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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

'Cavalo de Troia' moderno: os dois dias de caos no Líbano

Ataques nos dias 16 e 17 de setembro mataram mais de 30 e deixaram cerca de 3 mil feridos

Fumaça sai do local de um ataque israelense na vila de Taybeh, no sul do Líbano, em meio a confrontos transfronteiriços entre tropas israelenses e combatentes do Hezbollah do LíbanoFumaça sai do local de um ataque israelense na vila de Taybeh, no sul do Líbano, em meio a confrontos transfronteiriços entre tropas israelenses e combatentes do Hezbollah do Líbano - Foto: Rabih Daher / AFP

Durante dois dias, centenas de pagers e walkie-talkies, ferramentas comuns de comunicação, foram transformados em dispositivos explosivos no Líbano e na Síria, em uma das operações secretas mais espetaculares das últimas décadas.

A autoria, como costuma acontecer nas operações que marcaram a história dos serviços secretos, não é comprovada, situação que permite ao seu idealizador negá-la.

Mas nenhum especialista, soldado, agente ou Estado tem a menor dúvida. A operação dos pagers tem o selo do Mossad, o poderoso serviço de inteligência externa de Israel responsável por operações especiais no exterior.

Os renomados serviços israelenses viveram um último ano de extrema tensão, acusados de não preverem o ataque do movimento islamista Hamas em Israel em 7 de outubro. No entanto, conseguiram assassinar um dos seus líderes em julho, no centro de Teerã.

Em 17 de setembro, no início da tarde, centenas de membros do Hezbollah, movimento islamista libanês próximo do Irã e aliado do Hamas, ficaram feridos pela explosão dos seus pagers.

Estes pequenos aparelhos, relíquias de outra época, permitem receber mensagens e alertas sonoros através de radiofrequência própria, fora das redes de telefonia móvel, o que evita que sejam interceptados.

As explosões atingiram vários redutos do Hezbollah ao sul de Beirute, no sul do Líbano, no leste do Vale do Bekaa e até na Síria.

Consternação
As imagens mostram cenas de terror. Ambulâncias se deslocam em massa para os hospitais. Uma menina de 10 anos torna-se a primeira morte comprovada, antes do filho de um deputado do Hezbollah.

Mãos arrancadas, olhos mutilados... Os feridos ficam no meio da rua, em meio aos engarrafamentos, enquanto barracas são montadas para receber doadores de sangue. Um pager explode nas mãos de um homem em um mercado.

Os autores "devem ser responsabilizados", exige o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk.

A televisão iraniana anuncia que o embaixador do Irã em Beirute ficou ferido.

O Líbano fecha escolas e universidades.

O contexto é de tensão. Na mesma manhã, autoridades israelenses, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, anunciaram o desejo de que os habitantes do norte do país retornassem às suas casas, sugerindo a necessidade de o Hezbollah se retirar do Líbano.

Cenários de guerra se espalham rapidamente nas chancelarias e centros de pesquisas (think-tanks): ataques, bombardeios, uma ofensiva terrestre iminente... mas ninguém adivinhou o que estava por vir.

O primeiro balanço transmitido pela AFP na terça-feira às 12h45 (horário de Brasília), citando o ministro da Saúde libanês, informava oito mortos e quase 2.750 feridos. O Hezbollah já acusava Israel.

Juntamente com a consternação inicial, as primeiras hipóteses apontam para uma infiltração de Israel na cadeia de abastecimento do Hezbollah.

"Isso não é um feito tecnológico", afirma um espião europeu, que pede anonimato. "É o resultado da inteligência humana e de uma logística forte", acrescenta, destacando o sucesso da operação.

Segundo ato: Walkie-talkies
As autoridades israelenses permanecem caladas, enquanto os Estados Unidos, seu aliado histórico, asseguram que "não estiveram envolvidos" nem foram informados do ataque.

O movimento pró-iraniano está profundamente desestabilizado.

"O Hezbollah recebeu um golpe muito forte do ponto de vista tático, um golpe impressionante e global que afeta aspectos operacionais e cognitivos, obrigando-o a trabalhar na sua defesa" e a identificar as suas fraquezas, disse à AFP Yoram Schweitzer, um ex-agente que virou pesquisador do Instituto de Estudos de Segurança Nacional de Tel Aviv.

O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW) afirma que cerca de 5.000 pagers foram enviados ao Líbano há cinco meses.

Segundo este think-tank, que cita fontes americanas não reveladas, a operação foi desencadeada pelo medo de que "o Hezbollah descobrisse os dispositivos manipulados".

Como eles foram sabotados? Um oficial de segurança libanês afirma que "eles foram pré-programados para explodir e continham materiais explosivos colocados junto à bateria".

Os serviços israelenses interceptaram estes dispositivos, do fabricante taiwanês Gold Apollo, antes da sua chegada ao Líbano, segundo fontes de várias nacionalidades citadas pelo The New York Times.

Mas a empresa taiwanesa garante que não os fabricou e aponta para o seu parceiro húngaro BAC. Esta empresa, fundada em 2022 e registrada em Budapeste, tem apenas uma funcionária, a presidente Cristiana Barsony-Arcidiacono.

"Os dispositivos em questão nunca estiveram em solo húngaro", segundo o governo da Hungria.

À medida que as condenações e os apelos à calma se multiplicam no mundo, acontece o segundo ato: walkie-talkies explodem na quarta-feira no Líbano, alguns durante os funerais das vítimas do dia anterior.

No total, as explosões dos dispositivos deixaram 37 mortos em dois dias, segundo o ministro da Saúde libanês.

O impacto destes ataques vai além do custo humano dentro da hierarquia do Hezbollah, uma vez que este movimento terá que reconstruir o seu sistema de comunicação.

"Sinal" de Israel
A História deverá detalhar algum dia o desenvolvimento da operação, assim como o fracasso dos serviços de inteligência israelenses em 7 de outubro.

Naquele dia, milicianos do Hamas atacaram o sul de Israel e mataram 1.205 pessoas, a maioria civis, segundo um relatório da AFP baseado em números oficiais israelenses.

Dos 251 sequestrados durante a incursão islamista, 97 permaneceriam cativos em Gaza, embora 33 deles tenham sido declarados mortos pelo Exército de Israel.

A resposta militar israelense na Faixa de Gaza matou 41.272 palestinos, a maioria civis, segundo dados do Ministério da Saúde do governo do Hamas, que a ONU considera confiáveis.

Depois das críticas de 7 de outubro, os serviços israelenses "queriam mostrar do que eram capazes", afirma o espião europeu.

Os membros do Hezbollah "foram surpreendidos no seu cotidiano, no coração de suas comunidades", sublinha Peter Harling, fundador do laboratório de pesquisas Synaps Network.

O terceiro ato: na quinta-feira, o chefe do Hezbollah, Hasan Nasrallah, prometeu uma "punição justa" contra Israel, reconhecendo "um duro golpe".

Durante o seu pronunciamento na televisão, aviões israelenses sobrevoavam Beirute.

O Irã denuncia "um massacre" e promete "um duro acerto de contas".

A operação dos pagers "não é uma vitória decisiva", mas permite "enviar um sinal ao Hezbollah, ao Irã e ao resto" dos seus aliados na região: "Israel está provavelmente pronto para ser mais ativo, ainda mais agressivo", segundo Yoram Schweitzer.

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