Gracita Brennand deixa imenso legado de solidariedade, um ideal que transformou em missão de vida
Graça Maria Monteiro Brennand, que faleceu na noite da última sexta, viveu com o firme propósito de ajudar ao próximo. Ela deixa, para Pernambuco e para o Brasil, a história de suas ações em prol da coletividade
"De minha parte dou ainda às crianças o meu tempo, atenção e carinho. Dou a elas o que meus filhos tiveram: valores, senso crítico e social". Em 2014, na Câmara Municipal do Recife, em discurso ao receber a mais alta comenda da casa, a Medalha José Mariano, Graça Maria Monteiro Brennand, emocionada, agradeceu, com o tom de sempre: de uma matriarca à frente de oito filhos, dezenove netos e quarenta e sete bisnetos, entre outras dezenas de agraciados que sob suas mãos, em gestos, conheceram o significado da palavra acolhimento.
Aos 94 anos, na noite de 10 de novembro, Dona Gracita Brennand, como era chamada, se foi. E atendendo a um desejo que decerto ela teria, para o seu velório - realizado no sábado na Capela Nossa Senhora das Graças, erguida por seu companheiro de vida, e em sua homenagem, Ricardo Brennand (1927-2020) - foi pedido pela família, como parte das derradeiras celebrações, a substituição das coroas de flores por ações solidárias, já que ela "amava o seu jardim e não gostava de cortar as flores".
Ao lado do empresário, industrial e colecionador, Ricardo Brennand, Dona Gracita, nascida em 1929 na cidade de Sirinhaém, Mata Sul de Pernambuco, dividiu mais de sete décadas de trajetória - de vida e de história. Ele, criador do Instituto Ricardo Brennand (IRB), na Várzea, Zona Oeste do Recife - espaço aberto em 2002, cujo acervo abriga arte e memórias - dedicou sua existência ao cultivo dos negócios e da família constituída ao lado de Graça, irmã de José Múcio e também de Armando Monteiro, Lourdinha e Rômulo Monteiro, estes, já falecidos.
"Tenho a convicção de que o velho Armando Monteiro e Dona Maria José, seus pais, Armandinho, Múcio, Lourdinha e Rômulo, seus irmãos, que já se foram, receberam tia Gracita, que era carinhosamente chamada de Maninha, por meu pai Armandinho (Armando Monteiro Filho). De modo que diante dessa partida, que sempre é um processo doloroso, teremos na sua memória e no seu exemplo um bálsamo para vivermos a saudade de forma serena", disse o sobrinho Eduardo de Queiroz Monteiro, fundador e presidente do Grupo EQM.
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Educação, como direito e dever
À frente do Educandário Nossa Senhora do Rosário, no mesmo bairro do IRB, Graça Brennand proporcionou a centenas de jovens o que ela considerava como "dever e direito de todos", a educação, fornecida por ela através de atividades diversas, tendo a arte como um dos pilares e a filantropia como norte. O espaço também servia como apoio a mães de crianças, ora direcionadas ao mercado de trabalho por meio de cursos profissionalizantes, ora assistidas pela creche que acolhia os pequenos - que também têm à disposição assistência médica e odontológica e refeições ao longo do dia, incluindo as três refeições principais, café da manhã, almoço e jantar, e lanches.
O educandário, erguido em 2001, veio também como alento à perda do filho em 1998, o engenheiro e empresário Antônio Luiz de Almeida Brennand Neto. A dor, imensurável, foi amenizada com o tempo e, principalmente, com o desafogo advindo da humanidade dada aos seus acolhidos a quem ela bradava de "minhas crianças" e que, sob os seus olhos atentos e solidários, passaram a integrar um dos seus projetos de maior grandeza.
Obras sacras e gastronomia
Para além da matriarca de tantos, Graça Brennand também era exímia colecionadora de obras sacras, imagens barrocas e outras relíquias trazidas de suas andanças como viajante mundo afora, ao lado de Ricardo Brennand.
E indo ainda mais além do tanto que foi e seguirá sendo junto ao legado deixado, Gracita também foi "uma das melhores cozinheiras do mundo", garante Maria Lectícia - escritora, pesquisadora gastronômica, colunista da Folha de Pernambuco e sua sobrinha - ao fazer referência ao livro "À Mesa com Graça", escrito por ela e publicado em 2019.
Receitas de uma vida inteira em tom de resgate afetivo em meio a receitas (memórias) reunidas, trouxe à tona uma mulher dedicada à culinária de forma "Simples e generosa". Despojada e sofisticada. Arrojada e equilibrada" - qualificações dadas por Maria Lectícia, à época, exaltando um lado mais íntimo e talvez pouco conhecido de uma Gracita que reiteradamente finda na Graça Maria Monteiro Brennand celebrada por todos. O livro - comercializado no Instituto - teve sua renda integralmente revertida para suas maiores obras em vida: as suas crianças.
Cronologia
1929
Graça Maria Monteiro Brennand, Dona Gracita, como era mais conhecida, nasceu no dia 16 de setembro na Usina Trapiche, no município de Sirinhaém, Zona da Mata Sul de Pernambuco. Filha de Maria José Dourado de Queiroz Monteiro e Armando de Queiroz Monteiro; irmã de Rômulo, José Múcio, Lourdinha e Armando Monteiro Filho.
1929-1949
Desde a infância, quando ainda residia no engenho, dedicou-se a trabalhos sociais. Lá mantinha creches e escolas para crianças de comunidades rurais e administrava cursos de primeiros socorros, pintura, trabalhos manuais e culinária para pessoas necessitadas, sempre tendo como missão o voluntariado.
1949
Casa-se, no dia 28 de maio, com o empresário e colecionador de arte pernambucano Ricardo Coimbra de Almeida Brennand, fundador do Instituto batizado com seu nome, o Instituto Ricardo Brennand (IRB). Juntos tiveram oito filhos, 19 netos e 47 bisnetos.
1998
O falecimento do seu filho, o engenheiro e empresário Antônio Luiz de Almeida Brennand Neto, no dia 5 de agosto, foi um baque pessoal e motivo de grande luto para Dona Gracita.
2001
Funda, no dia 6 de agosto, o Educandário Nossa Senhora do Rosário (ENSR), localizado ao lado da Igreja de mesmo nome, na Várzea, exercendo sua maior vocação: a filantropia. O espaço iniciou as atividades como creche, atendendo crianças e oferecendo gratuitamente aulas de música, religião, artes e ensino básico de educação, além de serviços médicos e odontológicos para crianças entre quatro mese
s e cinco anos de idade. As obras do ENSR foram iniciadas por Ricardo Brennand em 1999, a pedido de Dona Gracita.
2014
Recebe, no dia 10 de maio, um monumento em sua homenagem do seu esposo: a construção da capela de Nossa Senhora das Graças, que integra o conjunto arquitetônico do Instituto Ricardo Brennand e foi o último edifício construído no complexo cultural.
2014
É homenageada, no dia 23 de maio, com a mais alta comenda da Câmara Municipal do Recife, a Medalha de Mérito José Mariano, distinção concedida pelos serviços educacionais prestados a vários jovens do bairro da Várzea no Educandário Nossa Senhora do Rosário.
2020
Morre seu esposo, Ricardo Brennand, no dia 25 de abril, em decorrência da Covid-19. O segundo grande luto na vida de Dona Gracita Brennand.
2023
Falece, na noite do dia 10 de novembro. Familiares pediram que não fossem enviadas flores para homenageá-la, mas sim contribuições filantrópicas. “Nossa Graça amava o seu jardim e não gostava de cortar flores. Pensando nelas, sugerimos substituir a coroa por um gesto solidário”, escreveram em nota conjunta os filhos, netos e bisnetos.
Pesquisa: Juliano Muta