"Fomos atingidos 3 vezes" por impactos externos, conta comissário de bordo que sobreviveu ao avião
Hipótese de que o voo tenha sido atingido por mísseis de defesa antiaérea russos ganhou força nos últimos dias, embora nenhum dos países envolvidos tenha se pronunciado publicamente sobre o assunto
O voo J2-8243 da Azerbaijan Airlines, que caiu no Cazaquistão com 67 pessoas a bordo, decolou de Baku, capital do Azerbeijão, às 8h da manhã (horário local) de quarta-feira com destino a Grosny, capital da Chechênia. Mas enquanto se preparava para pousar, em meio a uma forte neblina, o som de um impacto externo foi ouvido. Depois outro e mais outro, contou Zulfugar Asadov, membro da tripulação de cabine que sobreviveu ao acidente.
Em entrevista à Agência de Imprensa do Afeganistão (APA, na sigla original), ligada ao governo, Asadov contou como foram os últimos momentos dentro da aeronave.
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— Nossa sobrevivência foi um milagre. Sobrevivemos graças ao heroísmo do capitão da tripulação e do segundo piloto — afirmou, segundo vídeo divulgado nas redes sociais.
Após o primeiro impacto, ele e um colega da tripulação entraram rapidamente na cabine do avião:
— As pessoas estavam em pânico, e nós tentamos acalmá-las. Quando tentei avançar, fui atingido em meu braço — contou Asadov, para quem a sensação foi de ter recebido um golpe de machado. — Segurando meu braço, saí da cabine, e um terceiro impacto foi sentido.
Asadov então pediu a ajuda de um colega para enfaixar o próprio braço com um pano de prato, apertando o ferimento com firmeza para estancar o sangramento.
— Eu disse ao meu colega: "Vamos nos sentar". Depois disso, continuamos o voo — disse ele.
Nas palavras de Asadov, o que veio a seguir foi uma demonstração clara de "heroísmo do comandante da nossa tripulação e do segundo piloto":
— O comandante entrou em contato conosco e disse que faríamos um pouso na água. Pelo microfone, os passageiros foram informados para permanecerem sentados, apertarem os cintos de segurança e colocarem seus coletes salva-vidas sem inflá-los, pois inflar os coletes faria com que os passageiros obstruíssem uns aos outros durante o pouso na água, causando problemas. No entanto, pouco tempo depois, o piloto deu uma nova instrução de que o pouso seria em terra, não na água. Se o pouso na água tivesse sido realizado, todos poderiam ter morrido. Impactos externos afetaram o motor do avião, que teve de fazer um pouso forçado; nenhuma outra opção era possível — acrescentou.
Asadov observou ainda que, se o avião tivesse atingido o solo por completo, ninguém teria sobrevivido:
— Acredito que o piloto decidiu direcionar o peso para a frente do avião. Quando o avião atingiu o solo, a seção dianteira se soltou devido ao impacto e a seção traseira deslizou pelo chão por alguma distância. Como o avião virou ao cair, os passageiros que estavam dentro ficaram de cabeça para baixo.
A aeronave Embraer 190 transportava 67 pessoas, sendo cinco tripulantes e 62 passageiros. O capitão Igor Kshnyakin, o copiloto Aleksandr Kalyaninov e a comissária de bordo Hokuma Aliyeva perderam a vida no pouso forçado. Além de Asadov, outro comissário de bordo, Aidan Rahimli, sobreviveu e está em tratamento no hospital.
O governo do Azerbaijão decidiu nesta sexta-feira que as três vítimas da tripulação serão enterradas com honras de Estado. O presidente da Azerbaijan Airlines, Samir Rzayev, também prestou homenagem ao heroísmo da tripulação.
“Sua bravura e dedicação aos seus deveres, mesmo nos momentos finais, nunca serão esquecidas. A prioridade que deram para salvar vidas os tornou heróis, e seus nomes serão lembrados na história”, disse Rzayev em comunicado.
De acordo com a companhia aérea, a aeronave transportava 37 cidadãos azerbaijanos, seis do Cazaquistão, três do Quirguistão e 16 da Rússia.
Um total de 29 pessoas sobreviveram ao acidente, incluindo três crianças, enquanto outras 38 morreram, entre elas Mukhammadali Farid Oglu Eganov, um menino de 13 anos, identificado como a vítima fatal mais nova. Ele estava voando sozinho para se juntar à sua mãe em Grozny para as festas de fim de ano, informou o site de notícias AnewZ.
Assim como Asadov, Subjonkul Rajimov, um dos passageiros que sobreviveu à queda do avião, disse à mídia estatal russa que houve uma explosão fora do avião.
— Eu não diria que foi dentro porque parte da fuselagem perto de onde eu estava sentado voou para fora — afirmou.
Resultados preliminares da investigação conduzida pela companhia aérea apontam para “interferência externa, física e técnica”, informou a Azerbaijan Arlines nesta sexta-feira. Desde quarta-feira,
Também nesta sexta, o responsável pela aviação civil da Rússia afirmou que a aeronave tentou pousar em Grozny, capital da Chechênia, durante um ataque de drones ucranianos. Oficialmente, o Kremlin disse que não se pronunciará sobre o assunto até o fim da investigação.
As duas caixas-pretas da aeronave foram recuperadas nesta sexta-feira e agora serão analisadas pelos investigadores. O promotor regional Abylaibek Ordabayev disse que “o áudio da comunicação de rádio entre o despachante e a tripulação foi coletado, enquanto a inspeção do local do acidente, que cobre mais de 4.000 quilômetros quadrados, está quase completa, com a polícia aumentando a segurança na área”.
Até o momento, nenhum dos países envolvidos se pronunciou publicamente sobre a hipótese de que o avião teria sido atingido quando se aproximava do aeroporto de destino, na Rússia. Mas desde quarta-feira, a hipótese de que a aeronave possa ter sido abatida pelo sistema de defesa aéreo russo, ainda que por engano, ganhou força.
Se confirmado, o ataque em pleno voo por um míssil teria semelhanças com a derrubada do voo MH17 da Malaysia Airlines no leste da Ucrânia em 2014, que matou todas as 298 pessoas a bordo. Na época, os investigadores concluíram que um míssil russo foi disparado contra o Boeing 777 enquanto ele sobrevoava o espaço aéreo ucraniano em meio à invasão da Crimeia, uma conclusão contestada pela Rússia.
O incidente levou à criação do Sistema de Alerta de Zona de Conflito da União Europeia, que, desde 2016, distribui boletins e alertas com informações de inteligência sobre riscos para a aviação civil em zonas de conflitos. Apesar disso, em 2020, o voo PS752 da Ukranian Airlines foi abatido por forças do Irã, que o confundiram com um míssil inimigo, logo após a decolagem em Teerã.