AMÉRICA LATINA

Exílios, detenções e 740 ataques: perseguição à Igreja Católica se agrava na Nicarágua

Captura do bispo Isidro Mora é o episódio mais recente de uma ofensiva que se agravou ao longo de 2023 sob regime de Ortega

O presidente da Nicarágua, Daniel OrtegaO presidente da Nicarágua, Daniel Ortega - Foto: Cesar Perez / Nicaraguan Presidency / AFP

A polícia do regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo prendeu o bispo Isidro del Carmen Mora Ortega na quarta-feira, 20 de dezembro, quando ele se dirigia para crismar 230 fiéis na paróquia Santa Cruz, localizada em La Cruz de Río Grande, um município remoto no Caribe Sul da Nicarágua. O religioso foi imediatamente detido, e seu paradeiro ainda é desconhecido. Este é o último episódio de uma perseguição que se intensificou neste ano. Desde 2018, o ano dos massivos protestos contra o governo, a Igreja Católica da Nicarágua sofreu 740 ataques pelo aparato sandinista, de acordo com o levantamento da advogada Martha Patricia Molina.

"Apenas no ano de 2023, ocorreram 275 ataques. Podemos classificar este último ano como o de mais ataques contra a Igreja durante o último quinquênio" explica Molina ao El País, autora do relatório "Nicarágua, uma Igreja perseguida".

Além disso, "176 religiosos e religiosas não estão exercendo seu ministério na Nicarágua porque foram expulsos, tiveram a entrada proibida ou foram enviados para o exílio".

O mais recente exílio de sacerdotes ocorreu em outubro passado, quando o regime do país da América Central retirou do cárcere uma dúzia de padres que mantinha como prisioneiros políticos e os enviou em um avião para Roma. No entanto, a expulsão de religiosos começou em 2018, quando os Ortega-Murillo forçaram o exílio do bispo auxiliar de Manágua, monsenhor Silvio Báez, uma das vozes pastorais mais críticas contra a deriva autoritária e as violações aos direitos humanos na Nicarágua. Também foi exilado o padre Edwin Román, um pároco que foi fundamental para proteger os cidadãos da repressão na cidade de Masaya durante os protestos de 2018.

O governo também expulsou em março de 2022 o núncio vaticano, Waldemar Stanislaw Sommertag. A Santa Sé classificou a expulsão de seu representante na Nicarágua como surpreendente e dolorosa. A partir desse momento, a relação entre Manágua e o Vaticano entrou em declínio, a ponto de, em março passado, os Ortega-Murillo decidirem "suspender as relações diplomáticas".

A perseguição religiosa obrigou até mesmo o Papa Francisco a romper sua postura neutra em relação aos países e comparar o atual sandinismo com "uma ditadura hitleriana".

"Com muito respeito, não me resta outra opção senão pensar em um desequilíbrio da pessoa que lidera' afirmou o pontífice, o que desencadeou mais a ira do casal presidencial.

Ataques e profanações
Em uma linha do tempo feita pelo El País sobre a perseguição ao Catolicismo, encontram-se ataques a padres e bispos, profanações de igrejas, fechamento de meios de comunicação e ONGs administradas pelas dioceses, congelamento de contas bancárias e uma narrativa sustentada contra o Catolicismo e seus hierarcas.

Por exemplo, em 24 de janeiro de 2022, Murillo atacou os padres chamando-os de "atrasados" que "se disfarçam com máscaras e com trajes pretendidamente elegantes".

"As cifras antes de 2022 variam entre 55 e 84 ataques. Posteriormente, o ano de 2022 foi catalogado como o mais funesto contra a Igreja Católica, pois ocorreram 171 ataques, sem imaginar que este ano de 2023 seria mais catastrófico que 2022, pois neste período já foram cometidas 275 investidas contra a instituição religiosa", destaca a advogada Molina.

Na Semana Santa de 2023, a polícia do regime desencadeou uma caçada a fiéis e sacerdotes. No entanto, a mais notável foi a proibição expressa de realizar procissões no país. A medida foi replicada posteriormente, como ocorreu com as procissões da Conceição de Maria no início de dezembro, quando a Nicarágua celebra a mãe de Jesus como padroeira nacional.

"Até agora, um total de 3.639 expressões piedosas populares, ou seja, procissões, foram proibidas em todo o país", afirma Molina no documento. "O objetivo desta perseguição é sempre o mesmo: fazer a Igreja Católica desaparecer completamente da Nicarágua, porque os padres e bispos não se ajoelharam diante da ditadura e também não se tornaram cúmplices, porque é isso que eles procuram. Eles não querem essas vozes proféticas que estejam lembrando a todo momento, através da proclamação da palavra e do evangelho, todos os atos criminosos que a ditadura tem cometido. Então, como não conseguiram ajoelhar os bispos e padres ao projeto ditatorial que eles têm, o objetivo é aniquilar o catolicismo para criar eles mesmos sua própria religião, na qual os deuses sejam Daniel Ortega e sua esposa".

Os bispos da Conferência Episcopal da Nicarágua tentaram mediar na crise sociopolítica de 2018 e, em seguida, após o aumento da brutalidade do governo pelas mãos da polícia e grupos paramilitares, decidiram solidarizar-se e ficar ao lado das vítimas. O oficialismo não perdoou essa decisão, e em 19 de julho de 2018, em plena "operação limpeza" — como são conhecidos os massacres perpetrados pelos paramilitares —, Ortega acusou publicamente os bispos de "golpistas". Desde então, a escalada contra a Igreja Católica não teve trégua.

Apesar da cruzada do regime contra o Catolicismo, os fiéis continuam frequentando regularmente as igrejas. No entanto, a autocensura prevalece. A advogada Molina reconhece que a comunidade tem medo, mas decidiu realizar seus ritos dentro das igrejas.

"As vocações religiosas também continuam vigentes e estão sempre formando novos padres. Esse impacto que a ditadura quis, que a comunidade voltasse as costas para a Igreja Católica, eles não conseguiram e não vão conseguir" diz a advogada Molina com liberdade apenas porque está exilada.

Enquanto isso, entre muitos fiéis, especialmente nas paróquias rurais, impera o terror.

"Não sabemos nada do monsenhor e tememos que o tenham transferido para a prisão de El Chipote, e você sabe: naquele lugar eles torturam" disse ao El País uma mulher da diocese de Siuna, administrada pelo bispo Isidro Mora, o último detido.

Veja também

Cientista premiada alerta sobre má utilização de tratamentos contra a obesidade
obesidade

Cientista premiada alerta sobre má utilização de tratamentos contra a obesidade

Projeto de inclusão do IFPE conquista 1º lugar estadual do Prêmio IEL de Talentos
Inclusão

Projeto de inclusão do IFPE conquista 1º lugar estadual do Prêmio IEL de Talentos

Newsletter