Governo de Alberto Fernández, na Argentina, inicia sua parte mais difícil
Com quase metade do país na pobreza e uma inflação galopante, sua margem para se recuperar parece pequena
"Alguma coisa não teremos feito bem", disse o presidente da Argentina, Alberto Fernández, depois do resultado negativo obtido nas eleições primárias para as legislativas de novembro. Com quase metade do país na pobreza e uma inflação galopante, sua margem para se recuperar parece pequena.
A coalizão governista Frente de Todos (peronismo de centro-esquerda) obteve menos de 31% dos votos em nível nacional; um resultado inesperado que faz temer por sua maioria no Senado e afasta a possibilidade de consegui-la na Câmara dos Deputados quando, em 14 de novembro, forem celebradas as eleições para a renovação parcial do Congresso.
"É um cenário catastrófico para o governo, com estes números a perspectiva é que a vitória da oposição poderia se consolidar em dois meses", disse à AFP o cientista político Carlos Fara.
Leia também
• Anvisa tem página hackeada com bandeira da Argentina
• Bolsonaro decide não renovar acordos do Brasil com Argentina e Uruguai
• Vinhos produzidos na região do Maipú, na Argentina, chegam ao Brasil
As eleições de domingo foram primárias para definir os candidatos às legislativas, mas são consideradas uma espécie de pesquisa em escala real que antecipa o resultado final.
Nas eleições, a coalizão de centro-direita Juntos, do ex-presidente Mauricio Macri, obteve 40% dos votos no país, mas sobretudo conseguiu vencer com vantagem de cinco pontos na província de Buenos Aires, tradicional reduto do peronismo e maior distrito eleitoral do país.
"É difícil pensar que a situação possa fazer algo para reverter estas tendências. Há uma inércia forte do olhar da sociedade sobre o governo", disse à AFP o cientista político Diego Reynoso, que chefia uma pesquisa sobre satisfação política na privada Universidade de San Andrés.
Pobreza e inflação
Fernández assumiu em dezembro de 2019, em uma chapa que impulsionou a ex-presidente Cristina Kirchner, agora vice e ainda lhe restam dois anos de mandato com um programa econômico muito difícil.
"Confio em que o caminho que iniciamos em 2019 não se altere", disse Fernández nesta segunda, em um ato público. No entanto, seu governo tem várias definições pendentes.
A Argentina deve negociar com o Fundo Monetário Internacional um acordo de facilidades estendidas que substitua o stand-by assinado em 2018 durante o governo Macri e pelo qual deve 44 bilhões de dólares.
Mas esta negociação foi adiada para evitar que eventuais medidas de ajuste acordadas com o Fundo impactassem as eleições de meio de mandato.
A Argentina está em recessão desde 2018 e no ano passado, em meio a uma longa e estrita quarentena pela pandemia de Covid-19, a queda do Produto Interno Bruto foi de 9,9%, uma das mais importantes da região.
O país sofre uma das inflações mais elevadas do mundo (29% de janeiro a julho de 2021), com uma pobreza de 42%. Desde que a pandemia começou, o peso argentino se depreciou cerca de 40% apesar de um controle estrito de câmbios e capitais.
Com os resultados negativos nas primárias, a situação se debate entre a radicalização e a moderação.
"A via da radicalização, sobretudo em temas econômicos, tem poucas chances. A aceleração inflacionária seria quase imediata se forem dados sinais de que se seguirá por este caminho", alertou o analista Marcos Novaro.
"Parece-me que o governo está em uma situação difícil. Há motivos, inclusive, para pensar que pode se sair pior porque em novembro mais gente vai votar e essa gente está mais alinhada com o cansaço e a decepção do que com o entusiasmo em relação ao governo", disse Novaro à AFP.
Terceiro em discórdia
As primárias também revelaram um novo nome ascendente, o do economista Javier Milei, que com um discurso provocador de direita que apela a ideias libertários foi o terceiro mais votado na cidade de Buenos Aires (13%).
"Liberdade, caralho! Liberdade, caralho!", gritou Milei na noite de domingo, dirigindo-se aos seguidores, aos quais chama de "leões que devem acordar", em um estilo similar ao do presidente brasileiro Jair Bolsonaro ou do ex-presidente americano Donald Trump.
Com 50 anos, vários livros publicados, um programa de rádio e inclusive uma incursão no teatro, Milei captou o voto jovem e masculino, que rejeita a classe política.
"Responde à forte insatisfação de certos setores urbanos. Será preciso ver se consegue irradiar para o resto do país. Já houve emergentes parecidos no passado, mas não com a sua virulência", comentou Reynoso.
De qualquer forma, as legislativas são o cenário ideal para promover quem vai disputar a Presidência em 2023, quando Fernández tentará se reeleger.