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Governos latino-americanos discutiram resposta à política migratória de Trump dias antes da posse

Brasil foi representado no encontro, realizado no México nos dias 16 e 17 de janeiro, pela embaixadora Márcia Loureiro, secretária de Assuntos Consulares

Donald TrumpDonald Trump - Foto: Roberto Schimidt/AFP

Nos dias 16 e 17 de janeiro, foi realizado na cidade do México o Encontro sobre Mobilidade Humana na Rota Norte do Continente, do qual participaram representantes dos governos do Brasil, Colômbia, Cuba, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Belize, México e Venezuela. Segundo confirmaram ao GLOBO fontes do governo brasileiro, que foi representado pela embaixadora Márcia Loureiro, secretária de Assuntos Consulares do Ministério das Relações Exteriores, o tema migratório foi central na agenda discussões, em momentos em que os países participantes “já se preparavam para a ofensiva que viria de Trump”.

Agora, disseram as mesmas fontes, chegou o momento de pensar na articulação, que talvez possa começar a ser discutida num encontro de emergência convocado por Honduras, atual presidente temporário da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), para a próxima quinta-feira.

 

Depois de o novo presidente americano ter passando grande parte de sua campanha ameaçando com deportações em massa de latino-americanos, os governos da região, disse uma das fontes consultadas, “já sabiam o que viria, e ficou confirmado neste fim de semana”. Depois da situação vivida por brasileiros deportados pelos EUA que chegaram algemados ao Brasil, frisou a fonte, “ficou confirmado que a reunião no México foi mais do que oportuna”.

Na declaração assinada por todos os países que participaram do encontro afirma-se que "reconhecemos a importância do diálogo construtivo e respeitoso entre os países para uma melhor gestão dos fluxos migratórios e dos seus desafios”.

Em outro ponto, e já temendo uma crise como a que desencadeou-se após a chegada dos deportados ao Brasil e a tentativa de Trump de deportar colombianos nas mesmas condições — violando acordos bilaterais —, os governos apelam “a todos os países do Hemisfério para que se comportem de acordo com as direito internacional, os direitos humanos e as próprias legislações internas em a gestão da mobilidade humana com uma abordagem humanística, particularmente face a ameaça de deportações em massa”.

O documento diz, ainda, que “somos solidários com as pessoas que são forçadas a abandonar os seus comunidades de origem, com a convicção de que a migração deve ser uma opção e não é uma necessidade. Reafirmamos que todos os migrantes, independentemente da sua situação de imigração, têm direitos fundamentais e inalienáveis, e que todos os Estados são obrigados a respeitá-los, protegê-los e procurar adotar medidas para o seu pleno realização”.

Os países se comprometem a defender “os direitos humanos de todas as pessoas migrantes, a rejeitar a sua criminalização em todas as fases do ciclo migratório e a protegê-los como uma prioridade do crime organizado transnacional que lucra da migração, bem como medidas que os coloquem numa situação de vulnerabilidade e de outros fatores de risco. Intensificaremos a cooperação intergovernamental e intercâmbio de informações e boas práticas em matéria consular e luta contra tráfico e contrabando de migrantes”.

Neste domingo, um dia depois do primeiro incidente diplomático entre os governos dos presidentes Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva, desencadeado pela chegada a Manaus no sábado de brasileiros deportados pelos EUA algemados, a tensão entre os dois países elevou-se com a decisão do Brasil de pedir um esclarecimento aos EUA, em meio a uma escalada paralela entre a Casa Branca e o governo da Colômbia. Na esteira do episódio ocorrido no Brasil, marcado pela decisão do Ministério da Justiça de exigir a retirada das algemas dos deportados e sua entrega às autoridades locais, o presidente colombiano não autorizou a aterrissagem de dois aviões militares americanos, que traziam imigrantes irregulares deportados.

O presidente colombiano, Gustavo Petro, que exigiu um protocolo para transporte civil e digno de repatriados, afirmou em suas redes sociais que “ os EUA não podem tratar os imigrantes colombianos como criminosos. Não autorizo a entrada de aviões americanos transportando imigrantes colombianos em nosso território”. Petro ofereceu o envio do avião presidencial colombiano para transportar os imigrantes em situação irregular de seu país.

Sua decisão provocou imediata resposta de Trump: o presidente americano suspendeu a emissão de vistos a colombianos na embaixada americana em Bogotá, anunciou a aplicação de uma sobretaxa de 25% sobre todos os bens colombianos que entrem ao mercado americano por uma semana e, caso a Colômbia não recue de sua decisão, a sobretaxa subiria a 50%. Trump também anunciou a suspensão de vistos para funcionários colombianos, aliados partidários e familiares de Petro, inspeções nas fronteiras a cidadãos colombianos, sanções financeiras e bancárias ao país.

“Estas medidas são apenas o começo. Não permitiremos que o governo da Colômbia viole suas obrigações legais”, declarou Trump em sua rede Truth Social. Em resposta, Petro anunciou que aplicará uma sobretaxa de 25% às importações americanas.

Os conflitos entre Trump e governos latino-americanos começaram na última sexta-feira, quando Tanto em Brasília, como em Bogotá, os dois governos consideram a atitude de Trump intolerável. Para o governo Lula, a ação do novo governo americano “não é nenhuma surpresa”, frisou uma fonte. E, a partir de agora, disse a mesma fonte, “estaremos mais preparados. O que aconteceu no sábado não se repetirá, porque a entrada de aviões com cidadãos nessas condições não será autorizada”.

Os brasileiros deportados relataram terem sido agredidos por agentes americanos durante voo de repatriação, que fez uma escala técnica em Manaus, onde o Ministério da Justiça e a Polícia Federal entraram em ação e assumiram o controle da situação. Segundo fontes oficiais, a escala em Manaus foi, dentro do drama da situação, “uma sorte, porque senão os brasileiros teriam chegado ao destino final, que foi Belo Horizonte, nessas condições deploráveis e sem ajuda”. Por outro lado, frisou a fonte, “a escala em Manaus permitiu mostrar ao mundo as atrocidades que Trump está fazendo”.

Segundo o Estado de Minas, os brasileiros relataram que as agressões aconteceram na escala no Panamá, onde um dos motores teve problemas, o que causou atraso para que voltasse a operar. Durante esse período, os migrantes não receberam autorização para sair da aeronave, que enfrentou momentos em que o ar-condicionado permaneceu desligado.

No domingo, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil informou que encaminhará um pedido de esclarecimento ao governo americano sobre o episódio. Em nota, o Itamaraty disse que segue atento às mudanças nas políticas migratórias dos EUA, e afirma que o “uso indiscriminado de algemas e correntes viola os termos de acordo com os EUA, que prevê o tratamento digno, respeitoso e humano dos repatriados”. A pasta também informou que reuniu informações junto à Polícia Federal e à Aeronáutica sobre o tratamentos dispensados aos deportados, classificado como “degradante”.

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