Governo só fez contraproposta por vacinas da Pfizer em dezembro
E-mails enviados pela Pfizer à CPI da Covid vão de encontro ao que o ex-ministro Eduardo Pazuello declarou na Comissão
E-mails enviados pela Pfizer à CPI da Covid mostram que o governo só apresentou contraproposta ao laboratório em dezembro de 2020, apesar de o ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) ter afirmado à comissão que tentou o "tempo todo" alterar cláusulas jurídicas do acordo.
Ainda em dezembro de 2020, o laboratório disse ao Ministério da Saúde que havia promovido "adequações de ordem jurídica" e alterado trecho do contrato para garantir que o país não tivesse prejuízo financeiro caso a vacina não fosse aprovada pela Anvisa.
Segundo documentos a que o jornal Folha de S.Paulo teve acesso, a Pfizer apresentou uma terceira oferta de doses de vacina em 24 de novembro com validade até 7 de dezembro. Essa oferta foi acertada após reunião no dia 17 daquele mês. Naquele email, a farmacêutica informou que havia alterado o contrato de modo que o pagamento só deveria ser feito pelo governo dez dias após o registro do imunizante pela Anvisa.
O gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, informou que havia incluído a União como parte do "memorando de entendimentos não vinculativo" e também alterado o local de arbitragem sobre o tema para o Brasil.
Mais tarde, em 2 de dezembro, Murillo enviou dois emails, um destinado ao gabinete do ministro e à assessoria internacional e outro encaminhado ao então secretário-executivo da pasta, Élcio Franco, que estava negociando diretamente com a empresa.
"Em nossa terceira oferta enviada ao governo brasileiro na semana passada, em 24 de novembro, conseguimos adequar as limitações de ordem jurídica que foram compartilhadas conosco a partir de nossa segunda proposta. Um dos pontos mais relevantes foi estabelecer a condição para o contrato definitivo à emissão do registro sanitário pela Anvisa", disse Murillo.
Na mesma mensagem, Murillo escreve que os países da América Latina que firmaram acordo aceitaram "as mesmas cláusulas de responsabilidade e indenização". Após período resistindo à compra de vacinas, o presidente Jair Bolsonaro passou a afirmar que compraria qualquer vacina que tivesse o aval da Anvisa.
O gerente da Pfizer também enviou três propostas de esquemas de distribuição e vacinação. "Essas propostas foram desenvolvidas com base na experiência que temos com o Programa Nacional de Imunização (...) e nos acordos que estão sendo estabelecidos com outros países da América Latina como Chile, Peru, Equador, México e Costa Rica, que possuem algumas similaridades com o território brasileiro", informou Murillo no email ao secretário-executivo.
Ele disse que os países listados iniciariam a vacinação no final de 2020 ou início deste ano. E que, se "por um lado entendemos que o quantitativo disponível para o Brasil para o primeiro trimestre é limitado e não permitirá vacinar a maioria da população, esse quantitativo permite sim cobrir grupos prioritários e de maior risco já no primeiro trimestre".
Àquela altura, a Pfizer negociava 70 milhões de doses, mas já não ofertava mais vacinas com entrega em 2020. A proposta previa entregar 2 milhões de doses no primeiro trimestre deste ano, mais 6,5 milhões no segundo trimestre e o restante até o final do ano.
O Ministério da Saúde só firmou acordo com o laboratório em março de 2021, quando adquiriu 100 milhões de doses –das quais 14 milhões devem ser entregues até junho, e o restante até setembro.
Ainda no email de 2 de dezembro ao secretário-executivo, Murillo reclamou de não ter conseguido contato com ele após mandar a proposta da empresa em 24 de novembro. "Deixamos inúmeras mensagens em seu gabinete e também reforçamos o pedido por email. Como ainda não tivemos retorno, gostaria de comentar alguns pontos relacionados ao tema", escreveu.
Na outra mensagem enviada no mesmo dia ao ministro da Saúde, o gerente da Pfizer elencou o mesmo com relação aos entraves jurídicos, doses, e detalhes sobre armazenamento da vacina e ressaltou a importância de receber uma resposta. "Se os senhores já tiverem tomado a decisão de não avançar com a assinatura desse documento [memorando não vinculativo], possam nos comunicar para que possamos liberar essas doses para que elas sejam disponibilizadas aos países da região que estão trabalhando em seis planos de vacinação que irão começar nos próximos dias."
Ao final do email, Murillo reforçou que "a condição de não responsabilização futura para a Pfizer sobre futuras demandas litigiosas tem sido praxe aceita por todos os países que já fecharam acordo".
Ele ainda informou que buscava contato com o secretário-executivo e diz que "gostaria muito" de poder se reunir pessoalmente com Pazuello.
Após a troca de mensagens, em 4 de dezembro, o Brasil apresentou a primeira contraproposta, segundo os emails a que a Folha de S.Paulo teve acesso.
Dias depois, em 9 de dezembro, a Pfizer registrou em email que soube que o país deveria editar medida provisória para assinar o contrato.
As negociações, então, incluíram o advogado Zoser Hardman, que era assessor especial de Pazuello, e hoje, diz o ex-ministro, advoga para ele de maneira gratuita. A tratativa a respeito da medida provisória seguiu até janeiro, quando a Pfizer pediu reunião presencial para tratar do dispositivo que seria publicado pelo Brasil.
Por fim, a MP que tratou de vacinas foi publicada, mas os itens que permitiam ao poder público assumir as responsabilidades previstas nas cláusulas foram retiradas do texto enviado ao Congresso. Segundo Pazuello disse à CPI, não houve consenso sobre os termos entre os representantes jurídicos dos ministérios.
O que garantiu a assinatura do contrato com a Pfizer foi a edição de projeto de lei pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). "Não havia consenso de que deveria sair de uma MP nossa, e sim de discussões no Congresso. Foi isso que me foi passado", disse Pazuello na CPI.
Segundo os documentos da Pfizer à CPI, o Ministério da Saúde só respondeu a oito dos emails da empresa a partir de fevereiro de 2020. O primeiro contato da empresa foi em carta enviada ao presidente Bolsonaro em 17 de março, como mostrou a Folha de S.Paulo.
De 14 de agosto de 2020, quando a Pfizer fez a primeira oferta ao Brasil, a 12 de setembro, quando o presidente mundial do laboratório enviou carta ao país, o governo não deu respostas conclusivas a ao menos dez emails da Pfizer.