CRISE

Haiti: ONU diz que quase 100 mil pessoas fugiram de Porto Príncipe devido à violência de gangues

Grupos armados implantaram o caos na capital para exigir a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry, que assumiu o poder após o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021

Moradores deixam suas casas enquanto a violência das gangues aumenta em Porto Príncipe, HaitiMoradores deixam suas casas enquanto a violência das gangues aumenta em Porto Príncipe, Haiti - Foto: Clarens Siffroy/ AFP

Relatório divulgado pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) das Nações Unidas, nesta sexta-feira (12), mostra que quase 100 mil pessoas fugiram da região metropolitana de Porto Príncipe no último mês devido à intensificação dos ataques de gangues armadas, que agora controlam a maior parte da capital do Haiti.

Segundo dados recolhidos nas estações rodoviárias mais utilizadas, a OIM constatou que entre 8 de março e 9 de abril, 94.821 pessoas fugiram da capital com destino principalmente aos departamentos do Grande Sul, que já acolhem 116 mil deslocados que fugiram nos últimos meses. O número anterior da agência reportava 53 mil pessoas deslocadas entre 8 e 27 de março.

A OIM ressalta que esses números não refletem necessariamente todo o fluxo, já que alguns deslocados não passam pelos pontos onde os dados são coletados. Além disso, a agência destaca que as províncias de destino "não têm infraestruturas suficientes e as comunidades de acolhimento não têm recursos suficientes que lhes permitam enfrentar estes fluxos massivos de pessoas deslocadas da capital."

Novo fenômeno
De acordo com os dados, a maioria (63%) das quase 100 mil pessoas que fugiram de Porto Príncipe já estava deslocada internamente, muitas vezes refugiada primeiro com familiares na região metropolitana da capital — algumas já haviam sido deslocadas duas, três ou mais vezes. Mas a OIM observou um novo fenômeno: embora no início de março os deslocados internos tenham sido os primeiros a abandonar a capital, com o tempo, aqueles que não tinham sido deslocados antes também decidiram partir.

"Isso descreve ainda mais a deterioração da situação na capital, já que sair da capital poderia ser uma decisão relativamente mais rápida para alguém que já estava deslocado do que para alguém que ainda estava em casa e decidiu sair para procurar refúgio nas províncias", observou a agência da ONU.

A grande maioria (78%) das pessoas entrevistadas pela OIM no âmbito deste exercício de coleta de dados afirmou que abandonou a capital devido à violência, e 66% disse que ficaria longe "o tempo que fosse necessário".

— Antes eu dizia que não ia deixar o país. Aconselhava os jovens a não irem embora, que era melhor juntar nossas economias para iniciar um negócio — contou Charles Jean Wilderson, um empresário de 38 anos, à AFP. — Mas agora, quando há um sequestro e uma gangue o reivindica, já não dá mais para aconselhá-los a ficar. Um jovem que vai embora neste momento está certo.

Altruísmo como profissão
O premier anunciou, em março, que deixaria o cargo mediante a instauração de um Conselho Presidencial de Transição, que irá supervisionar a transição política e tentará impor alguma instabilidade à situação do país, que não realiza eleições desde 2016. Essa transição foi adiada repetidamente por desacordos entre os candidatos ao conselho e por divergências com o governo de Henry. No início desta semana, os líderes alcançaram um acordo para formar o conselho, que seguirá por 22 meses, e agora aguardam ser investidos pelos Poder Executivo.

O país caribenho, afetado por décadas de instabilidade política e pobreza generalizada, está enfrentando uma nova onda de violência. O caos explodiu em Porto Príncipe no fim de fevereiro, quando as gangues invadiram a principal prisão nacional da capital e libertaram quase 4 mil detentos. Seguiram-se então ataques a esquadras da polícias, prisões, edifícios públicos e até aeroportos, porto e estabelecimentos. A instabilidade tinha um propósito: exigir a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry, que assumiu o poder após o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 2021.

Mas, enquanto a posse não é concretizada, os haitianos sofrem um pesadelo diário. Segundo a rede ABC News, tiros foram ouvidos nesta semana pelas ruas de Porto Príncipe, levando trabalhadores humanitários a interromperem os cuidados urgentes, informou a Associated Press. Na linha de frente do amparo, esses agentes vivem com "estresse pós-traumático, constantemente agravado" por novos eventos, contou Elysee Joseph, médica da organização Médico Sem Fronteiras (MSF).

— É um ato de bravura continuar trabalhando. No Haiti, quando você pensa que o pior aconteceu, algo pior está sempre à espreita na esquina — contou à AFP.

'Inabitável'
A supervisora da organização no país, Sarah Chateau, afirmou que o Haiti vive uma situação de "desastre humanitário", com 1.554 mortes e 826 feridos nos três primeiros meses do ano, segundo a ONU. Nas últimas semanas, médicos da organização trataram 400 pessoas com ferimentos a bala em quatro hospitais do país, informou Chateau.

Com o maior porto e aeroporto do país fechados, a cidade e o resto do Haiti ficam sem fornecimento de alimentos, medicamentos e produtos de extrema necessidade. Cinco milhões de pessoas, quase metade da população do país, estão em situação de "insegurança alimentar aguda", segundo um relatório de especialistas internacionais.

Menores de idade, quando não são vítimas, são cooptados: segundo o especialista das Nações Unidas para direitos humanos no Haiti, William O'Neill, adolescentes de 13, 14 e 15 anos que antes atuavam como mensageiros ou vigias estão hoje entregando armas. Os hospitais no momento estão sobrecarregados e à beira do colapso, e O'Neill relatou a falta de suprimentos médicos como "remédios, luvas cirúrgicas, anestésicos". O combustível para geradores tornou-se inacessível.

Um acordo político alcançado por futuros membros do conselho presidencial determinou, entre suas prioridades, "restabelecer as condições de segurança pública" ou "adotar medidas excepcionais para reativar a economia, melhorar a oferta de serviços básicos e combater a insegurança alimentar". Mas, antes, eles terão que assumiu o poder.

— Porto Príncipe se tornou inabitável — disse um homem com cerca de 30 anos à AFP. — Se eu tivesse dinheiro, já teria ido para uma cidade do interior com meus três filhos. 

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