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Afeganistão

Exigências de embaixadas brasileiras inviabilizam visto humanitário para afegãos

Novas exigências feitas por embaixadas brasileiras estão inviabilizando a obtenção do visto humanitários por afegãos que fogem do Talibã

Afeganistão, sob domínio TalebanAfeganistão, sob domínio Taleban - Foto: WAKIL KOHSAR / AFP

Novas exigências feitas por embaixadas brasileiras estão inviabilizando a obtenção do visto humanitários por afegãos que fogem do Talibã, afirmam entidades e pessoas que tentam requerer o documento desde que a possibilidade foi anunciada pelo governo federal, no último dia 3.

Apesar de a portaria que regulamenta o visto determinar que os solicitantes apresentem quatro documentos -passaporte, comprovante de meio de transporte para o Brasil, atestado de antecedentes criminais e formulário oficial preenchido-, eles agora estão tendo de provar que serão mantidos durante ao menos seis meses por alguma organização que banque uma longa lista de despesas.

Entre as exigências, estão plano de saúde e dentário, renda mensal, hospedagem, alimentação, transporte, teste PCR para Covid-19 e custos para revalidação de diplomas, por exemplo.

Segundo a Defensoria Pública da União (DPU), os novos requisitos são ilegais. A entidade enviou uma petição na sexta-feira (24) ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), solicitando modificação dos critérios e mais transparência nas informações sobre o processo.

Questionado desde a sexta-feira (24) sobre quantos vistos humanitários já foram emitidos e sobre o motivo dos novos requisitos de organização patrocinadora, o Itamaraty não respondeu até a publicação da reportagem. Grupos de ajuda a refugiados e membros da comunidade afegã em São Paulo dizem que estão confusos em relação ao passo a passo do processo para obter o visto e que até agora não têm notícia de ninguém que tenha conseguido resposta.

A lista de novas exigências foi publicada na última semana no site oficial da embaixada do Brasil no Paquistão, uma das que podem conceder o documento -não há representação diplomática brasileira no Afeganistão. No dia 22, o texto foi retirado do site, sem a publicação de correção ou esclarecimento.
Uma fonte do Itamaraty familiarizada com o caso afirmou que se tratava de um erro que seria corrigido, mas dois dias depois a mesma informação foi enviada pela embaixada no Irã a uma entidade que atende refugiados em São Paulo. A embaixada em Ancara, na Turquia, também tem solicitado a mesma lista em resposta a pedidos de informação sobre o visto.

Outra exigência feita por ao menos uma das embaixadas -a de Islamabad- é de que os requerentes apresentem o carimbo de entrada legal no Paquistão, algo que na prática é quase impossível, já que a fronteira está fechada e são abertas poucas exceções, segundo relatos de quem está no Afeganistão.
"Há informações desencontradas, com exigências abusivas", afirma o defensor público federal João Chaves, coordenador do Grupo de Trabalho Nacional para Migrações da DPU e um dos que assinam a petição enviada ao MRE.

Segundo ele, não há no direito migratório brasileiro nem na própria portaria que regulamenta a acolhida humanitária para afegãos a previsão de patrocínio prévio por ONGs ou comprovação de capacidade de custeio de itens como revalidação de diplomas, planos de saúde e dentário. "Isso existe em outros países, como o Canadá, onde a recepção [de refugiados] depende de uma entidade local patrocinadora, mas não no Brasil."

A Coalizão Brasil/Afeganistão, união de entidades que tenta resgatar juízes, professores universitários e outras pessoas juradas de morte pelo Talibã, também afirma não conseguir cumprir com todos os requisitos da lista. O grupo, que inclui a Associação Nacional de Juízas e a Unicamp, apresentou um plano de trabalho para atender às necessidades desses refugiados.

"Pedimos que o governo brasileiro flexibilize essas exigências, que perdem o sentido quando estamos tratando de pessoas em risco e não coadunam com a perspectiva humanitária decorrente da trágica situação delas", afirma Amini Haddad, integrante da Associação Internacional de Mulheres Juízas (IAWJ, na sigla em inglês), de onde partiu o pedido de ajuda para juízas que condenaram talibãs no passado e por isso são alvo do grupo fundamentalista.

"Sabemos que há preocupação com segurança, com o risco de vir algum infiltrado talibã, mas existe instrumental para fazer essa análise. A burocracia não deve ultrapassar os limites do razoável, ainda mais diante de uma crise humanitária, quando não podemos esperar", afirma Haddad.

O grupo sugere também o remanejamento temporário de funcionários do Itamaraty para agilizar a análise dos vistos -segundo Haddad, a embaixada em Islamabad só tem quatro funcionários, por exemplo.
Outra organização que está auxiliando afegãos a pedir os vistos é a Cáritas de São Paulo. A entidade acompanha cerca de 20 processos de familiares de refugiados que já vivem na cidade, alguns deles iniciados antes mesmo de o Brasil anunciar a portaria da acolhida humanitária, quando a única possibilidade era o visto de reunião familiar –que, além de ser pago, é restrito a alguns casos e envolve mais burocracia.

Não houve resposta sobre nenhum desses pedidos até agora, diz Lígia Molina, coordenadora de proteção da entidade. "A partir do momento em que houve a tomada de poder pelo Talibã, de um dia para o outro a procura explodiu, e as pessoas chegaram a nós com muito mais desespero. Um deles relatou que familiares já desapareceram. A gente sabe que é urgente."

Para Molina, as exigências atuais inviabilizam a acolhida humanitária. "Se por um lado a gente nota uma certa abertura para conversa por parte das embaixadas, tem alguns requisitos que são absurdos e vão contra a função do visto humanitário, que é facilitar a vinda [de pessoas em situação de risco]. E a gente não sabe de onde está vindo essa determinação",

Ela também lembra que, com o aeroporto praticamente fechado e o Talibã controlando as fronteiras terrestres, tem sido muito difícil, além de arriscado, atravessar para outros países de forma regular.
De acordo com fontes que estão acompanhando o resgate organizado por países europeus, uma possível solução seria o Brasil solicitar aos governos dos países vizinhos a liberação da fronteira para os afegãos que já estiverem com o processo de visto em andamento.

"O Paquistão não está dando vistos para as pessoas. É tudo na base da corrupção, elas estão tendo que pagar coiotes para passar", afirma Abdulbasset Jarour, membro do Condepe de SP (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).

Refugiado da guerra da Síria em São Paulo, Jarour está reunindo em uma lista única o nome de afegãos que querem se reunir com parentes que já vivem no Brasil e que, por isso, teriam a assistência desses familiares ao chegar aqui. A comunidade é pequena: entre refugiados reconhecidos e aqueles que aguardam análise de seu pedidos, são pouco mais de 200, segundo dados recentes do Ministério da Justiça. Sua intenção é entregar essa lista ao Itamaraty.

Outra situação que está dificultando o pedido de visto é que alguns afegãos não possuem passaporte nem certidão de nascimento de seus filhos menores. A portaria do visto humanitário admite que alguns casos de falta de documentação sejam analisados, e as embaixadas informam que o MRE vai avaliar individualmente os pedidos.

"Um dos casos que temos é de um ministro da Suprema Corte do Afeganistão que tem um bebê de colo que não possui passaporte nem certidão de nascimento. Ele não pode sair de lá sem o filho. Espero que haja uma flexibilização", diz a juíza Amini Haddad.

A DPU pede ao Itamaraty que nesses casos emita o chamado laissez-passer, um documento de viagem de emergência. "É um documento raro, uma espécie de autorização emergencial para não impedir a viagem da pessoa quando ela não tem passaporte, e é utilizado para documentar pessoas de países que não tem relações diplomáticas com o Brasil, ou então não emitem passaportes", explica o defensor público João Chaves. "O caso dos afegãos deve entrar nisso."

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