Guerra civil no Sudão completa dois anos sem paz à vista
O número exato de mortos é desconhecido devido ao colapso do sistema de saúde, mas o ex-enviado dos EUA mencionou estimativas de até 150.000 mortos
A guerra civil no Sudão completa dois anos nesta terça-feira (15), um conflito que matou dezenas de milhares de pessoas, provocou o deslocamento de 13 milhões de habitantes e desencadeou a pior crise humanitária do mundo, sem uma conclusão pacífica à vista.
Os combates neste país do leste da África começaram em 15 de abril de 2023 entre o Exército, liderado por Abdel Fatah al Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (FAR, paramilitares), lideradas por Mohamed Hamdan Daglo, ex-vice de Burhan.
A capital, Cartum, virou um campo de batalha em poucas horas, com cadáveres nas ruas e centenas de milhares de pessoas em fuga. Aqueles que optaram por ficar na cidade tiveram que lutar para sobreviver.
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"Eu peso metade do que pesava antes da guerra", disse à AFP Abdel Rafi Hussein, 52 anos, que viveu sob o controle das FAR na capital até o mês passado, quando o Exército retomou o controle da cidade.
"Estamos seguros (agora), mas não temos água, nem energia elétrica. A maioria dos hospitais não funciona", acrescentou.
A reconquista de Cartum pelo Exército representou uma virada após mais de um ano de derrotas. Muitos civis comemoraram o que consideraram uma "libertação" após meses sob o jugo das FAR, acusadas de genocídio, saques e violência sexual.
Zainab Abdelrahim, uma mulher de 38 anos, voltou no início de abril ao norte de Cartum com seus seis filhos e mal reconheceu sua casa, que foi saqueada. "Tentamos recuperar o essencial, mas não temos nem água, nem energia elétrica, nem medicamentos", disse à AFP.
A cidade está parcialmente destruída e as munições que não explodiram representam um grave problema de segurança.
"Desviar o olhar"
As FAR, no entanto, prosseguem com a ofensiva em Darfur, uma ampla região do oeste do Sudão, assolada pela fome, com o objetivo de conquistar El Fasher, a última capital regional ainda sob o controle do Exército oficial.
O Exército informou nesta terça-feira que efetuou, "com sucesso", ataques aéreos contra posições das FAR ao nordeste de El Fasher.
Reunidos em Londres, autoridades de países do leste da África e da Europa se comprometeram a mobilizar mais de 800 milhões de euros adicionais (quase 900 milhões de dólares, 5,2 bilhões de reais) em ajuda para o Sudão. Nenhuma das duas partes em conflito compareceu ao encontro.
"Dois anos é muito tempo. A guerra brutal no Sudão destruiu a vida de milhões de pessoas e, apesar disso, grande parte do mundo continua desviando o olhar", lamentou o ministro britânico das Relações Exteriores, David Lammy.
O alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, afirmou que o Sudão sofre com a "indiferença do mundo".
"Os sudaneses estão cercados por todos os lados: guerra, abusos generalizados, indignidade, fome e outras penúrias", afirmou, antes de alertar que "continuar olhando para o outro lado terá consequências catastróficas".
Um dia antes do aniversário, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que os civis "continuam sendo os mais castigados" pela guerra.
O número exato de mortos é desconhecido devido ao colapso do sistema de saúde, mas o ex-enviado americano Tom Perriello mencionou estimativas de até 150.000 mortos.
Os dois lados foram acusados de atacar civis, bombardear residências e bloquear a ajuda.
Quase 25 milhões de pessoas enfrentam um cenário de grave insegurança alimentar e oito milhões estão à beira da fome.
Segundo o Unicef, 2.776 crianças morreram ou foram mutiladas em 2023 e 2024, contra 150 de 2022, e é provável que o número real seja maior.
Os paramilitares anunciaram no domingo que tomaram o controle do campo de deslocados de Zamzam, em Darfur, perto de El Fasher, onde mais de 500.000 pessoas haviam encontrado refúgio.
Segundo a ONU, mais de 2,1 milhões de deslocados poderiam voltar para Cartum nos próximos seis meses, caso as condições de segurança e as infraestruturas permitam.