Governo Bolsonaro veta médico que criticou cloroquina como chefe de programa de imunização
Ele foi nomeado para o cargo em 6 de outubro, mas não chegou a tomar posse
O pediatra Ricardo Queiroz Gurgel não irá assumir a coordenação do PNI (Programa Nacional de Imunizações). Ele foi nomeado para o cargo em 6 de outubro, mas não chegou a tomar posse.
Segundo Gurgel, ele decidiu ir para Brasília nesta quinta-feira (28) para entender por que ainda não havia sido chamado para assumir. Ao chegar ao Ministério da Saúde, soube que estava fora dos planos do governo.
"Eu queria uma definição se eu iria assumir ou não porque tenho vida para assumir, sou pesquisador e professor. Imagino que não foi problema no meu currículo, mas não sei o motivo de não assumir. Isso só o ministro pode dizer", disse.
O pediatra levanta bandeiras opostas às do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o médico afirmou ser favorável à vacinação de crianças e adolescentes, criticou fake news sobre a campanha de imunização e disse que está "suficientemente comprovado" que medicamentos do "kit Covid" não têm eficácia.
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Gurgel disse que foi recebido no Ministério da Saúde por um subordinado do secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros. Afirma ainda que não foi procurado pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, desde que foi nomeado.
Apoiadores do presidente Bolsonaro moveram campanha nas redes sociais contra a nomeação do médico ao PNI. Argumentaram que ele e sua esposa, que fez publicações críticas ao governo Bolsonaro, não estavam alinhados com o presidente.
As queixa de apoiadores do presidente chegaram ao Planalto. A equipe do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga foi informada que Gurgel foi barrado pela Casa Civil.
Gurgel afirma que se desvinculou da Universidade Federal de Sergipe para assumir o comando do PNI. Ele disse que não sabe se receberá salário pelo período em que esteve nomeado no governo Bolsonaro e pediu para ser imediatamente exonerado.
Queiroga vive o pior momento no cargo. Isolado entre gestores do SUS, o ministro ainda é pressionado pelo presidente e apoiadores que fazem campanha contrária à vacinação.
Gurgel não é o primeiro escolhido de Queiroga que é derrubado por se opor a pautas negacionistas. A médica Luana Araújo, anunciada em maio para o cargo de secretária de Enfrentamento da Covid-19 do Ministério da Saúde, foi dispensada dez dias depois.
O ministro ainda tentou, no começo de sua gestão, mas não conseguiu demitir nomes que agradam à base bolsonarista, como o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Hélio Angotti. Trata-se de médico defensor do chamado "kit Covid" que participou de viagem do governo a Israel para conhecer o spray nasal contra a Covid.
Após pressão de apoiadores do presidente Bolsonaro, a secretaria assinou em setembro orientação de suspender a vacinação de adolescentes, mesmo com aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para aplicar doses da Pfizer no grupo de 12 a 17 anos. Ignorada por gestores do SUS, a orientação caiu na semana seguinte.
Na ocasião, Gurgel declarou que o tema está superado. "Realmente, é seguro e útil que a vacinação em adolescentes seja feita", disse o pediatra em entrevista à Folha de S.Paulo.
Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, Gurgel é formado em medicina pela UFS (Universidade Federal de Sergipe), onde é professor. Ele também cursou doutorado em saúde da criança e do adolescente na USP (Universidade de São Paulo).
Gurgel iria assumir o cargo no lugar da ex-coordenadora do PNI, Francieli Fontana, que havia pedido demissão. Ela chegou a atribuir dificuldades na campanha à falta de doses e vê em declarações do presidente Jair Bolsonaro prejuízos à estratégia de vacinação no país.
O Ministério da Saúde foi procurado, mas não retornou até o momento.