França mobiliza blindados e 45 mil policiais para conter violência; manifestante morre em protesto
Presidente Macron pediu aos pais que façam os filhos ficarem em casa
A França anunciou, nesta sexta-feira (30), a mobilização de blindados e um contingente de 45 mil policiais para conter os distúrbios violentos que se espalharam para várias cidades do país, em resposta à morte de um jovem de 17 anos baleado à queima-roupa por um policial.
Após mais uma noite de protestos, que já deixaram ao menos um manifestante morto, com prédios públicos atacados, lojas saqueadas e veículos incendiados, o presidente Emmanuel Macron reforçou as medidas de segurança e apelou diretamente aos pais dos menores manifestantes, pedindo que os façam ficar em casa e dizendo ainda que redes sociais e videogames contribuem para promoção de violência entre os jovens.
O líder francês afirmou que as mídias sociais estão contribuindo para a uma forma de "violência imitativa" na França e que as agências estatais solicitarão que plataformas populares entre os jovens, como o TikTok e Snapchat, cooperem e removam o conteúdo "mais sensível", pedindo às empresas que divulguem às autoridades as identidades daqueles que as usam "para pedir desordem e promover a violência".
— Um terço das prisões nas últimas noites dizem respeito a jovens ou às vezes muito jovens — disse Macron em uma nova reunião de crise com os principais ministros nesta sexta-feira, a segunda na semana, interrompendo sua participação em uma cúpula em Bruxelas com líderes da União Europeia. — É responsabilidade dos pais mantê-los em casa.
Ele destacou ainda que a violência está sendo organizada on-line e comparou alguns jovens envolvidos a personagens de videogames que os influenciaram negativamente.
— Entre os mais jovens, isso leva a uma espécie de afastamento da realidade, e às vezes temos a impressão de que alguns deles estão vivendo nas ruas o que veem nos videogames que lhes causaram lavagem cerebral — disse Macron.
A violência explodiu na terça-feira nos subúrbios de Paris e se espalhou pelo país após a morte de Nahel, atingido por um tiro à queima-roupa disparado por um policial durante uma blitz em Nanterre, a oeste da capital francesa.
— Estas próximas horas serão cruciais —disse o ministro do Interior, Gérald Darmanin, dirigindo-se às forças de ordem e aos bombeiros nesta sexta-feira. — [A França] está enfrentando tumultos de violência incomum.
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Jovem morre durante protesto
O balanço dos confrontos na sexta-feira foi alto e culminou na morte de um jovem de 20 anos, que teria caído do teto de um estabelecimento comercial. Segundo a polícia, o rapaz teria caído "durante um saque" ao local, enquanto o Ministério Público de Rouen, cidade no Noroeste da França, afirmou que o estabelecimento "não estava sendo atacado" na ocasião.
O tumulto já afeta o cotidiano do país. Serviços de trem e de ônibus da capital tiveram suas operações suspensas depois das 21h (no horário local), por razões de segurança. A polícia parisiense também realizou uma operação para evacuar a Praça da Concórdia (em francês, Place de la Concorde), ao pé da famosa avenida Champs-Élysées, em meio à agitação na noite de sexta-feira, de acordo com a Reuters.
Adicionalmente, algumas cidades impuseram toque de recolher para menores desacompanhados nos próximos dias, como em duas cidades da região da Alsácia, Colmar e Mulhouse, no Nordeste da França, informou a AFP.
De acordo com Darmanin, 917 pessoas foram presas nesta sexta-feira, a maioria com 17 anos. Ondas de violência também foram registradas e reprimidas em outras cidades do país, como Lille, Lyon, Montpellier e Marselha — onde algumas armas de caça foram roubadas, mas sem munições, informou o Le Monde citando o quartel-general da polícia.
Um balanço inicial divulgado mais cedo pelo ministro indicava que, até quinta-feira, 249 agentes de segurança ficaram feridos tentando impedir atos de vandalismo espalhados pelo país. Além disso, o relatório anterior contabilizava 492 prédios vandalizados, 2 mil veículos queimados e 3.880 focos de incêndio registrados nas ruas do país, incluindo no shopping center Les Halles e na turística e comercial rua Rivoli, que leva ao museu do Louvre.
A primeira-ministra francesa, Élisabeth Borne, disse que serão estudadas "todas as opções", entre elas o estado de emergência que a direita e a extrema direita pedem.
— Vamos analisar todas as opções com uma prioridade em mente: o regresso à ordem — disse Borne, durante uma visita a uma delegacia no Sul de Paris, na manhã desta sexta-feira.
O governo já recorreu a medidas de outro tipo para evitar novos distúrbios. Por um lado, reforçou o número de agentes — na quinta-feira foram mobilizados 40 mil, 5 mil a menos do que o contingente de sexta-feira — e autorizou o envio de blindados da chamada "gendarmeria", corporação militar que tem competência de segurança pública, sobretudo em áreas rurais. Darmanin pediu, ainda, a suspensão de grandes eventos como shows, o serviço de bondes e ônibus a partir das 21h e a venda de foguetes, galões de combustíveis e produtos inflamáveis.
'Hordas selvagens'
Desde terça-feira, quando eclodiram os distúrbios, a direita e a extrema direita reivindicam medidas mais extremas para combater a onda de violência, incluindo a que permite às autoridades administrativas tomar medidas excepcionais, como a proibição de viajar.
— Pedimos porque hoje a violência atingiu proporções tão altas que temos que agir imediatamente e (...) ser extremamente firmes — disse Sébastien Chenu, do partido de extrema direita de Marine Le Pen.
Éric Zemmour, líder mais à direita do que Le Pen, foi além e pediu na rádio Europe 1 uma "repressão feroz" contra os perpetradores da violência.
Dois sindicatos da polícia, entre eles o majoritário Alliance, pediram, em um duro comunicado, o "combate" às "hordas selvagens" que protagonizam os distúrbios e alertaram o governo que "vão entrar em resistência" assim que a crise for superada.
A oposição de esquerda, por sua vez, condenou o comunicado, que qualificou de "ameaça de sedição" e de "chamado à guerra civil". O líder esquerdista Jean-Luc Mélenchon conclamou o "poder político" a "retomar o controle da polícia".
Sem se referir ao comunicado, o ministro do Interior pediu aos agentes para "respeitar as leis" e destacou que a "minoria de delinquentes [dos distúrbios] não representa a imensa maioria dos moradores dos bairros pobres".
Os fatos relançaram o debate recorrente da violência policial na França, onde, em 2022, 13 pessoas morreram em circunstâncias similares às de Nahel, e sobre as forças de ordem, consideradas racistas por parte da população.
A ONU pediu às autoridades francesas que se ocupem seriamente dos "profundos" problemas de "racismo e discriminação racial" em suas forças de segurança, acusações que o Ministério das Relações Exteriores qualificou de "totalmente infundadas".
Enterro no sábado
Vários países europeus, como Reino Unido, Alemanha e Noruega, alertaram seus cidadãos na França a evitarem as áreas de distúrbios e que aumentem as precauções.
No sábado será celebrado o enterro de Nahel, anunciou o prefeito de Nanterre, Patrick Jarry. Mounia, a mãe da vítima, disse à rede France 5 que não culpava a polícia, mas sim o agente que tirou a vida de seu filho, já que "viu um rosto árabe, um menino, e quis tirar-lhe a vida".
A Justiça decretou prisão preventiva por homicídio doloso para o policial de 38 anos autor do disparo, cujas "primeiras" e "últimas" palavras durante sua custódia policial foram "para pedir perdão à família" de Nahel, segundo seu advogado. (Com AFP e Bloomberg.)