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NATALIDADE

Fertilização in vitro: 40 anos após 1º bebê de proveta no Brasil, área tem avanços

Recurso, antes restrito a mulheres com dificuldade para engravidar, hoje atende a uma pluralidade de pessoas que sonham ter filhos

Fertilização in vitro Fertilização in vitro  - Foto: GEORGES GOBET / AFP

Em 7 de outubro de 1984, uma bebezinha de 3,2 quilos e 50 centímetros, de São José dos Pinhais, no Paraná, tornou-se o marco de uma revolução que ainda segue em curso. Anna Paula Caldeira, que hoje completa 40 anos, foi o primeiro bebê de proveta nascido no Brasil.

A conquista nacional se deu só seis anos após o mundo descobrir que embriões “in vitro”, fecundados em laboratório, eram viáveis. Da inovação científica, nasceu em 1978 a britânica Louise Brown. E depois Anna, entre outros casos mundo afora.

Na época, os pais da brasileira optaram pelo procedimento porque Ilze, a mãe, havia passado por uma “ligadura” de suas trompas, em decorrência de uma infecção. A alteração cirúrgica a impediria de ter a tão sonhada gestação do segundo casamento. Empecilho que a ciência tratou de contornar.

De lá para cá, a fertilização in vitro (FIV) passou por um salto tecnológico e comportamental. De acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foram realizados 56,6 mil procedimentos de produção laboratorial de células germinativas e embriões humanos ao longo de 2023, um número 36% maior do que em 2020.

Dentro dos consultórios, as razões de quem procura um método do tipo passou por uma profunda alteração. Se na gênese da técnica o foco era ajudar casais em que a mulher não conseguia gerar um bebê por problemas relacionados às trompas uterinas, hoje a prática se mostra uma ferramenta importante para ampliar o período fértil de mulheres (sobretudo as que congelam óvulos quando mais jovens) e para dar às famílias homoafetivas a possibilidade de ter um filho biológico. Isso sem contar os casos relacionados a problemas de fertilidade masculina e de preservação de óvulos de mulheres que passaram por tratamentos oncológicos.

Avanços científicos
— No início, uma das coisas mais notórias é que fazíamos laparoscopia, com anestesia geral, ou abríamos o abdômen para a retirada dos óvulos, era quase como uma cesariana — conta Isaac Moise Yadid, diretor na Clínica Primordia, em Ipanema, e um dos especialistas envolvidos na gestação de Ilze. — Para aspirar os óvulos precisamos de ajuda de especialistas australianos. Era algo meio ‘Os Flintstones’ e evoluiu muitíssimo.

A chegada dos primeiros bebês de proveta — nome que era usado em referência ao processo laboratorial da fertilização in vitro (FIV), mas hoje em desuso — não só figurou como uma solução de um desafio de ordem científica, mas também inaugurou uma nova área da medicina reprodutiva.

— A reprodução humana assistida começa ali. Com o passar dos anos, as estratégias foram se aprimorando. Novos medicamentos passaram a dar mais conforto às mulheres, além da possibilidade de congelamento de embrião e do óvulo, o que ajudou muito a reduzir a gemelaridade, por exemplo. Tudo isso elevou as taxas de sucesso — afirma a ginecologista Paula Marin, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
 

Clínica de fertilizaçãoFoto: Brenda Alcântara/Folha de Pernambuco

Antes do avanço da prática e da possibilidade de congelamento era preciso implantar até sete embriões de uma única vez para tentar uma gestação viável — o que levava ao aumento da possibilidade de múltiplos gêmeos. Hoje, contudo, a indicação do Conselho Federal de Medicina (CFM) é que se implante no máximo dois, para mulheres de até 37 anos e três acima dessa idade. E mesmo assim dá certo.

A regulação sobre o tema, inclusive, também caminhou a passos largos. Recentes atualizações realizadas pelo CFM, por exemplo, permitiram que casais homoafetivos do sexo masculino tivessem filhos gestados por meio do procedimento. Isso porque, desde 2021, é permitido o uso de óvulos de parentes de até quarto grau para a reprodução assistida. O mecanismo, explica o presidente da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Alvaro Pigatto Ceschin, requer diversas etapas.

— É preciso ter o óvulo de uma doadora fertilizado com o sêmen de um dos homens. E então, o embrião é implantado em uma segunda mulher, essa da família do outro rapaz que faz parte do casal. Não pode ser utilizado uma única doadora feminina, pois assim ela se tornaria mãe biológica desse bebê — explica. — No caso de um casal de mulheres, você pode fecundar o óvulo de uma mulher (com sêmen de doador) e então implantá-lo na outra. A fertilização se tornou um canal para que esses casais possam gestar bebês. É algo totalmente viável e permitido. Há critérios definidos, mas é possível fazer todos esses procedimentos.

Sérgio Teixeira, diretor médico da biofarmacêutica Ferring, diz que é justamente no aspecto legal que acontece uma parte importante dessa revolução ligada à FIV. Anteriormente, explica, apenas casais heteroafetivos (homens e mulheres) buscavam o procedimento. Hoje, porém, as resoluções do CFM dão conta que qualquer pessoa independente do estado civil, gênero, orientação sexual ou razão médica, que possa se beneficiar da prática está autorizada a adotá-la.

Adiamento da gravidez
Nesse sentido, a mulher pode escolher engravidar um pouco mais tarde do que faria há algumas décadas. É evidente que nenhum procedimento dá certeza de que a gravidez ocorrerá de fato, mas a taxa de sucesso, estimam os especialistas, pode chegar a impressionantes 50%.

— Hoje a mulher é capaz de seguir o que ela avalia que é melhor e mais conveniente para ela. É possível considerar carreira ou o momento de vida. Por meio desses mecanismos de reprodução assistida é possível adiar essa experiência. Vemos, inclusive, um aumento da procura pela preservação da fertilidade por mulheres que querem mais tempo para decidir— diz o médico.

Outro aspecto, esse recentíssimo, está relacionado à possibilidade de rastreios genéticos para identificar nos embriões possíveis indicadores de doenças raras, .

— É possível, por exemplo, identificar casos de amiotrofia muscular espinhal (AME) e a fibrose cística — diz Salmo Raskin, geneticista do Centro de Aconselhamento e Laboratório Genetika, em Curitiba. — O grande desafio é que não há acesso para esses exames no Sistema Único de Saúde (SUS). E o custo é elevado.

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