Logo Folha de Pernambuco

coronavírus

Fiocruz terá de arcar com os eventuais danos da vacina de Covid-19

As condições foram impostas pelo laboratório AstraZeneca para a assinatura do contrato

VacinaVacina - Foto: Eric Gusmão/ Filipe Ronqui/TV Brasi

 A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) vai ter que arcar com todos os eventuais danos decorrentes do uso ou da administração no Brasil da vacina para a Covid-19 que é desenvolvida pela Universidade de Oxford (Reino Unido). O laboratório AstraZeneca, que produzirá a imunização, ficará isento de responsabilidades.

As condições foram impostas pelo laboratório para a assinatura do contrato. A informação consta de parecer da Procuradoria Federal junto à Fiocruz sobre o acordo feito com a fundação pública do governo federal.

Em setembro, a Fiocruz assinou contrato que prevê a produção de 100,4 milhões de doses da vacina e transferência de tecnologia para a produção em território nacional.

A chefe da procuradoria da fundação, Deolinda Vieira Costa, afirmou, no documento do dia 5 de setembro, que a discussão das cláusulas foi "o ponto mais controverso e intenso da negociação". No entanto, era a "única opção possível para a Fiocruz".

Segundo o parecer obtido pela reportagem, a proposta inicial da Fiocruz previa reciprocidade quanto aos direitos e deveres das partes, mas a AstraZeneca não aceitou. Mesmo assim, o contrato foi assinado em 9 de setembro.

Apesar da discordância sobre a redação final do contrato, o órgão brasileiro teria aceitado os termos "tendo em vista o interesse público envolvido no acesso a tão importante produto para a saúde da população". "Dadas as circunstâncias fáticas, afigura-se que a negociação tenha chegado a um ponto intransponível e que a aceitação da imposição tenha sido a única opção possível para a Fiocruz", escreveu Costa.

Em processo que acompanha ações e gastos do Ministério da Saúde para combater a Covid-19, o TCU (Tribunal de Contas da União) destacou essas cláusulas no dia 21 de outubro "pela sua relevância". Os termos não aparecem no contrato divulgado no site da Fiocruz. Trechos e páginas foram apagados.

Segundo resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), são eventos adversos a suspeita de reações, a ineficácia terapêutica, total ou parcial, e intoxicações.

O acordo da vacina também estabelece um teto de indenização por parte da empresa, caso o contrato seja descumprido ou em caso de qualquer outra reclamação decorrente de culpa baseada no contrato.

Esse montante não poderá exceder os valores pagos pela Fiocruz à AstraZeneca. O governo federal abriu crédito extraordinário de R$ 1,9 bilhão para viabilizar a produção e a aquisição das doses da vacina pela Fiocruz.

Ainda segundo o documento, caso os resultados pretendidos da vacina não sejam total ou parcialmente atingidos, a fundação não terá direito ao reembolso de quaisquer valores pagos à AstraZeneca ou de impostos, tributos ou taxas.
Além disso, a AstraZeneca detém os direitos de produção, distribuição e comercialização do produto.

A vacina desenvolvida em Oxford ainda não tem eficácia comprovada, mas é considerada uma das mais promissoras e a principal aposta do presidente Jair Bolsonaro para a imunização no Brasil.

Os testes chegaram a ser interrompidos temporariamente em todo o mundo durante a fase 3 (a última antes da aprovação) "após a identificação de uma doença neurológica grave em setembro em uma voluntária no Reino Unido. 

Os trabalhos foram retomados após a constatação de que a doença não tinha relação com a vacina.
No fim de outubro, um voluntário do teste dessa vacina no Brasil morreu após complicações de Covid-19, mas a Anvisa constatou que o paciente estava no grupo de controle, que não recebe a imunização.

Não houve licitação para a escolha da AstraZeneca. Segundo relatório do TCU, a Fiocruz disse que não realizou chamamento dos interessados por meio de edital "pois atrasaria a produção e a disponibilização da vacina, agravando a situação de emergência".

A consulta aos potenciais contratados teria sido realizada com base nos trabalhos de prospecção realizados por Bio-Manguinhos, unidade da fundação responsável pela pesquisa, inovação e produção de vacinas.

O órgão afirmou que conversou com diversas instituições e assinou oito acordos de confidencialidade. Segundo a Fiocruz, a AstraZeneca foi a que mais atendeu os requisitos avaliados.

A Fiocruz disse à reportagem que as cláusulas sobre a indenização por parte da fundação se referem a acordos de encomenda tecnológica e que sua definição foi feita com base em pareceres técnicos, considerando a emergência sanitária. "Por tratar-se de um produto em desenvolvimento, o risco tecnológico é uma premissa de contratos de encomenda tecnológica. Portanto, o ônus inerente ao risco é de responsabilidade do contratante, como está ocorrendo em vários países em todo mundo", disse em nota.

Já sobre as informações sigilosas do contrato, a Fiocruz afirmou que elas são previstas por lei e comuns nesse tipo de acordo. Também disse que o relatório do TCU está em análise pelas áreas técnicas responsáveis para seguimento de quaisquer recomendações que tenham sido feitas pelo tribunal.

Questionada, a AstraZeneca não respondeu sobre os motivos das exigências das cláusulas. O laboratório afirmou apenas que o acordo "prevê a compra de 100,4 milhões de doses de ingrediente ativo para a produção da vacina contra Covid-19, sob risco, pelo governo federal brasileiro, além de uma licença à Fiocruz para a produção, distribuição e comercialização da potencial vacina". "O compromisso e esforço da AstraZeneca é tornar a vacina acessível em todo o mundo, de maneira justa e igualitária, sem lucro na pandemia."

A empresa afirmou também que "todo acordo segue a Lei da Transparência no Brasil".

Em entrevista à agência Reuters em julho, o executivo da empresa Ruud Dobber declarou que o laboratório está protegido de processos por efeitos colaterais da vacina em contratos firmados em diversos países. Segundo ele, "para a maioria dos países, é aceitável assumir esse risco, porque é de interesse nacional".

Veja também

Argentina rejeita ordem de prisão do TPI porque 'ignora' direito de defesa de Israel
POSICIONAMENTO

Argentina rejeita ordem de prisão do TPI porque 'ignora' direito de defesa de Israel

Coroação do rei Charles III custou R$ 528 milhões ao Reino Unido
FAMÍLIA REAL

Coroação do rei Charles III custou R$ 528 milhões ao Reino Unido

Newsletter