Falta de coordenação tornou máscaras menos eficazes, dizem pesquisadores
O Congresso aprovou em maio uma lei para tornar a proteção obrigatória, mas Bolsonaro vetou dezenas de dispositivos ao sancionar a lei
A demora dos governadores para determinar o uso obrigatório de máscaras de proteção nas ruas e as medidas do presidente Jair Bolsonaro em direção contrária reduziram a eficácia do seu uso para conter o coronavírus, diz um grupo de pesquisadores ligados à USP (Universidade de São Paulo).
Na avaliação do grupo, que faz parte da Rede de Pesquisa Solidária, o desencontro entre as autoridades responsáveis pelo enfrentamento da pandemia e a falta de informação sobre o uso correto das máscaras têm contribuído para a manutenção de níveis elevados de risco de contágio na maioria dos estados. "A orientação para usar máscaras nunca foi transmitida para a população com a clareza necessária, e basta ver como as autoridades se confundem ao usá-las em público sem respeitar regras básicas para fazer isso com segurança", afirma a cientista política Lorena Barberia, uma das coordenadoras do grupo.
Levantamento feito pelos pesquisadores mostra que apenas 13 estados determinaram o uso obrigatório de máscaras em abril. Outros 11 estados, entre eles São Paulo, tomaram a medida somente em maio. Três, incluindo o Rio de Janeiro, só o fizeram em junho, três meses após o início da pandemia.
O Congresso aprovou em maio uma lei para tornar a proteção obrigatória, mas Bolsonaro vetou dezenas de dispositivos ao sancionar a lei em julho, enfraquecendo-a. O Legislativo só derrubou os vetos na semana passada, cinco meses após o registro da primeira morte por Covid-19 no Brasil.
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As máscaras são recomendadas pelos especialistas desde o início da pandemia porque são um instrumento barato e eficaz para conter o ritmo de contágio da população. Elas permitem diminuir a disseminação de gotículas de saliva no ar, principal meio de propagação do vírus responsável pela Covid-19. Estimativas do Instituto de Avaliação e Métricas de Saúde, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, sugerem que o uso de máscaras por 95% da população brasileira poderia evitar 25 mil mortes até o fim do ano, equivalentes a mais de um quinto das mortes causadas pelo vírus no país até agora.
Pesquisa realizada pelo Datafolha na segunda semana de agosto captou sinais contraditórios sobre a adesão da população brasileira à determinação das autoridades: 92% dos brasileiros dizem que usam as máscaras sempre que estão nas ruas, mas só 52% veem as outras pessoas fazendo a mesma coisa. Na avaliação do grupo ligado à Rede de Pesquisa Solidária, a contradição é um reflexo da falta de coordenação das autoridades e da desorientação das pessoas. "As mensagens conflitivas dos governantes alimentaram descrédito na eficácia das máscaras e causaram muita confusão", afirma Barberia.
Na maioria dos estados, o uso de máscaras tornou-se obrigatório quando as autoridades se preparavam para autorizar a reabertura do comércio e a retomada de atividades econômicas não essenciais, relaxando as medidas de distanciamento social adotadas para conter o vírus no início da pandemia.
Um índice calculado pelo grupo para medir o grau de rigidez das políticas adotadas pelos estados na quarentena mostra que o rigor era maior quando as máscaras não eram obrigatórias -numa escala de 0 a 100, o índice caiu de 62 para 57 nos primeiros estados a determinar o uso das máscaras, em abril.
Para os pesquisadores, isso também contribuiu para torná-las menos eficazes. Segundo o Instituto de Saúde Global da Universidade Harvard, dos EUA, quase todos os estados brasileiros apresentavam na semana passada níveis de contágio mais elevados do que na época em que adotaram as máscaras.
Lançada em abril, a Rede de Pesquisa Solidária articula dezenas de pesquisadores de instituições acadêmicas públicas e privadas, como a USP e o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Os boletins semanais que eles têm produzido estão disponíveis no site do grupo.