BRASIL

Grávida de feto sem chance de vida tem acesso ao aborto negado na Bahia

Defensoria Pública pedia autorização por analogia aos casos de anencefalia; segundo especialistas, Brasil tem 'vácuo jurídico'

Grávida (imagem ilustrativa)Grávida (imagem ilustrativa) - Foto: @margarita88/Freepik

Uma mulher grávida na Bahia teve o acesso ao aborto legal negado pela Justiça, apesar de o feto, com graves más-formações, não ter chances de sobreviver após o nascimento, numa condição semelhante ao que ocorre nos casos de anencefalia.

Em julho, a mulher, que vive no interior do Estado e não quer ser identificada, procurou o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria Pública da Bahia. Com laudo elaborado a partir de exames de ultrassonografia e assinado por dois médicos especialistas, o órgão acionou a Justiça para solicitar a interrupção de gravidez.

 

O feto foi, logo no início da gravidez, diagnosticado com um defeito no sistema urinário. Com o passar das semanas, o quadro se agravou porque não havia líquido amniótico e, com isso, os pulmões não se desenvolveram.

Diferentemente de um bebê prematuro, os pulmões do feto não são capazes de fazer trocas gasosas e não têm como se desenvolver com o tempo, sendo que a sobrevida no mundo exterior provavelmente não passaria de minutos. Além disso, com a ausência do líquido amniótico, o sistema digestório também não se desenvolve.

No entanto, apesar de mais de uma série de exames e análises médicas, houve parecer contrário do Ministério Público da Bahia, que afirmou que, apesar do relatório atestando a inexistência de tratamento para as más-formações, “não afirma a inviabilidade completa de sobrevivência”.

A juíza negou o pedido, alegando que não há “identificação de risco concreto à vida da gestante, se levada a gestação a termo”, segundo o processo.

Conforme a coordenadora do Nudem da Bahia, Lívia Almeida, houve um parecer de um setor do tribunal de justiça contrário à interrupção da gestação:

— O parecer não tem assinatura, não se sabe se é um médico ou não. Tem que ter a identificação de quem fez, até para termos certeza que foi um especialista na matéria.

Almeida informou que a Defensoria Pública vai recorrer da decisão.

— Quando há más-formações que impossibilitam a vida, que não sejam a anencefalia, necessariamente precisamos judicializar. Já fizemos mais de 80 pedidos assim desde julho 2022. São muitos casos — explica Almeida. — Para muitas mulheres é uma tortura continuar uma gravidez sabendo que o feto não vai sobreviver, sem falar nas questões de impossibilidade mesmo do Sistema Único de Saúde (SUS), já que exige UTI e a gente sabe como há escassez dos leitos.

Vácuo jurídico
O caso da baiana, uma mulher negra, sem muitos recursos e com baixa escolaridade, mostra como existe um vácuo jurídico no acesso a esse direito no Brasil.

Em 2012, o STF decidiu que uma gestante pode interromper a gravidez se for constatada anencefalia (uma má-formação caracterizada pela ausência total ou parcial do cérebro) no feto através de um laudo médico. Assim, esse se tornou um dos poucos casos em que o aborto é legal no Brasil, juntamente com a gestação decorrente de estupro ou quando há risco de morte da mulher.

Porém, da mesma forma, existem outras síndromes e más-formações que fazem com que o feto não consiga sobreviver fora da barriga da mãe. Segundo os médicos, é considerado incompatível com a vida o feto que terá 90% ou mais de chance de morte antes do primeiro ano de vida.

Em todos esses casos é preciso recorrer à Justiça para que ela autorize a interrupção da gestação de forma legal por analogia à decisão da anencefalia.

— Tem sido feito por analogia, mas caso a caso. Então, às vezes a gente se depara com essas decisões injustas por fazerem uma interpretação muito restritiva. Não se justifica que uma mulher seja forçada a levar uma gravidez de um feto inviável. É uma lacuna na nossa legislação porque não inclui explicitamente uma previsão legal para esses casos. Cada juiz vai montar a decisão de acordo com a sua visão e as mulheres acabam nessa situação em que há uma loteria — afirma a advogada Beatriz Galli integrante do Comitê Latino-americano e do Caribe pelos Direitos da Mulher (Cladem Brasil).

Cerca de 5% dos abortos realizados de forma legal no Brasil são feitos por anencefalia ou por más-formações (autorizadas pela Justiça).

A ginecologista, obstetra e professora Helena Paro, do Núcleo de Atenção Integral às Vítimas de Agressão Sexual, na Universidade Federal de Uberlândia, defende que o STF explicite que o que quer dizer com anencefalia seja incompatibilidade com a vida.

Assim, da mesma forma que acontece nesses casos, não haveria necessidade de judicialização. Valeria a mesma regra: a partir da elaboração de dois laudos, assinados por dois médicos, a mulher poderia interromper a gravidez, abreviar seu sofrimento e evitar que o bebê sofra também pela falta de condições de vida e intervenções médicas.

— Há más-formações que podem até ser compatíveis com a vida, mas trazem maior risco inclusive à vida da mulher, como de pré-eclâmpsia e tromboembolismo, entre outros. E também não é só a saúde física. Está em jogo também a saúde mental e social delas. Você ter uma gravidez, todo mundo te ver grávida e você ter que ficar explicando para todo mundo — afirma Paro. — Tem um monte de outras coisas que o sistema judiciário deve tomar conta, mas o aborto não é uma delas porque é uma questão de saúde.

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