EUA acusam ex-CIA de trabalhar para espiões da Coreia do Sul em troca de bolsas de luxo
Voz proeminente da política externa dos EUA, Sue Mi Terry apresentou agentes estrangeiros a servidores do Congresso, numa ação que descreveu como "trazer o lobo para dentro"
Promotores dos EUA acusaram formalmente uma ex-analista da CIA e funcionária da Casa Branca sob a acusação de ter trabalhado como agente do governo sul-coreano em troca de bolsas de luxo.
Sue Mi Terry, uma voz proeminente na política externa dos EUA, tinha um paladar refinado, uma paixão por sushi de primeira qualidade e um gosto por marcas de grife. Ela gostava de casacos Christian Dior, bolsas Bottega Veneta e Louis Vuitton e restaurantes com estrelas Michelin.
E, de acordo com os procuradores federais em Manhattan, ela aceitou bens de luxo e outros presentes em troca de servir o governo sul-coreano em Seul.
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Ex-analista da CIA — Agência Central de Inteligência dos EUA — e pesquisadora sênior de estudos da Coreia no Conselho de Relações Exteriores, Terra é acusada em um documento de 31 páginas divulgado na terça-feira de empreender esforços durante anos para ajudar espiões sul-coreanos.
A acusação diz que ela até os apresentou a servidores do Congresso, numa ação que descreveu como "trazer o lobo para dentro".
As acusações, apresentadas pelo procurador dos EUA para o Distrito Sul de Nova York, faziam parte de um esforço do Departamento de Justiça americano para combater a influência estrangeira nos assuntos internos.
A iniciativa levou a dezenas de processos nos últimos anos. Tais casos foram desencadeados por contribuições ilegais de campanha provenientes do estrangeiro, operações de influência secreta e até mesmo o suborno do senador Bob Menendez, pelo qual foi condenado na terça-feira.
Como Terry virou agente estrangeira
No caso de Terry, os promotores dizem que ela começou a atuar como agente estrangeira em 2013, cinco anos depois de deixar a CIA. Ela foi contatada pela primeira vez por uma autoridade de inteligência que se passava por um diplomata da missão coreana nas Nações Unidas na cidade de Nova York. Em troca de seu trabalho durante a década seguinte, Terry recebeu bolsas, roupas e pelo menos US$ 37 mil em dinheiro, via pagamentos secretos ao think tank onde ela trabalhava na época.
"Apesar de se envolver em extensas atividades para e sob a direção" do governo sul-coreano, Terry não se registrou como agente estrangeiro junto às autoridades dos EUA, conforme é exigido por lei, disseram os promotores. Ela enfrenta duas acusações formais, uma por não se registrar sob a Lei Federal de Registro de Agentes Estrangeiros e outra por conspirar para violar a norma.
Num comunicado, Lee Wolosky, advogado de Terry, disse que as alegações eram infundadas e distorciam "o trabalho de uma acadêmica e analista de notícias conhecida pela sua independência e anos de serviço aos Estados Unidos".
"Terry não possui acesso [a questões de] segurança há mais de uma década, e as suas opiniões sobre questões relacionadas com a Península Coreana têm sido consistentes ao longo de muitos anos", disse Wolosky. "Na verdade, ela foi uma dura crítica do governo sul-coreano durante os momentos em que esta acusação alega que ela estava agindo em seu nome."
Nicholas Biase, porta-voz do Distrito Sul, não quis comentar o assunto. A Embaixada da Coreia do Sul não retornou imediatamente uma mensagem do New York Times solicitando comentários.
Considerada uma especialista em Coreia do Norte e em questões mais amplas de segurança na região, Terry trabalhou não só na CIA, mas no Conselho Nacional de Inteligência e no Conselho de Segurança Nacional, locais onde produziu "centenas de avaliações de inteligência", segundo a sua biografia no site do Conselho de Relações Exteriores.
Suspeitas desde 2014
De acordo com a acusação, os agentes federais tinham suspeitas sobre o contato de Terry com a Coreia do Sul já em novembro de 2014, quando o FBI a chamou para uma entrevista voluntária.
Ao ser questionada, Terry ficou "visivelmente nervosa, mudou seu padrão de fala e começou a gaguejar e a se mexer na cadeira", disse a acusação. Nos anos seguintes, os agentes rastrearam Terry em vários restaurantes e lojas de luxo em Washington e capturaram fotos dela jantando com seus "manipuladores" e ficando ao lado deles nas caixas registradoras enquanto compravam seus produtos.
Numa entrevista ao FBI em junho de 2023, Terry — que nasceu em Seul, mas foi criada nos Estados Unidos — admitiu que se demitiu da CIA em 2008, em vez de ser despedida, porque a agência tinha "problemas" com os seus contatos com membros do Serviço Nacional de Inteligência da Coreia do Sul.
Mas o trabalho dela na segurança nacional foi apenas o prelúdio de mais irregularidades depois de ter deixado o governo, segundo os procuradores, incluindo a divulgação de "informações não públicas do governo dos EUA" a agentes de inteligência que trabalham para a Coreia do Sul.
A acusação diz que Terry entregou notas manuscritas de uma reunião de grupo privado em 2022 sobre a política do governo dos EUA em relação à Coreia do Norte, da qual ela participou com o secretário de Estado Antony Blinken.
A atividade de Terry em nome da Coreia do Sul começou pequena e tornou-se mais ambiciosa à medida que ela trabalhava com três "manipuladores" diferentes, disse a acusação.
No início, ela publicou principalmente artigos de opinião favoráveis à posição da Coreia do Sul em relação à Coreia do Norte, mas logo passou a facilitar reuniões entre novos servidores do governo Donald Trump e agentes de inteligência sul-coreanos em 2016.