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guerra na ucrânia

Explosões internas provavelmente destruíram barragem na Ucrânia, onde há milhares sem água

De acordo com especialistas, entretanto, é cedo para apontar dedos ou tirar conclusões precipitadas; incidente causa prejuízos para ambos lados

Rua inundada em Kherson, na Ucrânia, após explosão em represaRua inundada em Kherson, na Ucrânia, após explosão em represa - Foto: AFP

A destruição da barragem de Kakhovka, em uma região do sul da Ucrânia ocupada pelos invasores russos, provavelmente foi causada por uma explosão deliberada na terça-feira (6), afirmaram especialistas. Eles alertam, contudo, que é necessário cautela antes de apontar dedos, sinalizando que há poucas evidências disponíveis sobre o incidente, que Kiev disse ter deixado "centenas de milhares de pessoas sem acesso à água potável.

A tragédia na cidade de Nova Kakhovka, na região de Kherson, é motivo de troca de acusações entre russos e ucranianos, que ocupam cada um uma margem do rio Dniéper: Moscou controla o lado oriental e Kiev, o lado ocidental, o mais prejudicado. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e seu alto escalão afirmam ser um crime de guerra russo, enquanto o Kremlin culpa uma sabotagem do país vizinho, que invadiu em 24 de fevereiro do ano passado.

No início da tarde desta quarta (manhã no Brasil), o governo ucraniano disse que já evacuou mais de 2,7 mil pessoas de sua margem do rio. Na parte russa, a imprensa estatal fala de 1,3 mil evacuados. Na terça, os ucranianos haviam dito que cerca de 40 mil pessoas precisaram ser retiradas de ambas margens — 23 mil da área sob controle do Kremlin e 17 mil, da região comandada pela Ucrânia.

A tragédia que os ucranianos classificaram de "ecocídio" afetou o sistema de distribuição de água corrente, com as autoridades locais de Kherson afirmando que seis sistemas para a purificação de água foram inundados. De acordo com Zelensky, "centenas de milhares de pessoas ficaram sem acesso normal à água potável", e o governo aprovou com urgência um Orçamento emergencial para construir canais que possibilitem a normalização do cenário.

Segundo especialistas ouvidos pelo New York Times, é necessário cautela antes de atribuir culpa ou determinar a causa da destruição da estrutura de concreto, reforçada com ferro, cuja construção terminou em 1956. Moradores locais, contudo, relataram que ouviram uma alta explosão por volta das 2h50 de terça (20h50 de segunda, no Brasil), cerca do momento em que o reservatório transbordou.

Uma explosão em um espaço fechado, com toda a sua energia projetada contra a estrutura a seu redor, causaria o maior nível de destruição. Mesmo assim, afirmam os analistas, seria necessário ao menos centenas de quilogramas de explosivos para romper a barragem. Uma detonação externa por bomba ou míssil, creem os estudiosos, apenas aplicaria uma fração de sua força contra o reservatório — portanto, demandaria explosivos bem mais potentes para ter um efeito similar.

"Você terá limitações no quanto uma ogiva pode carregar (...). Mesmo um ataque direto pode não destruir a barragem" disse ao NYT Nick Glumac, professor de Engenharia da Universidade de Illinois. — Pense nas forças que operam na estrutura, elas são enormes. Há a força da água, que é imensa. Não é como se essas coisas estivessem sustentadas por um fio, elas são fortes.

Desabastecimento e contraofensiva prejudicada: Veja como a destruição de barragem ucraniana afeta a Ucrânia e a Rússia

Hipóteses múltiplas
Na terça, Zelensky já havia dito crer que os russos, que capturaram a hidrelétrica de Kakhovka nos dias iniciais da guerra, haviam propositalmente a explodido por dentro, algo negado pelo Kremlin. Há ainda a possibilidade de o rompimento ter ocorrido em decorrência dos danos acumulados por impactos repetidos nos 15 meses de guerra.

A barragem foi atingida repetidamente após os russos capturarem a região enquanto tentavam chegar à cidade de Dniéper no ano passado. Em sua contraofensiva no segundo semestre de 2022, contudo, os ucranianos conseguiram repelir os invasores da margem ocidental do rio, dividindo a região ao meio em novembro. A represa, contudo, permaneceu sob controle russo.

"As barragens falham, é absolutamente possível — disse Gregory Baecher, professor de engenharia da Universidade de Maryland." Mas eu olho para isso e digo, "céus, parece suspeito".

Não se sabe direito, contudo, a extensão exata dos danos, mas em agosto um míssil ucraniano caiu na rodovia que passa em cima da barragem. Quando os russos deixaram a margem ocidental, uma explosão destruiu parte da estrada, e fotografias aéreas constataram danos às comportas que deixam a água entrar. Não havia indício, entretanto, de prejuízos à estrutura maior.

Desde novembro, as comportas pouco foram abertas, o que levantou dúvidas se estavam ou não funcionais. De início, isso fez com que houvesse um nível historicamente baixo d'água no sistema. Com o degelo e as chuvas da primavera boreal, contudo, subiu para seu recorde em 30 anos nas últimas semanas.

Desde o início do ano passado, a água transbordava pelas comportas e pelo topo da reserva. Imagens da semana passada mostram parte da rodovia destruída, mas não está claro se a culpa é da água ou de algum ataque.

Não é incomum que barragens colapsem por excesso de peso, mas os especialistas afirmam que tal falha geralmente começaria nas margens Mas a catástrofe em Kakhovka parece ter começado no meio, perto da hidrelétrica. Ambas pontas estavam de início intactas, mas também foram afetadas durante o dia.

Segundo Baecher, o combo comportas danificadas e nível alto d'água poderia causar alguns danos, mas não destruir o reservatório de tal forma.

Impactos para a agricultura
Segundo o Ministério da Agricultura ucraniano, o alagamento já inundou mais de mil km² de terras agrícolas, algo que pode comprometer a produção de grãos em uma das regiões mais produtivas no planeta. No ano passado, quando o conflito impossibilitou a exportação dos grãos pelos portos do Mar Negro, o preço das commodities disparou, alavancando a inflação global.

Desde então, Moscou e Kiev chegaram a um acordo para possibilitar o transporte das commodities, mas a fragilidade do pacto faz com que o medo da insegurança alimentar permaneça, agora acentuado pelas inundações. O dano real às plantações, contudo, ainda é desconhecido.

A destruição do reservatório, alerta o governo ucraniano, também destruiu ao menos 31 sistemas de irrigação não apenas na região de Kherson, mas também nas vizinhas Dnieperpetrovsk e Zaporíjia, que permitiam a irrigação de 5 mil km². Com 30 metros de altura e 3,2 km de comprimento, a barragem fica rio abaixo da reserva que permite o resfriamento do complexo nuclear de Zaporíjia.

A segurança da maior usina atômica do continente, sob controle russo desde março do ano passado, é outro motivo perene de preocupação para a comunidade internacional. O Kremlin, a Energoatom, a operadora nuclear ucraniana, e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) dizem não haver riscos imediatos, contudo.

O Ministério do Interior ucraniano estima, contudo, que haja 20 mil pessoas sem luz no sul do país depois que a água inundou ao menos 129 subestações elétricas. A Presidência ucraniana divulgou ainda um vídeo que mostra uma variedade de peixes mortos, aparentemente em decorrência do vazamento do óleo lubrificante de motor armazenado na sala de máquinas da hidrelétrica de Kakhovka.

De acordo com os ucranianos, foi registrado na foz do Dniéper, no Mar Negro, ao menos 150 toneladas de óleo lubrificante. Os danos na central hidrelétrica, que antes da guerra gerava energia para mais de 3 milhões de pessoas, são irreversíveis — construir uma nova, estimam, demandaria mais de 930 milhões de euros (R$ 4,9 bilhões). O prejuízo total estimados pela catástrofe, afirmam, é de 50 bilhões de euros (R$ 263 bilhões).

Troca de acusações
Os ucranianos questionam o argumento russo de que foi um ato de sabotagem, afirmando que os prejuízos à infraestrutura, cidades e produção agrícola são maciços e os ataques russos, repetidos. Dizem também que foi proposital para atrapalhar a aguardada contraofensiva de Kiev — a intensificação dos ataques no último fim de semana foi entendido por alguns analistas como um indício de que ela estava começando.

O alagamento dificulta o avanço dos soldados e a destruição na reserva acaba com a única ligação na área entre as duas margens do rio Dniéper. Segundo Roman Kostenko, presidente da Comissão de Defesa e Inteligência do Parlamento ucraniano, os russos queriam "mostrar que estão prontos para fazer qualquer coisa".

O Kremlin, por sua vez, afirmou por meio de seu porta-voz, Dmitry Peskov, que Kiev ordenou a destruição para cortar o fluxo de água em um canal que vai do Dniéper até a Península da Crimeia. Os ucranianos haviam interrompido o envio quando a região foi anexada unilateralmente por Moscou em 2014, e uma das primeiras coisas que os russos fizeram quando a invasão começou no ano passado foi restaurá-lo.

A devolução da Crimeia, junto com Kherson, Zaporíjia, Donetsk e Luhansk — anexadas após referendos sem reconhecimento internacional em setembro de 2022 —, é uma condição ucraniana para negociar qualquer cessar-fogo. Os russos, contudo, não dão sinais de que pretendem abrir mão de qualquer uma delas.

Outro argumento russo é que a destruição de Kahkovka irá facilitar a a contraofensiva ucraniana, apesar de não estar exatamente claro qual seria o custo-benefício disso. Frente a tantas incertezas, os analistas são cautelosos para dizer de quem é a responsabilidade ou o que causou a destruição da barragem:

— É muito cedo para dizer — afirmou Michael Kofman, diretor de estudos russos no centro de pesquisa CNA, no estado americano da Virgínia, afirmando que o desastre, "no fim, não beneficia ninguém".

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