticos podem ser superados e, portanto, cabe ao governo de Israel superar esses desafios e permitir a entrada de assistência.
A carta, que foi noticiada nesta terça-feira pelo Canal 12 de Israel e pelo site Axios, é um dos avisos mais severos e específicos já feitos pelos EUA às autoridades israelenses sobre a situação em Gaza.
É também uma admissão implícita de que os EUA avaliam que as ações de Israel no território palestino violam a lei americana, segundo analistas e ex-funcionários.
Washington é o principal fornecedor de armas de Israel, e seu apoio é crucial para os planos de guerra do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em Gaza e no Líbano, bem como em sua rivalidade mais ampla contra o Irã.
Embora um aviso anterior a Israel em abril tenha resultado em um aumento na ajuda, a quantidade de assistência que chega a Gaza caiu em mais de 50% ao longo dos meses desde então, de acordo com a carta. As entregas de setembro foram as mais baixas de todos os meses do ano passado, segundo o documento.
Sem comida
A ONU estimou, nesta terça-feira, que a população da Faixa de Gaza está enfrentando as piores restrições que limitam a ajuda humanitária desde o início da guerra há um ano, alertando especialmente sobre o impacto devastador dessa situação nas crianças.
— A quantidade de ajuda humanitária que foi enviada em agosto à Faixa de Gaza foi a mais baixa em um mês desde quando estourou a guerra — denunciou James Elder, o porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
— Em vários dias durante a semana passada não se autorizou entrar nenhum caminhão. Provavelmente, estamos assistindo às piores restrições jamais vistas em matéria de ajuda humanitária.
No início do ano, quando a ONU temia uma crise de fome na Faixa de Gaza, houve "uma verdadeira pressão para abrir novas rotas e novos pontos de acesso", destacou Elder.
Mas hoje, "a situação é totalmente contrária", explicou, acrescentando que desde maio, "os pontos de entrada foram sistematicamente bloqueados". Segundo ele, o norte da Faixa "não recebeu nada de comida, nenhuma ajuda alimentar durante todo o mês de outubro".
O governo Biden tem apoiado Israel com bilhões de dólares em armas desde que o Hamas — designado como um grupo terrorista pelos EUA — atacou Israel em 7 de outubro do ano passado, matando 1.200 pessoas, sequestrando outras 250 e desencadeando uma guerra em Gaza que matou mais de 42 mil palestinos, de acordo com a autoridade de saúde administrada pelo Hamas na faixa costeira.
Washington tem pressionado constantemente as autoridades israelenses para limitar as baixas civis e aumentar a quantidade de ajuda que flui para os palestinos desesperados, mas o governo até agora suspendeu apenas um carregamento de bombas de 2.000 libras — uma medida criada para limitar uma ofensiva israelense anterior na cidade de Rafah, no sul de Gaza.
O governo do presidente Biden está sob pressão interna antes das eleições de novembro e parece cada vez mais incapaz de influenciar os acontecimentos no Oriente Médio à medida que Israel muda seu foco de Gaza para uma segunda frente de batalha contra o Hezbollah no Líbano.
Blinken e Austin escreveram que as autoridades americanas estão “particularmente preocupadas” com o fato de Israel ter interrompido as remessas comerciais de mercadorias, com restrições “pesadas e excessivas” a itens de uso duplo e com exigências alfandegárias “onerosas” para equipes e remessas humanitárias.
Combinadas com os saques e a falta de lei em geral em Gaza, as ações israelenses estão “contribuindo para uma deterioração acelerada das condições” no local, escreveram.