Guatemala e EUA anunciam início de programa de 'mobilidade segura' para pré-selecionar imigrantes
Centros de processamento no território guatemalteco começarão a receber agendamentos no dia 12; detalhes, contudo, ainda são pouco claros
A Guatemala e os Estados Unidos anunciaram na quarta-feira o início do funcionamento dos centros de pré-seleção do programa-piloto "Mobilidade Segura", que almeja frear a imigração ilegal selecionando de antemão os imigrantes que poderão entrar em solo americano. O tema é um dos maiores problemas domésticos para o presidente Joe Biden, duas semanas após o fim do Título 42, regra pandêmica que permitia a deportação imediata de imigrantes irregulares.
A imigração deve ser protagonista da eleição americana de novembro do ano que vem, que começa a esquentar com as primárias para escolher quem será o candidato republicano. Guatemala, El Salvador e Honduras são países-chave nesta frente, pois fazem parte do chamado Triângulo Norte: são nações que lidam com aguda miséria, acentuada pelos impactos da pandemia de Covid-19, eventos climáticos extremos e narcotráfico.
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A colaboração com o governo guatemalteco foi anunciada durante a visita de uma delegação americana de alto nível ao país, encabeçada por Phil Gordon, assessor de segurança nacional da vice-presidente, Kamala Harris. Os escritórios-piloto da iniciativa, que inicialmente funcionarão por seis meses, começarão a receber agendamento a partir do dia 12 pela página movilidadsegura.org. Não está claro, contudo, onde serão localizados ou quantas pessoas irão atender.
O governo americano havia anunciado em abril a abertura dos centros de pré-seleção em Guatemala e na Colômbia para aumentar as portas legais de entrada nos EUA. Com a novidade, os interessados não precisarão mais sair do território guatemalteco para dar entrada no seu processo.
O objetivo é "facilitar o acesso aos EUA e outros países, reunificações de famílias e acesso a vistos temporários de trabalho por vias legais". O projeto terá a colaboração do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e outros parceiros, que ficarão responsáveis por avaliar o mérito dos pleitos e se eles se adequam aos programas disponíveis.
Uma vez analisados os casos, os migrantes "serão enviados para o reassentamento de refugiados ou outras vias legais, como o programa Parole (NDR: permissão de permanência temporária), a reunificação familiar ou vias trabalhistas existentes". Os centros regionais de processamento também fornecerão informação sobre as opções locais de refúgio na América Latina e Caribe, incluídas as "oportunidades de regularização nos países anfitriões e serviços sociais" disponíveis.
A expansão das possibilidades de ingresso em solo americano é uma das promessas do Partido Democrata, mas simultaneamente dificulta os pedidos de asilo na fronteira, tentando aliviar uma crise ainda maior na divisa sul americana após a revogação do Título 42. A medida em questão faz parte do Código Sanitário americano, e permite ao governo proibir a entrada nos EUA quando há "um sério perigo de uma nova doença ser introduzida" no país.
Ela foi invocada em março de 2020 pelo então presidente Donald Trump, usando como pretexto a pandemia de Covid-19, para fechar a fronteira terrestre e, em teoria, impedir a propagação do coronavírus. Na prática, contudo, foi usada como uma tática anti-imigratória, como sua aplicação é imediata e não prevê o regresso automático ao país de origem.
Após tomar posse, Biden reverteu algumas das medidas anti-imigração mais draconianas de Trump, mas manteve o Título 42. Tentativas de deixá-lo para trás gradualmente foram bloqueadas pela Justiça e, até que a cláusula fosse finalmente abandonada no mês passado, mais de 2,8 milhões de pessoas já haviam sido expulsas dos EUA devido à ela.
A reversão, consequência do fim da emergência sanitária nacional declarada em razão da pandemia, veio acompanhada de uma nova diretriz para vetar imigrantes de pedirem asilo caso não solicitem refúgio em outro país antes de entrar nos EUA. A regra já foi questionada na Justiça pela União Americana das Liberdades Civis (ACLU, em inglês) e outros grupos defensores dos direitos dos imigrantes.
O governo aplica ainda o Título 8, norma que autoriza a deportação acelerada dos imigrantes que não são aptos a pedir asilo, ainda pune os deportados com cinco anos de proibição de entrada no país.
Herança trumpista
Politicamente, Biden herdou um problema: com o fim do governo Trump, que coincidiu com o início da vacinação contra a Covid-19, houve uma corrida sem precedentes à fronteira. Seu governo permitiu a entrada de mais de um milhão de imigrantes sem documentos em cerca de um ano e meio de mandato, que agora aguardam em solo americano a decisão sobre seus pedidos de asilo.
Com isso, o número de detenções realizadas pelas autoridades migratórias dos EUA também aumentou drasticamente sob o governo do democrata e superou a marca histórica de dois milhões em setembro do ano passado. O democrata também foi é constantemente pressionado por prefeitos e governadores republicanos — caso do agora pré-candidato pela legenda, Ron DeSantis —, que enviaram ônibus e aviões cheios de imigrantes para bastiões democratas como Washington e Nova York.
O temor é que a revogação do Título 42 agravasse mais a crise, com projeções de que o número de imigrantes que cruzariam diariamente a fronteira chegando a até 13 mil. Nos dias antes do fim da regra, o controle alfandegário processou diariamente mais de 10 mil imigrantes, batendo recordes diários.
Apesar dos alertas múltiplos, nos dois dias seguintes à mudança nas regras houve uma queda de 50% no fluxo, segundo dados da Secretaria de Segurança Nacional. Ainda é cedo para determinar, no entanto, se o medo se concretizará a longo prazo.
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O secretário de Comunicação da Presidência da Guatemala, Kevin López, disse um dia após o fim da medida que seu governo temia um aumento da imigração irregular e da possível concentração de imigrantes nos centros anunciados "unilateralmente" pelos EUA:
— Antecipamos uma situação humanitária muito grave, que poderia desafiar as capacidades logísticas do Estado da Guatemala para abrigar as pessoas que esperam o procedimento — disse ele.
Após a reunião de quarta, contudo, ambos governos "se comprometeram de forma conjunta a tomar uma série de passos críticos para reduzir da forma humanitária a imigração irregular e expandir as rotas legais", segundo um comunicado conjunto.