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GUERRA

'FDP maluco': Dois anos após guerra na Ucrânia, Putin abraça imagem de homem forte e imprevisível

Para analistas, líder russo busca referências nacionais históricas para se posicionar entre os grandes governantes do passado, mas críticos alegam que seu poder não é tão forte quanto parece

Presidente da Rússia, Vladimir PutinPresidente da Rússia, Vladimir Putin - Foto: Dmitry Astakhov / POOL / AFP

Depois que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, xingou seu homólogo russo, Vladimir Putin, de "FDP maluco” na quarta-feira, o Kremlin foi rápido em emitir uma condenação severa. Mas a verdade é que o chefe do Kremlin abraçou integralmente a imagem de um homem forte e imprevisível, pronto para acirrar seu conflito com o Ocidente, após dois anos de guerra em grande escala.

Internamente, Moscou mantém mistério sobre as circunstâncias da morte de Alexei Navalny na semana passada, impedindo que a família do líder da oposição recupere seu corpo. Na Ucrânia, Putin pressiona seu exército a continuar uma ofensiva brutal, gabando-se na televisão de ter ficado acordado a noite toda quando a cidade de Avdiivka caiu nas mãos das forças russas. E no espaço sideral, alertam as autoridades americanas, a Rússia pode estar planejando colocar uma arma nuclear em órbita, a bordo de um satélite, o que violaria um dos últimos tratados de controle de armas.

No poder desde 1999, Putin, de 71 anos, deve estender seu governo até 2030 nas eleições russas do próximo mês. À medida que a votação se aproxima, ele alimenta sua concepção cada vez mais evidente de si mesmo como um líder que faz história e que leva adiante o legado de governantes passados que estavam dispostos a sacrificar um número incontável de vidas para construir um Estado russo mais forte.

Mas Putin também enfrenta ventos contrários: uma resistência ucraniana ainda determinada, uma aliança ocidental que, em grande parte, permanece unida e murmúrios de descontentamento entre o próprio público russo. A questão é se Putin, enquanto exulta em liderar uma "Rússia eterna de mil anos", pode evitar a agitação interna que também tem sido uma marca repetida da história do país.

— Putin está vivendo na eternidade — disse Boris Nadezhdin, um político antiguerra que tentou montar uma candidatura presidencial para desafiar Putin, mas foi impedido de participar da votação em março.

Listando governantes que datam do século IX, ele acrescentou sobre Putin:

— Está claro que ele está pensando em si mesmo ao lado de Oleg, o Sábio, Pedro, o Grande, Ivan, o Terrível e talvez Stalin.

Nadezhdin, que trabalhou no governo russo e atuou no Parlamento, insistiu em uma entrevista por videochamada ao New York Times esta semana que o controle de Putin sobre o poder é mais fraco do que parece. Segundo ele, a segurança, a estabilidade e o aumento da prosperidade, que durante muito tempo foram o argumento de venda de Putin após o caos da década de 1990, estão diminuindo.

— Esse regime está historicamente condenado — sentenciou.

De fato, mesmo que Putin tenha se esforçado muito para pintar uma imagem da Rússia como um Estado invencível, ele foi pego de surpresa várias vezes. Há dois anos, o Kremlin teve uma falha de inteligência impressionante, quando Putin esperava que as tropas russas fossem recebidas no leste da Ucrânia como libertadoras e que o governo do presidente Volodymyr Zelensky entraria em colapso rapidamente.

Houve também o levante de 24 horas encenado no final do ano passado, quando Yevgeny Prigojin, chefe do grupo mercenário Wagner, visto há muito tempo como um aliado próximo de Putin, levou a Rússia à beira de uma guerra civil. E, apesar de uma repressão à dissidência que alguns analistas descrevem como mais feroz do que no final da União Soviética, os russos ainda estão se arriscando a ser presos para mostrar sua discordância.

Um grupo de mulheres continuou a realizar pequenos protestos exigindo que seus filhos e maridos mobilizados para a guerra na Ucrânia fossem trazidos de volta para casa; as pessoas depositaram flores em memória de Navalny em várias cidades russas; e Nadezhdin conseguiu enviar mais de 100 mil assinaturas no mês passado em sua tentativa de entrar na cédula presidencial com uma mensagem contra a guerra.

Na quarta-feira, porém, a Suprema Corte da Rússia confirmou a decisão do comitê eleitoral federal de manter Nadezhdin fora da cédula de votação. Foi um sinal de que Putin, embora tenha permitido que candidatos liberais concorressem contra ele em eleições anteriores como demonstração de pluralismo, não está se arriscando desta vez.

Ele também está deixando cada vez mais claro que aqueles que o contrariam devem temer por suas vidas. As autoridades russas comemoraram o assassinato na Espanha, neste mês, de um piloto russo que desertou para a Ucrânia. E em sua recente entrevista com o apresentador americano Tucker Carlson, Putin elogiou o assassino de um ex-combatente separatista checheno em um parque de Berlim em 2019, descrevendo o assassino como motivado por "sentimentos patrióticos".

Nesse contexto, o Kremlin parece focado em usar a eleição presidencial, programada para 15 a 17 de março, como um exercício de endosso público do governo de Putin — e de sua invasão da Ucrânia.

Na próxima quinta-feira, Putin fará o discurso anual sobre o estado da nação, um evento televisionado em que o presidente apresenta centenas de autoridades de alto escalão que demonstram sua lealdade ao líder.

Konstantin Remchukov, editor de um jornal de Moscou próximo ao Kremlin, disse que a possibilidade de apresentar uma vitória eleitoral esmagadora como prova do apoio público à guerra parece ser o principal objetivo de Putin para a eleição de março.

— As eleições, e o alto resultado de Vladimir Putin nessas eleições, têm o objetivo de legitimar eleitoralmente as políticas de Putin, incluindo a O.M.E. — disse Remchukov em uma entrevista por telefone, usando as iniciais russas para "operação militar especial", o termo do Kremlin para a guerra. — Se ele obtiver, digamos, de 75% a 80% dos votos, isso significará que as pessoas estão aprovando essa política.

Retratar a invasão como tendo amplo apoio público também está permitindo que o Kremlin justifique sua repressão à dissidência. As imagens de agentes do serviço de segurança mascarados prendendo críticos da guerra se tornaram comuns na televisão russa. Na terça-feira, o serviço de segurança doméstica da Rússia, conhecido como FSB, anunciou que havia prendido uma mulher russo-americana de 33 anos, que estava visitando o país, sob suspeita de traição. Seu suposto crime: doar cerca de US$ 50 para uma instituição de caridade ucraniana. Ela pode pegar 20 anos de prisão.

A notícia dessa prisão veio apenas quatro dias após a morte de Navalny, que passou mais de três anos na prisão, incluindo cerca de 300 dias em celas solitárias de "punição". Ainda não se sabe como Navalny morreu em uma prisão do Ártico conhecida como “Lobo do Ártico”. Sua porta-voz disse na quinta-feira que as autoridades disseram que ele morreu de causas naturais.

Na quinta-feira, a mãe de Navalny afirmou que as autoridades a estavam "chantageando" para que concordasse com um "funeral secreto" para seu filho.

"Com a morte de Navalny, o regime russo ultrapassou o regime soviético em sua crueldade e cinismo", escreveu Alexander Baunov, membro sênior do Centro Carnegie Rússia Eurásia. Ele argumentou que o governo de Putin passou de "uma ditadura do engano para uma ditadura do medo e, após a eclosão da guerra, para uma ditadura do terror".

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