SAÚDE

Exame poderá apontar declínio cognitivo causado pelo álcool; entenda

Pacientes em tratamento para transtorno por uso de álcool com pior desempenho cognitivo apresentaram níveis mais elevados desse biomarcador

O nível cognitivo mais baixo foi associado à proteína reelina em pessoas com transtorno por uso de álcool (AUD) O nível cognitivo mais baixo foi associado à proteína reelina em pessoas com transtorno por uso de álcool (AUD)  - Foto: Freepik

Um novo biomarcador pode detectar a deterioração cognitiva em quem sofre com transtorno por uso de álcool por meio de um simples exame de sangue. A proteína reelina foi associada a um nível cognitivo mais baixo em pessoas com este quadro, conforme mostra um estudo publicado na revista científica International Journal of Neuropsychopharmacology.

Esta proteína, encontrada no cérebro, auxilia na sua formação nas fases iniciais, no seu bom funcionamento e protege-o quando sofre danos.

— Ficamos muito surpresos. Na comunidade científica ela costuma ser entendida como uma boa proteína — detalha a chefe da pesquisa, Laura Orío, cientista da Fundação I+12 do Hospital 12 de Octubre, na Espanha.

Os cientistas também descobriram que as pessoas com maior reelina tinham outra proteína, chamada apolipoproteína E-4 (APOE-4), produzida por uma mutação genética e presente numa percentagem muito pequena da população. O APOE-4 favorece os efeitos tóxicos do álcool em seus portadores, afirma Berta Escudero, outra autora principal do artigo, psicóloga e também pesquisadora da Fundación I+12.

Para realizar a pesquisa, os cientistas contaram com uma amostra de 24 pacientes com transtorno por uso de álcool diagnosticados em período de abstinência precoce (quatro semanas sem beber) e um grupo controle de 34 pessoas. Eles avaliaram a cognição dos sujeitos por meio de um Teste de Triagem para Comprometimento Cognitivo no Alcoolismo. O teste avalia habilidades visuoespaciais (representação de objetos), memória e função executiva (tudo relacionado à atenção, concentração e tomada de decisão). Aqueles que tiveram os piores resultados também apresentaram os maiores níveis de reelina.
 

Quando um paciente entra no programa de desintoxicação, ele passa por tratamento farmacológico e terapias de grupo. A primeira centra-se, sobretudo, no alívio dos sintomas de abstinência, embora existam também medicamentos dissuasores “mais destinados a reduzir a vontade de consumir”, explica Francisco Pascual, presidente da Socidrogalcohol, sociedade científica sem fins lucrativos dedicada à formação no tratamento da dependência e prevenção.

Após seis meses de abstinência, os pesquisadores verificaram que nos pacientes que estavam em pior situação, tanto a deterioração cognitiva quanto os níveis de reelina haviam sido reduzidos. Ainda é cedo para falar em causalidade, mas podem fazê-lo em termos relacionais, explica a psicóloga.

Uma das hipóteses propostas pela pesquisa é que essa proteína aparece quando o álcool é retirado como mecanismo de resposta e depois diminui progressivamente.

— O organismo tenta produzir mais para aumentar a probabilidade de exercer efeito protetor — , aponta Escudero.

Por isso é importante medi-lo nas primeiras semanas de abstinência, para que sirva de indicação.

Os níveis de reelina que cada pessoa possui também dependem de outros fatores, como há quanto tempo o paciente bebe e a quantidade. A persistência do uso do álcool acaba fazendo com que essa inflamação, ou as alterações que ela causa no cérebro, se prolonguem no tempo e podem causar danos à estrutura cerebral, afirma Javier Carmiña, porta-voz da Sociedade Espanhola de Neurologia (SEN) e que não participou do estudo.

O transtorno por uso de álcool está ligado ao câncer, diabetes tipo 2, doenças hepáticas e cardíacas, mas também pode prejudicar a saúde mental e levar ao declínio cognitivo e a doenças como a demência. Além de todas essas consequências, também causa problemas sociais e trabalhistas para quem o sofre. No entanto, é um problema subdiagnosticado porque a sociedade não entende que o consumo de álcool provoca doenças para além da dependência, lamenta Pascual, da Socidrogalcohol, que não participou do estudo.

— Faz parte da nossa tradição, do nosso ser mais íntimo, que tudo o que celebramos seja com bebidas alcoólicas.

O tratamento de reabilitação cognitiva treina especificamente as funções executivas e a memória de curto prazo, necessárias na maioria das atividades do dia a dia, detalha Carmiña.

— A partir da interrupção do consumo de álcool, há uma tendência de melhora de vários parâmetros, principalmente da atenção, inicialmente.

Segundo o neurologista, a recuperação do nível cognitivo dos pacientes depende muito da quantidade de álcool que o paciente consumiu durante o vício.

O projeto continua. Orío afirma que estão trabalhando no acompanhamento de longo prazo dos pacientes para descobrir o mecanismo que liga a reelina ao comprometimento cognitivo causado pelo transtorno por uso de álcool. Eles também continuam a procurar novos biomarcadores que possam servir como indicadores.

Todos os quatro especialistas concordam que esta descoberta pode fazer uma grande diferença para os pacientes. Identificar pessoas com comprometimento cognitivo facilitaria seu encaminhamento direto para um programa de estimulação cognitiva e, em vez de piorar, permaneceriam ou até melhorariam, ressalta Escudero.

— Pacientes com consumo de álcool e disfunção cognitiva devem procurar ajuda porque é algo que pode ser melhorado — conclui Carmiña.

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