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EDUCAÇÃO

CFM aciona Congresso após candidatos denunciarem erros nas notas do Enare: "Falta de respeito"

Estudantes alegam que cumpriram todas as exigências do edital e, ainda assim, não pontuaram

Exame Nacional de Residência (Enare)Exame Nacional de Residência (Enare) - Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O Conselho Federal de Medicina (CFM) informou que acionou o Congresso Nacional após os graves problemas ocorridos no Exame Nacional de Residência Médica (Enare) 2025, conhecido como o "Enem dos residentes". Desde que as notas foram divulgadas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no dia 8 de janeiro, candidatos alegam que a banca avaliadora distribuiu notas “zero” sem motivo aparente, especialmente na etapa de avaliação de currículos e de histórico escolar. Outros dizem ainda que recebem notas maiores do que deveriam, tendo em vista o teor da documentação enviada.

O Conselho, que representa a classe médica no país, cobrou das autoridades competentes mais transparência na análise dos currículos. Segundo a entidade, além de ofícios enviados para os responsáveis pelo concurso, o Congresso Nacional foi acionado em busca de uma solução.

— É uma falta de respeito. Nós não temos informações claras do que se passa. São mais de 500 mandatos de segurança individuais. São ações do Ministério Público Federal de Investigação. E nós precisamos tutelar esses candidatos — afirmou o coselheiro federal de medicina no Paraná, Alcindo Cerci Neto.

Agora, a preocupação dos alunos que não tiveram suas notas arrumadas a tempo é entender como a FGV vai reverter a situação, visto que a primeira leva dos aprovados já foi divulgada nesta quinta-feira (30). Muitos dos alunos que recorreram à Justiça e ganharam a ação, que determinava a reavaliação da pontuação no exame, poderiam ter sido aprovados na primeira chamada, mas não foram.

O Globo procurou a FGV questionando o problema, mas não obteve resposta. A instituição se resumiu a dizer que "reitera o seu compromisso com a higidez, transparência e isonomia do exame" e que “todos os recursos foram devidamente apreciados e respondidos".

Candidatos prejudicados
Ao Globo, a candidata Bárbara de Melo Ribeiro, de 25 anos, que prestou o Enare para a área de Pediatria, em Minas Gerais, contou que entrou com um mandado de segurança contra a FGV após não ter sua nota revista durante o período de recurso. Segundo ela, sua nota final foi reduzida em 50 pontos, mesmo tendo cumprido todos os requisitos do edital.

No dia 28 de janeiro, o juiz deferiu o pedido da candidata, determinando que a Fundação deveria corrigir a nota dela até o dia 29, prazo final para a escolha dos locais onde os estudantes gostariam de fazer a residência. No entanto, diz Bárbara, a FGV só respondeu o e-mail que ela mandou com a decisão nesta quinta-feira (30), afirmando que iriam cumprir o mandado nesta sexta, dia 31. A demora fez com que a candidata não fosse selecionada na primeira chamada do concurso.

— Por conta do erro da FGV e a demora no cumprimento do mandado de segurança, e também da não reclassificação que deveria ser feita hoje após cumprimento do mandado, não fui aceita no hospital que escolhi pois minha nota (a nota incorreta) era insuficiente naquele momento — disse a jovem.

Devido à nota incorreta, que ficou em 696,50 — cinquenta pontos a menos do que deveria ser —, Bárbara ficou em 5º lugar de apenas três vagas no Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais. O primeiro colocado para essa instituição passou com 710,00 pontos. Ou seja, caso a nota de Bárbara estivesse correta, ela teria sido aprovada em primeiro lugar. A mesma coisa ocorreu em sua segunda opção de residência, no Hospital Odilon Behrens em Pediatria, em que o 1º colocado apresentou 745,60 pontos, nota inferior a dela.

Cerca de 10 mil candidatos zeraram
Conforme antecipado pela coluna do Lauro Jardim, no GLOBO, dos mais de 89 mil inscritos no processo seletivo, cerca de 10 mil zeraram na análise curricular, que corresponde a 10% da nota. Os outros 90% dos pontos vêm da prova de conhecimentos, que foi aplicada em 20 de outubro de 2024.

Um dos principais processos seletivos para profissionais de saúde em formação, o Enare é realizado anualmente desde 2020. A atual edição, que bateu recorde de candidatos inscritos, vai ofertar 8.720 vagas em 163 instituições do país. Todo o processo seletivo é organizado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), vinculada ao Ministério da Educação (MEC), em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

'Futuro prejudicado'
Em um vídeo aflito nas redes sociais, a médica Agatha Soyombo contou que moveu uma ação judicial contra o exame e a banca após suas notas definitivas permanecerem erradas após entrar com um recurso administrativo. Ela teve seu histórico curricular zerado, mesmo tendo a possibilidade de ter 50 pontos garantidos por ter estudado em universidade pública e ainda um acréscimo por conta de seus projetos de iniciação científica realizados durante a graduação. Ela garante que todos os documentos comprovantes foram enviados dentro do prazo, conforme determinava o edital.

— Em pouquíssimo tempo recebemos esse balde de água fria numa coisa que define o nosso futuro. (Entramos com) ação judicial, liminar, procuramos a ouvidora da Ebserh, mas ninguém se pronunciou — disse a médica.

Agatha integra um grupo de mais de 400 estudantes que passam pela mesma situação. Eles alegam que cumpriram todas as exigências do edital (bom desempenho nas disciplinas ao longo da graduação, presença em congressos e participação em atividades de pesquisa e em estágios, por exemplo) e, ainda assim, não pontuaram. Outros admitem que receberam pontos a mais, de maneira misteriosa, por certificados que sequer apresentaram.

Apesar das contestações e ameaças de judicialização do edital, a Ebserh, responsável pelo exame, disse à coluna do Lauro Jardim, que decidiu manter o resultado e o cronograma estipulado. Os candidatos tiveram até o último dia 23 para recorrer.

Procurada novamente nesta terça-feira, a Ebserh informou ao GLOBO que "imediatamente após tomar conhecimento dos relatos de possíveis inconsistências na análise curricular solicitou apuração da Fundação Getulio Vargas (FGV), empresa responsável pelo exame". Ainda segundo a estatal, "todas as medidas foram adotadas para assegurar a integridade do exame", concluiu a nota.

A FGV, por sua vez, não retornou sobre o caso até a publicação desta reportagem.

Erros sucessivos
Desde o dia 8 de janeiro, data em que a FGV publicou os resultados preliminares das análises de currículos, estudantes relatam que suas notas estão erradas. No dia 10, as instituições realizadoras tornam “sem efeito” o resultado da primeira análise curricular.

Um novo resultado foi divulgado no dia 14, dando a possibilidade aos candidatos de entrarem com recurso em até dois dias após a divulgação. No dia 21, os resultados finais, pós-recurso, foram divulgados e a reclamação permaneceu entre os estudantes que se sentiram lesados por ficarem com nota zero no histórico escolar, sem nenhuma justificativa específica.

A partir desta terça-feira (28), os candidatos do Enare devem usar suas notas finais para se inscrever em opções específicas de residência, nas áreas e hospitais que desejarem. No entanto, com o erro alegado por muitos deles, há a possibilidade de não conseguirem cursar a residência.

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