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IMIGRAÇÃO

Governo Trump retoma detenção de famílias imigrantes em situação irregular

Duas instalações no sul do Texas estão sendo preparadas para receber pais e filhos que aguardam deportação

Imigrantes que cruzaram a fronteira entre EUA e México antes de serem detidos pelo serviço de imigração americano Imigrantes que cruzaram a fronteira entre EUA e México antes de serem detidos pelo serviço de imigração americano  - Foto: Ed Jones/AFP

Por décadas, a detenção de famílias imigrantes em situação irregular tem sido uma prática controversa. Críticos da chamada “detenção familiar” afirmam que crianças sofrem em confinamento. Já os defensores acreditam que manter famílias detidas enquanto aguardam a provável deportação é uma das consequências de entrar ilegalmente nos Estados Unidos.

Agora, após cair em desuso durante a administração Biden, a detenção familiar está sendo restabelecida pelo presidente Donald Trump, à medida que seu governo avança na promessa de reprimir a imigração.

O republicano e seus assessores deixaram claro que pretendem tornar a migração familiar um dos principais alvos, e a retomada das detenções é uma tentativa de desencorajar famílias de tentarem entrar nos EUA.

Nos últimos dias, famílias começaram a chegar a um centro de detenção no sul do Texas, e advogados de imigração esperam que mais pessoas sejam levadas para lá nos próximos dias. Um segundo centro de detenção, na mesma região, está sendo preparado para receber mais famílias.

Cada uma das instalações está sendo organizada para abrigar milhares de pessoas. Em um dos locais, advogados relatam que várias famílias estão sendo detidas em quartos com quatro a oito beliches e banheiros compartilhados.

A detenção familiar foi utilizada tanto na administração Trump anterior quanto na administração Obama, e as crianças recebiam atendimento médico e instrução educacional. Tricia McLaughlin, porta-voz do Departamento de Segurança Interna, afirmou que os mesmos serviços serão oferecidos nas instalações reabertas.

A maioria das famílias anteriormente detidas era composta por centro-americanos que haviam cruzado recentemente a fronteira sul. Muitas dessas famílias eram rapidamente deportadas, a menos que solicitassem asilo e demonstrassem medo plausível de retornar aos seus países de origem.

Agora, com a fronteira mais tranquila e as travessias ilegais reduzidas, a fiscalização da imigração passou a focar no interior do país para cumprir a promessa do governo Trump de realizar deportações em massa.

Isso levou à prisão de pessoas já estabelecidas em comunidades, que trabalhavam ou estudavam antes de serem levadas sob custódia federal. Algumas dessas pessoas foram enviadas para o recém-reaberto centro de detenção em Karnes, no Texas, e para o centro de detenção em Dilley, também no Texas, que será reaberto em breve.

Crianças eram separadas de seus pais
A entrada ilegal de famílias com crianças pequenas nos Estados Unidos sempre representou desafios legais e políticos para a Casa Branca, pois menores de idade têm garantias de proteção especial.

Quando assumiu o cargo em 2017, Trump agiu de forma rápida e agressiva para tentar conter as travessias na fronteira, e muitas das pessoas que chegavam eram famílias. No entanto, após seu governo começar a separar crianças migrantes de seus pais, a reação pública foi tão intensa que a Casa Branca acabou suspendendo a prática.

Conhecido como o “czar da fronteira”, Thomas D. Homan, policial e comentarista político americano que atuou como diretor interino do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA, afirmou que a detenção familiar precisa ser restabelecida. Ele também indicou que o governo pretende recorrer à Justiça para contestar um acordo antigo que limita o tempo de detenção de crianças migrantes.

Questionada sobre se se sentia confortável com a prática de detenção familiar, Kristi Noem, secretária de Segurança Interna dos EUA, sugeriu que as famílias tinham a opção de voltar para seus países de origem caso não quisessem ser detidas.

— Criamos um sistema e um site onde pessoas que estão aqui ilegalmente podem se registrar e escolher voltar para casa por conta própria, mantendo suas famílias unidas — disse ela à CBS News.

"Desumano e ineficaz"
Muitas organizações de direitos humanos e grupos religiosos veem a detenção familiar como desumana e ineficaz. Advogados de imigração apontam um longo histórico de processos judiciais envolvendo violações do devido processo legal, atendimento médico inadequado e denúncias de abuso sexual nas instalações.

Autoridades afirmam que, em muitos casos, as famílias foram detidas por menos de duas semanas quando as instalações estavam abertas anteriormente; no entanto, advogados de imigração alegam que a duração das detenções variava, e algumas famílias permaneceram presas por meses.

Leecia Welch, advogada especializada em direitos infantis, tem visitado centros de detenção há anos para garantir que o governo cumpra sua obrigação legal de cuidar adequadamente das crianças.

— Conversei com centenas de crianças em detenção, e suas histórias ainda me assombram — disse Welch. — Elas me contaram que raramente saem para ver o sol, que sentem frio, não têm brinquedos e ficam com roupas sujas.

Os centros de detenção familiar
Os dois centros de detenção familiar no Texas estão sendo administrados por empresas privadas contratadas pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA. A unidade em Dilley, operada pela CoreCivic, pode acomodar até 2.400 pessoas. O outro centro, com 1.328 vagas em Karnes, é gerenciado pelo GEO Group.

O Refugee and Immigrant Center for Education and Legal Services (Raices), uma organização sediada no Texas, afirmou que seus advogados encontraram mais de 12 famílias no centro de Karnes, incluindo pessoas que cruzaram a fronteira recentemente e imigrantes capturados em operações de fiscalização em cidades americanas.

Os imigrantes detidos estavam nos Estados Unidos há períodos que variavam de três semanas a dez anos e eram originários de diversos países, incluindo Angola, Brasil, Colômbia, Irã, Romênia e Rússia, segundo o Raices.

Família detida na fronteira
Uma família venezuelana com duas crianças, de 6 e 8 anos, foi uma das primeiras enviadas para Karnes após a reabertura neste mês. Depois de viver quase dois anos em Ohio, decidiram emigrar para o Canadá quando Trump voltou ao cargo, segundo sua advogada, Laura Flores-Dixit, diretora jurídica da organização American Gateways, que presta assistência legal.

Ao cruzar a fronteira norte, a família foi interceptada por autoridades canadenses e devolvida aos Estados Unidos. Foram detidos por 20 dias em uma instalação na fronteira em Buffalo antes de serem transferidos para o centro de detenção no Texas, relatou Flores-Dixit.

Para a advogada, é inaceitável que uma família tentando sair dos Estados Unidos esteja sendo submetida a uma longa detenção com crianças pequenas.

— Prender crianças nunca é uma solução humana — afirmou.

Bush e Obama aderiram a prática
A detenção familiar enfrentou obstáculos legais tanto em governos republicanos quanto democratas. A Universidade do Texas em Austin e a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) abriram alguns dos primeiros processos contra essa prática depois que o ex-presidente republicano George W. Bush inaugurou um centro de detenção familiar em Hutto, também no Texas, em 2006.

O ex-presidente democrata Barack Obama retomou a prática no final de 2014, em resposta a um aumento no número de famílias cruzando a fronteira para fugir da violência de gangues. Ele abriu os centros de detenção em Karnes, Dilley e Artesia, no Novo México.

Em poucos meses, após intensa reação pública e críticas sobre a demora no devido processo, as autoridades federais de imigração fecharam a unidade de Artesia. Todos os três centros foram usados durante o governo Trump, mas desafios legais limitaram o tempo que as famílias podiam ficar detidas.

Quando o presidente Biden assumiu o cargo em 2021, prometendo uma abordagem mais humana para a imigração, seu governo começou a liberar famílias dos centros de detenção. No entanto, ao lidar com um aumento na chegada de famílias fugindo de governos autoritários e da pobreza, a administração Biden considerou reativar a detenção familiar em 2023. Isso gerou duras críticas e acabou não sendo implementado.

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