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Febre Oropouche está se espalhando para outras partes do mundo, diz líder de agência dos EUA

Atul Gawande, da agência americana para o Desenvolvimento Internacional, afirma ainda que soluções aplicadas em Manaus podem servir de exemplo para o mundo

Mosquito Coquillettidia venezuelensis, um dos transmissores da febre oropouche Mosquito Coquillettidia venezuelensis, um dos transmissores da febre oropouche  - Foto: Reprodução/iNaturalist

Em visita ao Brasil pela segunda vez, Atul Gawande, líder da área de saúde global na Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), enfatiza que o impacto das mudanças climáticas na saúde pública ainda é subestimado. Ele aponta a poluição do ar, resultante de secas e incêndios, e os efeitos do calor extremo como fatores que afetam a saúde das populações.

Autor best-seller nos Estados Unidos, Gawande destaca que o Brasil está inovando em protocolos de segurança para mitigar os danos dos desastres climáticos e que essas estratégias de adaptação são fundamentais para enfrentar a crise climática.

O médico, cuja carreira tem sido marcada pela dedicação à saúde pública e à redução das desigualdades na expectativa de vida, explica que, após a prioridade inicial voltada para a Covid-19, a USAID agora se concentra em outras crises urgentes, como a saúde ambiental e a gestão de surtos emergentes.

Entre os desafios observados estão a febre Oropuche, uma doença recentemente identificada em Manaus e que também está se espalhando pelos Estados Unidos. O secretário conversou com o Globo a convite da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil.

Qual é o objetivo da sua viagem e da sua visita ao Brasil?
Minha carreira tem sido dedicada à saúde pública, com foco em reduzir desigualdades na expectativa de vida e nas chances de sobrevivência. Quando comecei na USAID, a prioridade número um era a Covid-19, que era a principal causa de mortalidade prematura. Outro ponto importante é a necessidade de melhorar nossa preparação e gestão de surtos emergentes.

Quais são essas doenças?
Temos enfrentado emergências frequentes, como a varíola dos macacos, e recentemente, tive a oportunidade de observar a febre do Oropouche em Manaus. Estamos vendo casos dessa doença também nos Estados Unidos. O que estamos aprendendo e as parcerias que estamos formando para enfrentar essas questões terão um impacto significativo no combate a essas doenças globalmente, além do Brasil.

O Brasil tem sido um pioneiro no fortalecimento da atenção primária à saúde, que é uma prioridade no país. No entanto, essa não é uma prioridade universalmente reconhecida. Em muitos lugares, incluindo os Estados Unidos, ainda há grandes lacunas no fortalecimento da atenção primária. Portanto, há uma oportunidade crítica para aprender com o Brasil e fortalecer a atenção primária à saúde em todo o mundo.

Qual a preocupação com a febre Oropouche?
A febre do Oropouche é uma doença que surgiu no Brasil e está se espalhando para outras partes do mundo. Ela ainda apresenta desafios. Não compreendemos completamente os fatores que estão impulsionando a propagação dessa doença. Não está claro se a transmissão é feita por mosquitos ou ácaros, e como os mosquiteiros, que são eficazes para alguns insetos, podem não funcionar para outros. A doença já chegou a 25 países, incluindo os EUA.

O que os EUA podem aprender com a experiência brasileira em saúde pública e com a nossa capacidade de lidar com doenças como a Oropouche?
Nós, cientistas, precisamos fazer parcerias com cientistas brasileiros para aprender o que eles estão descobrindo sobre doenças como o Oropouche ou dengue, e outras doenças transmitidas por insetos. É importante entender como essas doenças se espalham além do Brasil, para muitos países, e identificar os tratamentos disponíveis e estratégias de prevenção para evitar mortes.

E o que aprenderam até agora sobre Oropuche?
Quando estive em Manaus, tive a oportunidade de visitar algumas das equipes que realizam vigilância e montam laboratórios para o estudo das chamadas doenças transmitidas por vetores, como as doenças transmitidas por mosquitos e outros insetos. Esse trabalho é essencial porque muitas vezes não sabemos como essas doenças são transmitidas e como interromper a transmissão. Há cientistas na Amazônia desenvolvendo soluções inovadoras.

Eles desenvolveram uma solução de baixo custo para impedir a propagação de mosquitos. Trata-se de um larvicida que mata as larvas, mas eles descobriram uma maneira de fazer com que os mosquitos carreguem o larvicida sem causar dano a eles mesmos. Quando eles depositam seus ovos, o larvicida é transportado para os locais de reprodução e também afeta outros mosquitos. Esse é um exemplo de inovação que o mundo pode aprender, e certamente os EUA gostariam de aprender também.

A pandemia de Covid-19 mostrou que havia uma lacuna entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos. Como esses fatores econômicos podem impactar em nossos problemas de saúde pública?

Nos Estados Unidos, tivemos 1,2 milhão de mortes, apesar de sermos um dos países mais ricos e com alta capacidade de resposta. Isso ressalta a importância de uma comunicação consistente e eficaz desde o início. A prevenção da transmissão de doenças muitas vezes depende dessas etapas básicas, que não custam muito dinheiro e podem ser muito eficazes. Apesar das desigualdades, países de baixa renda muitas vezes se saíram melhor do que muitos países de renda média e alta, especialmente no início da crise.

Mas houve indisponibilidade de medicamentos, por exemplo…
A falta de fundos imediatos para fazer pedidos resultou em longas filas de espera e uma competição entre países. Não queremos repetir essa situação em futuras pandemias. Precisamos ser capazes de responder mais rapidamente. A África, por exemplo, foi a última a ter acesso a vacinas.

Qual o impacto das mudanças climáticas em questões de saúde pública?
Esse é um impacto ainda muito subestimado. Os incêndios se tornam muito mais prevalentes e a isso você soma a poluição do ar, há uma combinação de poluição do ar com o calor extremo, o que faz com que as pessoas fiquem em ambientes internos, e a poluição do ar interno é também um grande problema. Além disso, o calor extremo por si só causa insolações, interrompe a capacidade de realizar eventos públicos, interrompe o funcionamento das escolas, coisas assim.

E tudo isso tem um grande efeito na saúde pública
Sim. Depois você adiciona os desastres climáticos e vê a seca na Amazônia que tem um impacto extraordinário. É inacreditável ver as margens de rio secas. As mudanças climáticas também causam insegurança alimentar e a desnutrição para os mais pobres, à medida que os preços dos alimentos aumentam, o que acaba por agravar os problemas de saúde que as pessoas têm. A questão climática se tornou muito real para as pessoas por causa dos impactos na saúde.

Quais saídas para essa crise?
Existem maneiras de nos adaptarmos. Existem protocolos de segurança que estão sendo adotados para que haja menos mortes durante esses desastres climáticos. Essa é uma área importante em que o Brasil está inovando, não apenas em como podemos prevenir, mas também em como nos adaptamos e reduzimos os danos.

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