Febre maculosa: dos sintomas ao tratamento, tudo o que você precisa saber sobre a doença
Doença transmitida por carrapatos tem alta letalidade, mas é curável com tratamento rápido e barato; diagnóstico precoce é o grande desafio
A confirmação da febre maculosa como causa da morte de três pessoas após visita a uma fazenda em Campinas, São Paulo, tem chamado atenção para a doença. Um dos pontos de destaque é a alta letalidade, que chegou a cerca de 70% dos casos registrados no estado em 2022.
A repercussão também tem provocado uma série de dúvidas, como o que é a doença, como ela é transmitida e qual é a diferença entre a febre maculosa e a febre normal. Abaixo, confira em perguntas e respostas tudo o que você precisa saber sobre o diagnóstico.
O que é a febre maculosa?
A febre maculosa é uma doença infecciosa causada por duas espécies de bactérias do gênero Rickettsia: a Rickettsia rickettsii, que provoca os quadros mais graves, e a Rickettsia parkeri, associada a sintomas mais leves. Desde 2020, a doença tem notificação compulsória às autoridades de saúde no Brasil.
Como a febre maculosa é transmitida?
A infecção é transmitida pela picada do carrapato da espécie Amblyomma cajennense, popularmente conhecido como carrapato-estrela. Esse parasita costuma ter como hospedeiros cavalos, bois e capivaras. Ele também pode ser encontrado em cães, porém a espécie de carrapato mais comum nesses animais é o carrapato-vermelho-do-cão, que não transmite a febre maculosa.
A doença, portanto, não é disseminada de pessoa para pessoa, nem pelo contato com os animais, apenas por meio da picada do carrapato.
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Quais são os sintomas da febre maculosa?
As vítimas em São Paulo foram internadas com picadas de inseto, febre, dores de cabeça e manchas avermelhadas no corpo. A médica Elba Lemos, pesquisadora do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), explica que a febre maculosa começa com um quadro parecido com o de gripe, com muita dor de cabeça e febre.
— Não existe febre maculosa sem febre — afirma a especialista.
Em seguida, há progressão para manchas no corpo, parecidas com as de sarampo e rubéola. Mas uma característica importante da doença é que essas manchas aparecem nas extremidades, como palma das mãos e sola dos pés. Outros sintomas incluem: tonteira, cansaço, náuseas, vômitos, falta de apetite, diarreia, dor abdominal, dor muscular constante, inchaço, gangrena (morte de um tecido) nos dedos e orelhas, pneumonia
Em casos graves, a infecção pode causar inflamação do cérebro, insuficiência renal e paralisia dos membros, com início nas pernas, e pulmões, causando parada respiratória.
Quanto tempo demora para os sintomas aparecerem?
O período de incubação, tempo entre a infecção e o surgimento de sintomas, da febre maculosa é de, em média, 7 dias. Mas esse período pode variar de 2 a 14 dias.
No caso das mortes em São Paulo, as vítimas visitaram o local onde acredita-se ter ocorrido a contaminação no dia 27 de maio. Elas morreram no dia 8 de junho, cinco dias após os primeiros sintomas. Logo, os sinais surgiram no dia 3, uma semana após o evento.
Febre maculosa é a mesma coisa que febre?
Não. A febre maculosa é uma doença infecciosa, que recebeu esse nome justamente por ter como um dos principais sintomas a temperatura corporal elevada. Já a febre normal é apenas uma reação do corpo humano a algum processo indesejado, como uma contaminação por um vírus ou uma bactéria ou alguma outra doença.
Febre maculosa é grave?
Sim. De acordo com o médico infectologista Julio Croda, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a febre maculosa é uma doença grave com alta letalidade.
— Proporcionalmente, a febre maculosa mata muito mais do que dengue. De cada 100 pessoas com dengue, 2 a 3 vão evoluir para o óbito. Na febre maculosa a letalidade pode chegar a 40% e até 60% porque não foi feito o diagnóstico e tratamento precoce — completa Lemos.
Em São Paulo, estado que concentra a maior parte dos casos e óbitos da doença no país, a taxa chegou a ultrapassar 70% dos infectados nos últimos anos, ou seja, mais de 7 a cada 10 pacientes morreram. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, no ano passado, foram 190 casos e 70 mortes, uma letalidade geral de 36,8%, bem abaixo da observada em São Paulo.
Como é o diagnóstico da febre maculosa?
O diagnóstico da doença é um dos grandes desafios, pois ele é fundamentalmente clínico e os sintomas da febre maculosa são semelhantes ao de outras doenças mais frequentes, como dengue, leptospirose e malária. No entanto, esse é um passo fundamental para o início do tratamento.
Neste caso, o histórico do paciente, por exemplo, se esteve em uma região endêmica, frequentou áreas com mata, florestas, fazendas, trilhas ecológicas e se foi picado por um carrapato, são fundamentais.
Existem exames laboratoriais disponíveis, mas os especialistas são enfáticos em dizer que eles servem apenas para confirmação e não devem ser usados como critério para início do tratamento.
— Em caso de suspeita da doença, o médico não deve esperar diagnóstico laboratorial para iniciar o tratamento — ressalta Croda.
Como é o tratamento da febre maculosa?
O tratamento é feito com antibióticos que devem ser iniciados imediatamente após a suspeita. A administração pode ser via oral ou venosa, a depender do estágio da doença. Em geral, o tratamento tem duração de sete dias. A demora para iniciar a terapia, ou a não utilização dos medicamentos, aumenta o risco de óbito.
— Na maioria das vezes, após 5 a 7 dias do início dos sintomas, as lesões causadas pela bactéria passam a ser irreversíveis. Por isso é importante a precocidade —afirma Lemos.
Como se proteger da febre maculosa?
A prevenção da febre maculosa é feita ao evitar-se o contato com o carrapato transmissor da doença. Para isso, o Ministério da Saúde orienta algumas medidas que podem ajudar em locais onde há maior exposição, como fazendas e trilhas.
São elas:
Usar roupas claras para ajudar a identificar o carrapato;
Usar calças, botas e blusas com mangas compridas;
Evitar locais com grama ou vegetação altas;
Usar repelente para insetos;
Verificar sempre o corpo e os animais de estimação para a presença de carrapatos após o retorno desses locais e removê-los o mais rápido possível. Eles gostam de se alojar em locais “escondidos”, como atrás da orelha, no pescoço, na região da virilha e embaixo da mama.
O que fazer se encontrar um carrapato?
Quanto mais tempo o carrapato permanecer no corpo, maior o risco de transmissão da doença. No entanto, é preciso cuidado ao removê-lo. O Ministério da Saúde orienta nunca esmagá-lo ou apertá-lo, pois isso pode liberar as bactérias caso ele esteja infectado. Pode-se utilizar uma pinça, uma gaze ou um algodão para auxiliar na tarefa. Em seguida, é indicado lavar a área da mordida com álcool ou água e sabão. Por fim, colocar todas as peças de roupas utilizadas em água fervente para eliminar o risco de contaminação.
É importante também monitorar o surgimento de sintomas por até duas semanas após a picada. Caso surjam sintomas como febre alta, dor de cabeça intensa, náuseas e vômitos, deve-se buscar imediatamente o atendimento médico e relatar o contato prévio com o carrapato.
Febre maculosa é comum?
O monitoramento do Ministério da Saúde mostra que, desde 2007, o ano em que o Brasil registrou mais casos de febre maculosa foi 2018, quando identificou 314 infecções e 96 óbitos. É, portanto, uma doença rara, mas importante devido ao alto impacto na saúde. Além disso, é mais comum em áreas rurais e para pessoas que tenham contato com os animais hospedeiros do carrapato.
Os diagnósticos ocorrem principalmente nas regiões Sudeste e Sul, sendo extremamente raros os registros nos demais estados. Já os óbitos são praticamente todos concentrados em SP, ES, RJ e MG – nos últimos cinco anos, não foram registradas mortes nas demais regiões.
Os três casos que morreram em São Paulo recentemente estiveram em um mesmo evento no mesmo local: Fazenda Santa Margarida, interior de Campinas. Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde da cidade afirmou que a região é endêmica para a doença.
Por isso, os responsáveis pelo local foram notificados sobre a importância da sinalização de risco da doença. “Essa informação é imprescindível para que a pessoa adote comportamentos seguros ao frequentar estes espaços”. Nos próximos dias, o Departamento de Vigilância em Saúde de Campinas (Devisa) fará uma inspeção no espaço.