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Politica

Governo teme que Biden trave apoio à entrada do Brasil na OCDE

Estados Unidos são hoje o segundo maior parceiro comercial do Brasil

Presidente Jair BolsonaroPresidente Jair Bolsonaro - Foto: Evaristo Sa/AFP

Diante da vitória do democrata Joe Biden nas eleições dos Estados Unidos, membros do governo brasileiro passaram a manifestar preocupação com a possível reversão de apoios dados pelo presidente Donald Trump -derrotado nas urnas em 3 de novembro- ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
 
Os dois pontos que hoje geram receio entre assessores de Bolsonaro é o processo de adesão à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e a designação do Brasil como aliado preferencial extra-Otan.
 
Os dois pleitos são considerados estratégicos pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e pelos militares no governo, respectivamente. Trump endossou a candidatura do Brasil para entrar na OCDE em março do ano passado e reafirmou o compromisso em janeiro de 2020.
 
O ingresso de novos sócios no chamado clube dos países ricos ocorre por consenso dos mais de 30 membros da entidade e hoje está paralisado por falta de acordo entre EUA e Europa sobre o ritmo de expansão do órgão. O governo Bolsonaro considera que os países da União Europeia (UE) estão retardando o processo, algo que os europeus negam. A avaliação na equipe de Bolsonaro é que Biden poderia retirar ou congelar o apoio dado ao governo brasileiro, sem fazer esforços para que o processo de adesão siga adiante.
 
Dois membros do governo ouvidos pela Folha ressaltaram que Bolsonaro terá de fazer ajustes no discurso ambiental para não ver a entrada do Brasil no grupo bloqueada. Isso porque o assunto já é prioritário entre os sócios europeus e deve entrar na ordem do dia também da administração Biden.
 
Outro interlocutor consultado destaca que tudo o que avançou na agenda bilateral graças à sintonia política entre Bolsonaro e Trump agora tem chances de ser revertido ou entrar em compasso de espera.
 
É o caso da designação do Brasil como aliado preferencial extra-Otan. O rótulo cabe a países fora da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), mas considerados aliados estratégicos militares dos EUA.
 
Pelo acordo, o Brasil passaria a ter acesso a, por exemplo, compra de equipamentos com isenção dentro da Lei de Exportação de Armas que rege a venda de produtos sensíveis. Militares ouvidos consideram provável que Biden retire ou ao menos paralise projetos envolvendo o Brasil no âmbito da aliança.
 
Para um membro do governo, o status de parceiro preferencial extra-Otan tem forte simbolismo e é conferido a aliados políticos dos EUA -e o Brasil de Bolsonaro não é visto assim pelos democratas.
 
Questionado sobre o tema na terça-feira (10), o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, disse não acreditar que o status será retirado do Brasil. "Acho que não, vamos esperar. São acordos de estado, então acho que não, isso vai ser mantido", disse.
 
Na avaliação de um interlocutor, a gestão Biden deve fortalecer ações multilaterais, voltando a estreitar relações com a ONU (Organização das Nações Unidas), o que deve ampliar a importância da agenda de sustentabilidade e economia verde. Na prática, isso significa que movimentos de pressão dos Estados Unidos sobre o Brasil devem se alinhar ao que é praticado hoje por países europeus.
 
Outro sonho de Guedes, um acordo de livre comércio com os EUA, fica mais longe de ser alcançado com Biden na Casa Branca. Um entendimento do tipo já era improvável devido a regras do Mercosul que proíbem a celebração de tratados tarifários por membros de forma individual.
 
Agora, disseram à Folha pessoas que acompanham o tema, somam-se às dificuldades anteriores a aposta de que Biden exigiria comprometimentos ambientais que hoje o Brasil não consegue cumprir.
 
A esperança entre diplomatas e assessores militares de Bolsonaro é que prevaleça uma relação pragmática com o novo presidente americano, uma vez que o Brasil é um país estratégico na América do Sul e os EUA mantêm uma série de interesses no país.
 
Eles destacam ainda que Biden é moderado e com vivência em política exterior, o que reforça a percepção de que ele não pretende agir apenas para "dar o troco" devido à simbiose do brasileiro com Trump.
 
Além do mais, o democrata chega à Casa Branca como um nome com experiência em América Latina.
 
Durante o governo Barack Obama, quando era vice-presidente dos EUA, ele foi escalado como o interlocutor preferencial para restabelecer pontes com a então presidente Dilma Rousseff (PT) depois da revelação de que ela havia sido espionada por agências de inteligência dos EUA. Assim, assessores no governo afirmam que eventuais medidas que o americano poderá tomar contra o Brasil dependem da dinâmica da relação e do quanto Bolsonaro tentará esticar a corda. 
 
Bolsonaro é um dos poucos líderes que ainda não felicitaram Biden pela vitória, movimento interpretado por analistas como um sinal de que ele ainda não decidiu abandonar sua admiração pelo trumpismo.
 
O brasileiro ainda fez reiteradas críticas à fala de Biden no primeiro debate presidencial nos EUA, quando o democrata disse que agiria contra o Brasil caso não houvesse controle no desmatamento na Amazônia.
 
Os Estados Unidos são hoje o segundo maior parceiro comercial do Brasil, mas a participação relativa dos americanos nas exportações brasileiras vem caindo. Em 2019, 13,2% dos produtos brasileiros vendidos ao exterior foram comprados pelo país. Nos dez primeiros meses deste ano, a participação baixou para 9,8%.
 
Enquanto isso, a fatia de produtos comprados pela China, maior parceiro comercial do Brasil, saltou de 28,1% em 2019 para 33,6% em 2020. Em ano de pandemia, enquanto as vendas para os americanos despencaram 30%, o valor dos envios à China cresceu 11%.


 
Interlocutores do governo avaliam que, diante da falta de perspectivas para uma melhora na relação com os EUA, o Brasil deveria apostar no mercado asiático, que ainda tem grande potencial de expansão. O problema é que Bolsonaro acumula até o momento uma série de choques com Pequim.
 
O presidente brasileiro deu sinais de que pode bloquear a participação da empresa Huawei no futuro mercado de 5G e disse que não confia em uma vacina para a Covid-19 em desenvolvimento por uma farmacêutica chinesa em parceria com o Instituto Butantan devido à origem do imunizante.

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