Naufrágio

Grécia impõe silêncio sobre naufrágio, e conduta da guarda costeira é criticada

Conduta das autoridades gregas está sob escrutínio conforme detalhes do caso vêm à tona; organizações acusam Atenas de negligência e falta de ação para evitar catástrofe

Sobreviventes de naufrágio na Grécia aguardam em armazém para onde foram levados após resgate Sobreviventes de naufrágio na Grécia aguardam em armazém para onde foram levados após resgate  - Foto: Angelos Tzortzinis/AFP

O silêncio imposto ao redor no naufrágio do Adriana, barco pesqueiro que carregava mais de 700 migrantes que tentavam chegar a Europa, alimenta dúvidas sobre o papel das autoridades no desastre nas águas do sul da Grécia.

Desde que as notícias do incidente começaram a surgir — situações similares ocorrem com alguma frequência no Mediterrâneo, mas a da semana passada foi uma das piores —, há indagações sobre o que a Guarda Costeira e o Ministério das Migrações grego poderiam ter feito para impedir o ocorrido.

Após o naufrágio, apenas 104 pessoas — 47 sírios, 43 egípcios, 12 paquistaneses e dois palestinos, todos homens — foram resgatadas. Na segunda, as equipes de busca encontraram mais dois corpos já em estado avançado de decomposição, o que leva o número de cadáveres resgatados a 80. Conforme passam as horas, achar mais resquícios das vítimas torna-se mais difícil.

Enquanto estiveram no porto de Kalamata, os resgatados tiveram tanto sua mobilidade quanto suas comunicações limitadas e foram postos pela Guarda Costeira em um local de onde não poderiam sair. Mais tarde, foram postos tapumes perto dos banheiros químicos ao lado do prédio para impedir que os jornalistas fizessem perguntas às vítimas pela cerca. Alguns parentes conseguiram abraçar os resgatados, mas as forças de segurança grega mantinham a imprensa longe.

O comandante da Guarda Costeira grega, Sotiris Tsoulos, não respondeu ao El País porque foram impostas aos resgatados restrições similares ao de um regime carcerário. Limitações aos movimentos de migrantes econômicos e solicitantes de asilo é algo comum na Grécia e com frequência denunciado por organizações humanitárias, mas geralmente sem resposta.

As restrições continuam após os migrantes terem sido movidos de lugar e de tutela, agora sob responsabilidade do Ministério das Migrações e Asilo. Ahmed é um sírio que vive no Reino Unido e que, depois de ouvir sobre o naufrágio, viajou primeiro para Kalamata e depois para o campo de Malakasa para encontrar seu primo.

— Ele está bem, em boas condições. Mas não deixam que ele saia e o vigiam o dia inteiro — disse ele a El País sobre o parente. — Eles podem usar o telefone para se comunicar com as famílias, a gestão do campo permite.

Vesões divergentes
Ao mesmo tempo, aumentam as indagações sobre o que mais poderia ter sido feito, às vésperas de uma eleição legislativa no domingo para tentar formar um governo, após os lados não conseguirem chegar a um acordo para fazê-lo após o pleito de maio. Pouco após o naufrágio no Mar Jônico, braço do Mediterrâneo a sul do Adriático, as autoridades gregas afirmaram que um barco de sua guarda costeira avistou o navio, mas que não houve intervenção porque os passageiros — e seus traficantes — teriam rechaçado e afirmado que preferiam seguir viagem até seu destino na Itália.

Uma abordagem também teria sido perigosa, disse o porta-voz da Guarda Costeira, Nilos Alexiou, dado que a embarcação estava superlotada. Tentar "violentamente parar seu curso" a contragosto, afirmou ele, poderia ter ocasionado um "acidente marítimo". Por mais que ela estivesse na zona de busca e resgate grega, "não podemos intervir em águas nacionais contra um barco que não está engajado em contrabando ou algum outro crime".

Alexiou aparentemente referia-se ao contrabando de drogas ou armas, mas não de pessoas. A decisão de seu governo, ainda assim, levanta acusações de que o governo grego não queria se responsabilizar pelos migrantes, buscando empurrar a missão para os italianos.

— A Guarda Costeira grega reconheceu que o barco estava com problemas, e isso é uma análise objetiva, eles deveriam ter tentado resgatá-lo independentemente de qualquer coisa — disse Markella Io Papadouli, advogada especialista em lei marítima e direitos humanos no Centro para Conselho de Direitos Individuais na Europa. — Negociar com traficantes é como negociar com sequestradores de aviões.

Segundo a especialista, ao contrário do que diz Atenas, nenhum pedido formal de S.O.S. precisaria ter sido feita. E por mais que haja relatos de chamados de urgência feitos aos gregos — o grupo de ajuda aos migrantes Alarm Phone afirma ter recebido alertas cerca de 12h antes do naufrágio e os enviado às autoridades —, focar no assunto é um erro.

Sob pressão?
Na segunda, a pressão sobre as autoridades gregas aumentou conforme mais relatos de vítimas e reportagens começaram a vir à tona. De acordo com a BBC, a embarcação não se moveu por sete horas. Os grego, entretanto, s haviam dito que o barco havia navegado 30 milhas náuticas do momento em que foi detectado, no último dia 13, até afundar.

Atenas aponta os dedos para nove homens presos por suspeita de serem os traficantes, afirmando que eles rejeitaram água potável para manter os imigrantes com sede e dóceis, em uma tentativa de permanecer sob controle. Mas também há indícios de que os próprios gregos violaram as regras.

De acordo com uma lei de 2014 da União Europeia (UE) que estabelece "regras para a fiscalização de fronteiras marítimas externas", um pedido de assistência é critério para resgate, "mas tal solicitação não deve ser o fator único para determinar a existência de uma situação de emergência". Outras condições são o estado da embarcação, a probabilidade dela chegar a seu destino final, o nível de lotação e a quantidade de recursos.

No Paquistão, na segunda, o primeiro-ministro Shehbaz Sharif declarou um dia de luto para os 104 cidadãos do país cuja morte já foi confirmada. Muitos deles eram da Caxemira, a região historicamente disputada entre a Índia e o Paquistão. O governo paquistanês prometeu investigar e punir os responsáveis por "um ato hediondo de tráfico humano". A ONU também pediu uma investigação paralela, em meio às trocas de versões do governo grego.

Linha do tempo
De início, a Guarda Costeira negou sequer ter amarrado cabos na embarcação pesqueira, algo que alguns sobreviventes afirmam ter causado o desastre. Depois, reconheceu que a abordagem aconteceu brevemente: um cabo foi amarrado para avaliar a condição do barco e de seus passageiros — alguns deles, segundo testemunhas, já estavam mortos devido à falta d'água e ao calor.

A especulação de que os gregos queriam se esquivar da responsabilidade de lidar com os imigrantes foi reforçada por relatos de navios que estavam na região. Segundo a BBC, o mercante Lucky Sailor teria sido instruído pela Guarda Costeira grega a ceder água e comida. De acordo com o New York Times, outra embarcação, o Faithful Warrior, deu ao pesqueiro água e comida por volta de 21h30 de segunda. Os imigrantes foram ouvidos gritando "Itália, Itália".

Cerca de 15 minutos depois, o capitão do Faithful Warrior, Panagiotis Konstantinidis, disse que o pesqueiro estava "sacudindo perigosamente" devido à superlotação. Algum tempo depois, os passageiros lançaram os suprimentos no mar.

De acordo com os documentos oficiais gregos, o barco parou de se locomover às 23h45, quando a Guarda Costeira lançou uma corda para averiguar a situação:

"Ouvimos vozes em inglês — 'sem ajuda, para a Itália' — e apesar de perguntarmos repetidas vezes se queriam ajuda, eles nos ignoraram e, por volta de 23h57, soltaram o cabo. Eles ligaram novamente o motor do barco e o moveram em direção ao oeste em velocidade baixa", diz a ata.

Segundo Konstantinidis, os serviços de resgate do seu navio foram dispensados pelo centro de controle grego por volta de 12h18, que foi instruído a seguir viagem. De acordo com os gregos, o barco pesqueiro teria parado de se mover às 1h40, o que fez a Guarda Costeira se aproximar novamente para avaliar a situação. Vinte e seis minutos depois, contudo, há relatos de que o naufrágio havia começado.

"Dentro de alguns segundos o barco virou, fazendo com que as pessoas no deque externo caíssem no mar e o barco afundasse", afirma o documento grego.

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