Hamas é pressionado a encontrar ''reféns perdidos'' em Gaza para manter trégua com Israel
Grupo terrorista disse ter achado mais reféns, na última segunda-feira, para continuar com troca de prisioneiros
Com a primeira fase do acordo entre Israel e Hamas concluída, com a troca de 50 reféns israelenses por 150 presos palestinos, e a confirmação de uma ampliação da trégua por mais dois dias, a preocupação dos negociadores que lutam para a construção de um cessar-fogo prolongado recai sobre um aspecto que foi quase esquecido durante os dias mais intensos de guerra: nem todos os sequestrados em Gaza estão ao alcance do Hamas.
O ministro das Relações Exteriores do Catar, Majed al-Ansari, afirmou, nesta terça-feira (28), que uma maior extensão do cessar-fogo temporário em Gaza dependeria da capacidade do grupo terrorista de continuar libertando ao menos 10 reféns por dia nos próximos dias, cumprindo uma das cláusulas estabelecidas no acordo inicial.
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A declaração do chanceler ocorre dois dias depois do primeiro-ministro catari, o xeique Mohammed bin Abdulrahman al-Thani, condicionar a extensão da trégua ao esforço do movimento palestino para recuperar 40 reféns que não estariam sob sua custódia em Gaza.
— Um dos propósitos [da pausa] é que eles [Hamas] tenham tempo para buscar pelo resto dos [reféns] desaparecidos — disse al-Thani, em entrevista ao Financial Times no domingo.
Pouco depois do ataque terrorista de 7 de outubro, o governo de Israel apresentou um balanço de 240 cidadãos que teriam sido levados à força para a Faixa de Gaza. Embora o ataque tenha sido liderado pelo Hamas, informações de outros grupos palestinos (que também participaram do ataque) e de agências internacionais, já apontavam que parte dos reféns estariam nas mãos de várias facções.
Em um comunicado publicado em 19 de outubro, a Human Rights Watch (HRW) expôs a fragmentação na custódia dos reféns. Ao denunciar os sequestros como crimes de guerra, a organização citou fontes dos próprios movimentos palestinos para indicar que as Brigadas al-Qassam, braço armado do Hamas, estariam em posse de aproximadamente 200 reféns, e que a Jihad Islâmica, outro grupo terrorista, teria ao menos 30. A organização citava ainda "outros grupos palestinos" que teriam prisioneiros.
Em entrevista ao site Sky News, Hans-Jakob Schindler, diretor do thinktank Counter Extremism Project, analisou a situação como "terrivelmente imprecisa", apontando que embora unidos pela luta contra Israel, o Hamas e a Jihad Islâmica, grupos que teriam a maior quantidade de prisioneiros, seriam na verdade competidores pelo poder em Gaza.
"Não é totalmente certo dizer que o Hamas pode conseguir a libertação de nenhum prisioneiro em posse da Jihad Islâmica", disse o analista. "Há uma bem-desenvolvida economia de contrabando em Gaza, há décadas, muito antes do Hamas tomar o controle, organizada por redes de famílias criminosas. É possível que reféns não estejam nem com o Hamas e nem com a Jihad Islâmica, mas com essas organizações criminosas".
Em entrevista ao jornal O Globo, na semana passada, o historiador João Miragaya, colaborador do Instituto Brasil-Israel (IBI), afirmou que Israel já tinha conhecimento de que o Hamas provavelmente não tinha a localização exata de todos os reféns. O analista apontou o efeito da ofensiva militar contra Gaza nas comunicações entre as células do grupo terrorista e outras organizações que também participaram do ataque como um dos fatores que dificultam a localização dos reféns. O especialista alertou, contudo, que a atual cobrança de Israel parte de informações coletadas com reféns já libertados pelo Hamas.
— O Hamas, no sábado, soltou a menina Ilá. Ela deveria ter sido libertada com a sua mãe, Raya, mas foi liberada sozinha. Israel questionou, e o Hamas disse não saber onde estava Raya, que não a tinham sob seu controle. Só que, a familiares, a menina Ilá disse que até dois dias antes da liberação ela estava com a sua mãe no cativeiro — afirmou Miragaya nesta segunda-feira. — Alguém está mentindo.
A dissonância também provoca dúvidas ao redor do mundo. Em entrevista na rede americana CBS, na segunda-feira, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, afirmou que o Hamas teria mais reféns "que eles estão mantendo [em cativeiro] ou que eles podem ter acesso", ao projetar uma extensão da trégua.
O jornal britânico The Independent, por outro lado, estimou, nesta terça-feira, que aproximadamente 100 reféns não estariam nas mãos do Hamas, e sim de outros grupos palestinos.
Diante das câmeras, o Hamas tenta se apresentar diligente na localização e libertação dos reféns. Izzat al-Risheq, um representante do gabinete político do Hamas, afirmou, na segunda-feira, que o grupo conseguiu localizar mais reféns em Gaza, durante uma entrevista à rede catari al-Arabi. Pouco depois, a extensão de dois dias na trégua foi anunciada pelo Catar.
A liderança do Hamas também sinalizou a Israel o interesse de negociar novos termos para ampliar a libertação aos soldados capturados no ataque. Israel, contudo, afirma que a trégua não vai durar mais de 10 dias.