Famílias com crianças sofrem mais com a pandemia
A redução da renda também foi mais frequente e mais profunda entre essas famílias
As famílias com crianças e adolescentes foram as mais impactadas pela pandemia, de acordo com pesquisa Ibope encomendada pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
O agravamento da situação de vulnerabilidade desses domicílios exige políticas públicas que levem em conta não apenas renda, mas também as dimensões de alimentação e educação, entre outras, defende a organização.
Segundo a pesquisa, feita via entrevistas por telefone com 1.516 pessoas entre 3 e 18 de julho, domicílios com residentes de até 17 anos reportam mais perda de trabalho com a pandemia: 21% contra 14% daqueles em que não há pessoas nessa faixa etária.
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A redução da renda também foi mais frequente e mais profunda entre essas famílias. O percentual dos que relatam diminuição de recursos desde o Carnaval é de 63% nesses domicílios, enquanto naqueles sem crianças e adolescentes esse número cai para 50%.
As principais causas dessa queda foram a redução de salário de um dos membros da família e das horas trabalhadas (61% e 61%, respectivamente). Essas também são as principais causas apontadas por domicílios sem crianças e adolescentes que tiveram perda de renda, mas os percentuais são inferiores: 55% e 47%.
A impossibilidade de um membro da família trabalhar, por razões como falta de transporte ou por estar doente, é um dos motivos da perda de renda para mais de um quarto das famílias com menores de 17 anos (29%). Naquelas sem, o percentual é de 18%.
Somados, esses fatores levaram 10% das famílias com crianças e adolescentes a perderam mais da metade da renda, e outras 25% a perderam metade. Nas famílias com membros apenas adultos, os percentuais foram de 9% e 14%, respectivamente.
A maior vulnerabilidade das famílias com crianças e adolescentes se refletiu em uma taxa maior de beneficiários do auxílio emergencial: 52% contra 42%. De acordo com a pesquisa, benefícios sociais do governo federal, estadual e municipal são a principal fonte de renda dessas famílias, ao lado de aposentadoria e pensão.
O auxílio emergencial é um instrumento importante para combater esse quadro, mas é preciso ajustar os programas sociais para que sejam focalizados nas famílias com crianças e adolescentes, avalia Liliana Chopitea, chefe da área de políticas sociais, monitoramento e avaliação do Unicef no Brasil.
Questionada sobre a proposta do governo federal de concentrar diversos benefícios em um único programa, o Renda Brasil, Chopitea afirma ainda ser necessário um detalhamento melhor do programa -a apresentação, programada para esta terça (25) foi suspensa após impasse dentro da equipe do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quanto às medidas. "Quando falamos de pobreza infantil temos que ver a multidimensionalidade da situação. Vamos ter muitos desafios daqui para frente em termos de segurança alimentar e educação em que é preciso olhar para além de programas de renda apenas. Esperamos que esse pacote [que governo deve anunciar] tenha em conta esses desafios", afirma.
O levantamento também mapeou os efeitos da pandemia sobre a alimentação das famílias, observando resultados semelhantes aos encontrados quanto a emprego e renda: 27% dos domicílios com residentes de até 17 anos relatam que houve momentos em que a comida acabou e não havia dinheiro para reposição, percentual que cai para 17% quando considerados apenas domicílios compostos por adultos.
Quando questionados se a família chegou a pular uma refeição por falta de dinheiro -um agravamento do quadro anterior- as taxas ficam abaixo dos 10%, mas seguem refletindo a desigualdade entre os domicílios: 8% daqueles com crianças e adolescentes passaram pela situação, o dobro dos sem residentes nessa faixa etária.
Para além da fome, o Unicef também considera preocupante o aumento do consumo de alimentos industrializados observado em quase um quarto da população de modo geral. Mais uma vez, o problema é pior entre as famílias com crianças (31%) do que entre as sem (18%).
O aumento do consumo de fast food e bebidas açucaradas também foi mais comum nesses domicílios (20% e 19%, respectivamente) do que nos demais, em que as taxas observadas foram de 14% e 15%. "Isso tem um impacto sobre o excesso de peso. O que vemos nessa pesquisa é que a Covid-19 pode agravar a epidemia de obesidade entre crianças e adolescentes", diz Cristina Albuquerque, chefe de saúde do Unicef no Brasil.
Considerando o recorte geográfico e renda, a pesquisa observou um impacto maior nas regiões Norte e Nordeste e nos estratos de renda C, D e E, reforçando o quadro já apontado por outros levantamentos.
Por outro lado, um resultado positivo encontrado pela pesquisa foi a continuidade das atividades escolares durante a pandemia de crianças e adolescentes. Entre as famílias com membros entre 4 e 17 anos que estavam matriculados, 91% seguiu ativo, índice que surpreendeu o Unicef, afirma Ítalo Dutra, chefe de educação da organização. "A questão agora é entender a qualidade dessa frequência de atividade", avalia.
Um problema já observado é a desigualdade entre o ensino público e o privado -enquanto quase 100% dos matriculados em escolas particulares realizam atividades pela internet, o percentual cai para 81% entre aqueles na rede pública.