Gameleira queimada em terreiro no Recife será curada
Emlurb avalia nesta segunda-feira (12) árvore protegida pelo Iphan e sagrada para o candomblé, com o intuito de decidir melhor tratamento
A Prefeitura do Recife vistoria nesta segunda-feira (12) a gameleira centenária incendiada na última sexta-feira (9). Tombada pelo Estado há 33 anos, pelo município há 30 e nacionalmente desde setembro, a árvore precisará passar por um tratamento. A visita tem a finalidade de descobrir qual o melhor processo para curar a árvore, localizada no sítio de Pai Adão, em Água Fria, Zona Norte da Capital.
Uma poda mais simples, um rebaixamento drástico ou mesmo uma dendrocirurgia, em que partes ocas de uma árvore é preenchida com cimento, ferro e brita são as três alternativas estudadas pela Empresa de Limpeza e Manutenção Urbana (Emlurb). De acordo com o gerente de arborização, Caio Imperiano, a gameleira estava há um ano e meio passando por um processo de fortalecimento.
Leia também:
Árvore histórica pega fogo em terreiro no Recife
Iphan tomba o terreiro de Pai Adão
“Ela passou por um tratamento fitossanitário com produtos naturais, adubação foliar com micronutrientes, adubação granular com macronutrientes e por uma cobertura de resto de poda de outras árvores. Respondeu muito bem e estava saudável”, lamentou Imperiano. O “mimo” não é à toa. Ela já existia em 1875, quando o sítio foi inaugurado. Mas, além da idade e da imponência - mais de 10 metros de circunferência - ela é considerada um orixá no candomblé.
Segundo o babalorixá do sítio, Manoel Papai, é no “iroko”onde os seus ancestrais estão. Para onde ele mesmo deve ir, quando morrer. “É muito doído ver queimando o orixá onde estão meu avô, meu pai, meus tios. Quando recebi a notícia de que ela estava em chamas, precisei de tempo e de calmantes para vir vê-la.”
De acordo com a Brigada Ambiental da Prefeitura, os indícios são de incêndio criminoso, mas é preciso uma investigação. A Polícia Federal será acionada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para realizá-la.
“Fiscalizamos com frequência essa árvore. Há cerca de dois anos e encontramos um início de incêndio. Pessoas que furtam fios procuram lugares isolados assim para queimá-los. Mas dessa vez não havia nenhum vestígio de fios ou outro objeto que sugerisse um acidente”, analisou o inspetor Júlio Melo, da Brigada. Ele lembrou ainda que nenhum raio foi registrado na área na madrugada do incêndio.
O crime ambiental e patrimonial pode também ter sido um crime de intolerância religiosa. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, há uma denúncia de intolerância religiosa a cada 15 horas. Manoel Papai prefere pensar que houve um acidente. “Um cigarro ou algo assim, que tenha atingido uma folha seca”, torceu. Mas não seria a primeira vez que o terreiro seria alvo de preconceito e violência.
Nos anos 1940, houve séria perseguição às religiões de matrizes africanas. Tanto, que as imagens eram destruídas quando a polícia as encontrava. A saída era escondê-las. Enterravam-nas em matas, principalmente. Depois, porém, não conseguiam encontrá-las. A gameleira do terreiro, nesse sentido, se tornou guardiã dos artefatos. Oca por dentro, se tornou esconderijo certo para eles. Papai acredita que ainda hoje estão lá.
A característica que salvou parte do patrimônio religioso do terreiro - a de ter espaços vazios em si -, pode ser também o que vai salvar a própria árvore. “Numa eventual dendrocirurgia, teríamos que preencher menos área, porque ela naturalmente se sustenta sem muita madeira”, comentou Caio Imperiano. “O fogo esterelizou a árvore por dentro. Matou fungos e cupins que poderiam existir, e a deixou pronta para o preenchimento.”
A Emlurb podou emergencialmente galhos pesados no dia do incêndio, para diminuir o peso que o tronco suporta. “Se a árvore estivesse em via pública, teríamos que derrubá-la porque há possibilidade de queda. Mas está em um local isolado e podemos tratá-la.”
