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Ramadã

Fim do Ramadã, mês sagrado para muçulmanos, é marcado por guerra e fome em Gaza

Antes do conflito, shopping centers ficavam lotados de famílias comprando roupas novas e doces para o feriado; agora essas pessoas estão quase todas desabrigadas

Criança palestina deslocada lambe um pirulito após oração matinal durante celebração do fim do Ramadã, em Rafah Criança palestina deslocada lambe um pirulito após oração matinal durante celebração do fim do Ramadã, em Rafah  - Foto: Mohammed Abed/AFP

Com a aproximação do Eid al-Fitr, os quatro filhos de Amani Abu Awda começaram a lhe pedir roupas e brinquedos novos itens festivos que os muçulmanos costumam comprar para comemorar o feriado que marca o fim do mês sagrado do Ramadã. Mas a família, que é do norte de Gaza, está agora deslocada em uma tenda na cidade de Rafah, no sul, longe de qualquer senso de festividade e da casa que antes abrigava grandes reuniões familiares.

— Oh, Deus, não consegui comprar nada para eles por causa dos altos preços — lamentou Abu Awda no sábado, dias antes de a maioria dos muçulmanos do mundo inteiro comemorar o Eid al-Fitr. — Tive que tentar encontrar roupas usadas. Em dias normais, nunca compraríamos essas coisas. Mas não consegui encontrar nem mesmo roupas usadas.

O Eid al-Fitr, celebração de três dias que começa nesta quarta-feira e marca o fim do mês sagrado do Ramadã, costumava ser uma época de alegria em Gaza. Mas com a fome ameaçando o território em meio à contínua ofensiva militar de Israel, os palestinos dizem que não há muito o que comemorar.

A família de Abu Awda conseguiu levar algumas roupas quando fugiu de sua casa em Jabaliya há dois meses. Mas em um posto de controle, os soldados israelenses os obrigaram a jogar fora tudo o que carregavam enquanto caminhavam por uma estrada perigosa onde alguns palestinos haviam desaparecido e outros foram mortos em ataques aéreos israelenses, lembrou a mulher.

— Que tipo de Eid é esse? — questionou Abu Awda, acrescentando: — Perdemos muito. Perdemos familiares e entes queridos. Perdemos nossas casas e perdemos a segurança. A sensação de morte está conosco a todo momento, e o cheiro da morte está em toda parte.

Mais do que tudo, disse Abu Awda, eles querem um cessar-fogo para o Eid.

Assim como o Ramadã, um mês de jejum e cerimônias religiosas, foi marcado por lembranças agridoces de como costumava ser celebrado antes da guerra de Israel em Gaza, o Eid também será caracterizado por comparações saudosas de como as coisas eram diferentes há apenas um ano.

Antes da guerra, os shopping centers ficavam lotados de famílias comprando roupas novas para o feriado e doces para oferecer a todos os parentes que vinham visitá-las nos dias que antecediam o Eid. Agora, essas pessoas estão quase todas desabrigadas, amontoadas em pequenas casas com outros grupos ou em barracas sufocantes feitas de lonas de plástico.

Muitos muçulmanos no Oriente Médio visitam os túmulos de seus entes queridos no Eid. Mas com tantos mortos desde o início da guerra em outubro e com muitos deles enterrados em sepulturas improvisadas ou ainda não recuperados dos escombros, manter essa tradição agora é impossível para a maioria.

O Ministério da Saúde de Gaza, território controlado pelo grupo terrorista Hamas desde 2007, afirma que mais de 33 mil pessoas foram mortas no enclave em seis meses de bombardeio israelense.

Na Cidade de Gaza, algumas pessoas penduraram pequenas luzes ou decorações de papel nas ruas. Mas isso fez pouco para combater a sensação geral de tristeza, disse Alina Al-Yazji, uma estudante universitária de 20 anos.

— As ruas, em vez de cheirar a biscoitos, mamoul, sumaia, fesikh e todos esses cheiros maravilhosos, cheiram a sangue, matança e destruição — comentou, citando alguns dos pratos tradicionais doces e salgados consumidos durante o Eid.

Enquanto ela falava, o som de um caça israelense rugiu acima de sua cabeça.

Sentada em sua tenda em Rafah, Muna Daloob, de 50 anos, não pôde deixar de lembrar dos feriados passados, antes de sua família fugir de casa na Cidade de Gaza, no norte. Ela disse que não está fazendo nenhum biscoito de Eid, mamoul ou fesikh porque não tem gás de cozinha, tão pouco todos os ingredientes, inclusive farinha e açúcar, estão muito caros e escassos. Daloob tinha esperança de que poderia pelo menos encontrar — e pagar — o menor dos presentes para fazer seus netos sorrirem: um pirulito.

Para Mohammad Shehada, de 22 anos, como para outros homens palestinos, o Eid vem com a expectativa de dar presentes em dinheiro, chamados de eidiya.

Na maioria das culturas muçulmanas, os adultos dão pequenos eidiya às crianças. Mas os palestinos dão o dinheiro tanto para as crianças quanto para as parentes adultas do sexo feminino. Mesmo antes da guerra, alguns homens palestinos em Gaza tinham dificuldades para dar o eidiya como resultado de um bloqueio terrestre, aéreo e marítimo de 17 anos imposto ao território por Israel e apoiado pelo Egito. Agora, no meio da guerra, o eidiya será praticamente impossível para a maioria das pessoas.

— A alegria das crianças que se reúnem ao seu redor quando você lhes dá um eidiya, nós não poderemos dar este ano, e nos sentiremos envergonhados — afirmou.

Shehada esperava que algumas mesquitas, a maioria das quais se tornaram abrigos para os muitos deslocados de Gaza, ainda realizassem as orações matinais do Eid. Também esperava poder comer fesikh, um prato de peixe fermentado, o mais simples dos prazeres do Eid, disse ele.

— Tenho muitas esperanças para o Eid, mas, em primeiro lugar, que eles acabem com essa guerra revoltante — concluiu.

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