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Ganhar um Prêmio Nobel pode reduzir o impacto de um cientista, diz estudo de Stanford; entenda

Pesquisadores descobriram que laureados mais velhos são menos produtivos depois de receberem prêmios importantes como o Nobel e a bolsa MacArthur

Prêmio NobelPrêmio Nobel - Foto: Jonathan Nackstrand/AFP

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Ganhar um Prêmio Nobel pode ser um acontecimento que mudará vidas. Os vencedores são lançados no cenário mundial e, para muitos cientistas, o reconhecimento representa o auge de suas carreiras. Mas qual é o efeito de ganhar um prêmio tão importante para a ciência produzida por ele em si?

John Ioannidis, epidemiologista da Universidade de Stanford, quer descobrir. Ele diz que prêmios como o Nobel são “uma importante ferramenta de reputação”, mas questiona “se realmente ajudam os cientistas a tornarem-se mais produtivos e mais impactantes”.

Em agosto, uma equipe de pesquisadores liderada por Ioannidis publicou um estudo na revista científica Royal Society Open Science que tentava responder à pergunta ao quantificar se grandes prêmios impulsionavam a produção de ciência.

Por meio de padrões de publicação de trabalhos e de citação para cientistas que ganharam o Prêmio Nobel ou uma bolsa MacArthur – conhecida como “bolsa de gênios” –, a equipe descobriu que a produtividade pós-prêmio é influenciada pela idade e pelo estágio de carreira.

Porém, no geral, constatou que os laureados com qualquer um dos dois prêmios tiveram um impacto semelhante ou diminuído nas suas áreas após recebê-lo. — Esses prêmios não parecem aumentar a produtividade dos cientistas. Na verdade, parece ter o efeito oposto — resume Ioannidis.

O estudo se junta a um conjunto de trabalhos que visa a desmistificar a maneira pela qual os prêmios moldam como a ciência é feita, embora os acadêmicos tenham opiniões diferentes sobre quais são os fatores de fato mais importantes.

Desde 1901, a Fundação Nobel atribui prêmios por realizações inovadoras em Física, Medicina e Química (além de prêmios para a Paz, Literatura e, desde 1969, Investigação Econômica). Já a bolsa MacArthur foi fundada em 1981 e, ao contrário do Nobel, é concedida como um investimento no potencial de um indivíduo.

Idade influencia o impacto
A equipe de Ioannidis estudou os vencedores de ambos os prêmios para explicar como a idade afeta a produtividade científica. Em média, os vencedores do Nobel são mais velhos e mais avançados nas suas carreiras em comparação com os da bolsa MacArthur.

Os pesquisadores selecionaram uma amostra de 72 ganhadores do Nobel e 119 bolsistas MacArthur deste século e comparou as contagens de publicações e citações de cada laureado três anos antes de receberem o prêmio e depois do reconhecimento. As publicações deram uma ideia da quantidade de novos trabalhos que um acadêmico estava produzindo, enquanto as citações quantificaram o impacto que o trabalho teve na área, explica Ioannidis.

Eles descobriram que os vencedores do Nobel publicaram aproximadamente o mesmo número de artigos após receberem o prêmio, mas que os trabalhos após a premiação tiveram muito menos citações do que os anteriores.

Em relação aos bolsistas MacArthur, por outro lado, houve um aumento nas publicações, mas suas citações permaneceram praticamente as mesmas. Com isso, a taxa de menções por artigo tanto para ganhadores do Nobel, quanto para bolsistas MacArthur, diminuiu após a vitória.

Ao analisar tendências diretas em termos de idade, a equipe descobriu que os laureados de qualquer um dos prêmios com 42 anos ou mais tiveram citações e contagens de publicações em declínio após a vitória.

Os ganhadores com 41 anos ou menos publicaram mais e foram mais citados, o que, segundo os pesquisadores, sugere que a idade desempenha um papel na produtividade científica dos premiados.

Mas Harriet Zuckerman, socióloga da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, que dedicou a carreira a acompanhar a vida e o trabalho dos laureados com o Nobel, diz ser difícil destilar a produtividade em métricas tão simples.

Para ela, a dificuldade aumenta quando se generaliza entre diferentes campos da ciência, que têm padrões variados para publicação ou citação de trabalhos. Em alguns campos, por exemplo, cientistas seniores podem não se incluir como autores para dar aos cientistas em início de carreira uma oportunidade de “brilhar”.

Nobel dá status de celebridade
Ainda assim, embora Zuckerman não iguale isso à produtividade, ela também estudou como os padrões de publicação e citação dos ganhadores do Nobel flutuavam com a idade, além do estágio da carreira e outros fatores. Ela descobriu que a experiência com a fama causou a maior mudança – algo com que os vencedores do Nobel lidam de uma forma que os bolsistas MacArthur não conseguem.

"Eles são tratados por outros, tanto dentro das suas áreas como fora da ciência, muitas vezes como celebridades, como pessoas cujas opiniões contam em tudo. É muito perturbador" afirma.

Andrea Ghez, astrofísica da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, também nos EUA, concorda que a diferença entre se tornar uma bolsista MacArthur, o que ela fez em 2008, aos 43 anos, e uma ganhadora do Nobel de física, o que ela conquistou em 2020, aos 55 anos, é austera:

"Há uma enorme responsabilidade que acompanha um Nobel em termos de ser realmente identificado como um líder no mundo."

Para Ghez, isso inclui ser uma representação positiva das mulheres e defender a importância da ciência – dois impactos que não são registrados em artigos ou citações.

Outra razão pela qual os laureados com o Nobel podem observar uma queda na produtividade é o fato de sentirem que atingiram o pico numa área de pesquisa e querem experimentar algo novo.

"Chama-se penalidade de pivô" afirma Dashun Wang, pesquisadora da Universidade de Northwestern, nos EUA, que analisa investigações científicas, mas não esteve envolvido no estudo.

Em seu trabalho, Wang descobriu que esse movimento levou a uma queda temporária na taxa de publicação, mas que se recuperou após cerca de três anos. Ele defendeu isso como algo positivo: — Significa que essas pessoas querem continuar a ultrapassar a fronteira.

Quando se trata especificamente de Prêmios Nobel, há uma confiança e influência para perseguir ideias maiores e mais ambiciosas, diz.

"O trabalho transformador é conhecido por não ser bem medido por citações" afirma.

Ioannidis de fato reconhece as limitações de seu estudo ao reduzir a produtividade a artigos e citações, porque eles contam apenas uma parte da história: — Há muitas outras coisas que importam na pegada da ciência e da sociedade.

Mas, até que haja dados para quantificar esses benefícios, ele ainda considera útil tentar avaliar os efeitos dos prêmios – e instar a comunidade a pensar profundamente sobre como conseguir um trabalho mais rigoroso e impactante:

"A ciência é a melhor coisa que pode acontecer aos humanos. Mas a melhor forma de explorar os seus benefícios é uma questão científica em si."

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