Febre maculosa: conter infestação de carrapatos é desafio quase impossível
Desequilíbrio ambiental, com aumento da população de capivaras, dificulta eliminação desse transmissor de doenças
Há mistérios ainda sem resposta nos casos de febre maculosa no estado de São Paulo. Mas uma coisa é certa: não será fácil, se não impossível, se livrar da infestação de carrapatos em pouco tempo, afirma Matias Pablo Juan Szabo, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais.
Szabo é um dos poucos especialistas no Brasil em carrapatos transmissores de doenças para seres humanos.
Só falta ao carrapato voar para se equipar em pestilência ao mosquito, o animal que mais mata seres humanos no mundo devido às doenças que transmite. Não adianta muito pulverizar toneladas de veneno acaricida porque ele fica sob a folhagem e se protege, enquanto outros animais morrem.
— Não resolve tentar matar com pesticidas, a eficácia é baixa. Eles escapam em sua maioria e pessoas e outros animais acabam intoxicados — destaca o pesquisador, autor de numerosos estudos sobre a ecologia dos carrapatos.
A única forma segura de evitar a transmissão é realmente não ir a lugares onde existem capivaras e se assegurar que elas não passaram por um local deixando carrapatos de lembrança. No caso de propriedade rurais em áreas infestadas, é recomendável cercar e deixar as capivaras de fora, aconselha Szabo.
Capivara
O carrapato é bem lento. Se desloca não mais que dois a três metros. Mas se espalha porque caminha de carona nas capivaras, segundo o pesquisador. E tanto carrapatos quanto capivaras estão com as populações descontroladas devido ao desequilíbrio ambiental.
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— A maioria dos casos de febre maculosa no Sudeste do Brasil acontece em lugares onde a Mata Atlântica deu lugar a campos — explica Szabo.
Capivaras não faltam em toda a região de Campinas, no interior de São Paulo, onde o desmatamento criou para elas e o carrapato-estrela, nativo do Cerrado, um ambiente de campos perfeito. As capivaras se multiplicaram descontroladamente com a substituição das florestas e dos rios que as matas protegiam por campos alagadiços.
Sem predadores naturais, como as onças e as cobras maiores, as capivaras se tornaram um problema ambiental e de saúde, diz Szabo.
Já o carrapato-estrela, o principal transmissor da bactéria Rickettsia rickettisii, a causadora da febre maculosa está em plena estação de “larvinha”, quando não passa do tamanho de uma cabeça de alfinete e aos milhões infesta campos. É nessa fase, quando é pequeno para ser visto mas grande o suficiente para carregar bactérias, que o estrela mais transmite a Rickettsia.
Outros animais, como cavalos e antas, podem ser muito infestados pelos carrapatos-estrela, mas só as capivaras amplificam não apenas o número de carrapatos, mas o de carrapatos infectados pela Rickettsia. Pois se estima que apenas 0,5% dos carrapatos sejam infectados.
Ou seja, para que uma pessoa se infecte é necessário que exista um número assombroso de carrapatos. A capivara é uma amplificadora porque adoece com pouca gravidade, muitas vezes nem demonstra sintomas. Com isso, permite que carrapatos infectados se multipliquem.
—Os casos em São Paulo têm a ver com a explosão da população de capivaras, com o desequilíbrio —afirma o cientista.
Segundo ele, o mesmo não ocorre em outros lugares em que existem muitas capivaras, como o Pantanal, porque lá as populações estão em equilíbrio, seu tamanho se adequa ao ambiente, há predadores que impedem que se multipliquem desenfreadamente e os próprios carrapatos não encontram as mesmas condições devido à competição entre espécies.
— Mas este ano em Campinas estamos com um número elevado de casos (para uma doença rara) concentrados num mesmo local. Isso realmente chama a atenção sobre a dimensão da infestação— observa Szabo.
Como poucos carrapatos são normalmente infectados pela Rickettsia —eles também adoecem e morrem —é preciso que exista uma amplificação recente muito grande para que as pessoas tenham sido picadas justamente por carrapatos infectados.
— Estamos na época da larvinha. É quando as larvas de carrapato sobem as folhas da vegetação: são os micuins. Como milhares de fêmeas puseram outros milhares de ovos, há milhões de larvinhas. Uma só capivara carrega centenas de fêmeas, sai espalhando carrapatos, larvinhas. É como um incêndio silencioso — explica Szabo.
Controle ecológico
— Não pode ter capivara em áreas com pessoas de jeito nenhum. É preciso evitar criar ambientes favoráveis à multiplicação, como alagados, lagos de condomínios, áreas de desmatamento — afirma o pesquisador.
E leva tempo. Segundo o cientista, é preciso esperar pelo menos dois anos para ter certeza de que uma área teve realmente diminuição de infestação. Um carrapato pode viver cerca de dois anos num ambiente favorável, como campinhos com sombra. No capim, removida a capivara, vive por semanas, às vezes, meses.
— Depois que se remove as capivaras, num primeiro momento, há um súbito aumento da infestação em pessoas e animais, porque os carrapatos famintos vão buscar comida. Mas sem amplificação, o número deles acaba por cair. Enquanto tempo? Isso é difícil de dizer, depende de vários fatores, é preciso controlar — acrescenta Szabo.