França decreta estado de emergência na Nova Caledônia após mortes em distúrbios
Os protestos começaram na segunda-feira, quando a Assembleia Nacional começou a debater em Paris a reforma do censo eleitoral
A França declarou estado de emergência nesta quarta-feira (15) e enviou o Exército para os portos e o aeroporto internacional de Nova Caledônia, um território no Pacífico assolado por distúrbios que deixaram quatro mortos e centenas de feridos.
Os protestos eclodiram em resposta a uma reforma do censo eleitoral promovida pelo governo francês que, segundo líderes do povo indígena canaco, diluirá sua influência nas instituições deste território com amplas competências transferidas por Paris.
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Desde segunda-feira, este arquipélago tem sido palco de confrontos entre manifestantes e policiais, saques a lojas, incêndios em prédios públicos ou escolas e ataques a tiros.
Na capital do arquipélago, Noumea, ainda ouviam-se tiros nesta quinta-feira de manhã (noite de quarta em Brasília) após uma nova noite de distúrbios. Em um bairro empobrecido no norte da cidade, muitas lojas foram destruídas, constatou um repórter da AFP.
"A violência é intolerável e receberá uma resposta implacável para garantir o restabelecimento da ordem", disse a presidência francesa ao anunciar a decisão de Emmanuel Macron de impor o estado de emergência.
O primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, anunciou o envio do Exército "para proteger os portos e o aeroporto de Nova Caledônia", a implementação de um toque de recolher e a proibição do TikTok, que, segundo ele, está sendo usado pelos tumultuadores.
O estado de exceção, estabelecido em diferentes pontos do país em oito ocasiões desde a sua criação em 1955, entrou em vigor às 05h00 de quinta-feira (15h00 de quarta-feira em Brasília) neste território colonizado pela França no meio do século XIX.
"O Estado terá poderes maiores para manter a ordem" e poderá "decretar proibições de circulação, prisões domiciliares e buscas", disse a porta-voz do governo, Prisca Thévenot.
Além de impor um toque de recolher noturno, as autoridades proibiram reuniões públicas, o porte de armas e a venda de álcool no território.
As autoridades francesas disseram que quatro pessoas morreram, incluindo um gendarme de 22 anos baleado, e "centenas" ficaram feridas, incluindo 64 agentes de segurança.
No total, cerca de 200 pessoas foram presas por distúrbios, cerca de 70 nas últimas 24 horas, disse nesta quinta-feira o representante do Estado na região, Louis Le Franc, que falou de uma situação "insurrecional" neste arquipélago de 270 mil habitantes.
Apelos à 'calma'
Os protestos começaram na segunda-feira, quando a Assembleia Nacional começou a debater em Paris a reforma do censo eleitoral, que foi aprovada pelos deputados nesta quarta-feira pouco depois da meia-noite do horário local.
Por se tratar de uma reforma constitucional, o texto deve ser submetido ao voto das duas câmaras e obter mais de 60% de apoio antes de ser definitivamente aprovado.
Macron disse que convocaria esta sessão "antes do final de junho" a menos que os independentistas de Nova Caledônia e os partidários da permanência na França aprovem uma reforma alternativa.
Atualmente, apenas os eleitores inscritos em 1998 e seus descendentes podem participar das eleições regionais deste arquipélago. A reforma prevê incluir pessoas residentes lá há dez anos.
Os independentistas consideram que a ampliação do censo reduzirá a influência proporcional dos habitantes originais canacos nas instituições.
Macron propôs aos deputados do território um debate por videoconferência nesta quinta-feira para abordar a situação.
Em declaração conjunta, os principais partidos pró-independência e os leais à França pediram calma à população.
'Macron, estenda a mão'
Localizado cerca de 1.200 quilômetros a leste da costa da Austrália, este arquipélago é um dos muitos territórios ultramarinos que a França tem espalhados no Pacífico, no Oceano Índico e no Caribe.
Graças ao acordo de Noumea de 1998, Paris delegou mais poder político à Nova Caledônia e até permitiu a realização de três referendos, todos decididos contra a independência.
Este pacto, alcançado uma década depois dos acordos de Matignon que puseram fim a uma década conflituosa nos anos 1980, também congelou o censo para as eleições provinciais neste território, em que quase 20% dos eleitores não podem votar.
Considerando a disposição "absurda" e contrária aos princípios democráticos, o governo francês propôs uma reforma constitucional para incluir pessoas estabelecidas na Nova Caledônia há pelo menos dez anos.
Para a oposição de esquerda francesa, Macron é responsável pela situação atual, ao querer impor uma reforma que mina o acordo de Nouméa e à qual o movimento independentista Kanak se opõe.
"Presidente Macron, estenda a mão! Faça gestos simples que salvem vidas e a nossa honra como povo francês aos olhos do mundo!", apelou o líder da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon.