Herdeiro político do pai, Jairinho foi citado por suposto envolvimento com milícia
Em texto publicado na revista "piauí" em 2011, o fotógrafo Nilton Claudino, torturado por sete horas, afirma que um vereador, filho de um deputado estadual, esteve presente na sessão de tortura
Preso sob suspeita de ter assassinado o enteado de quatro anos, o vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho (Solidariedade), foi citado cinco vezes como líder de milícia em um estudo feito com moradores de áreas dominadas por esses grupos criminosos na zona oeste do Rio de Janeiro.
Uma das fontes da pesquisa, conduzida pelo sociólogo Ignacio Cano, do LAV (Laboratório de Análise da Violência) da Uerj, foram entrevistas realizadas entre outubro de 2007 e março de 2008 com moradores de territórios controlados pelas milícias, ou pessoas que conheciam bem esses locais.
Ao tratar dos líderes de milícia com trajetória política mencionados nas entrevistas, o pesquisador escreve que Jairinho foi citado cinco vezes, e seu pai, o ex-deputado estadual e policial Coronel Jairo (SD), 13 vezes.
Leia também
• 'É sempre no seu quarto', escreveu babá a mãe sobre agressões de Jairinho a Henry
• Polícia não tem dúvida de que Dr. Jairinho é o autor da morte de Henry
• Mãe de Henry sabia de agressões de Dr. Jairinho e 'protegeu o assassino', diz delegado
Coronel Jairo foi citado ainda no relatório da CPI das Milícias realizada na Assembleia do Rio, em 2008, mas não foi indiciado porque não havia provas. A Polícia Civil também investigou se o então deputado havia tido envolvimento com a tortura de uma equipe de reportagem do jornal "O Dia" na favela do Batan, na zona oeste.
A corporação chegou a apurar a informação de que, pouco antes do sequestro, os jornalistas haviam sido abordados por um homem que se apresentou como assessor de Jairo, identificado como "Betão".
Em texto publicado na revista "piauí" em 2011, o fotógrafo Nilton Claudino, torturado por sete horas, afirma que um vereador, filho de um deputado estadual, esteve presente na sessão de tortura.
"A repórter reconheceu a voz de um vereador, filho de um deputado estadual. E ele a reconheceu. Recomeçou a porradaria. Esse político me batia muito. Perguntava o que eu tinha ido fazer na zona oeste. Questionava se eu não amava meus filhos", escreveu.
Não houve elementos suficientes na investigação para incriminar Jairo. Ele sempre negou qualquer relação com grupos milicianos.
O parlamentar voltou às páginas da imprensa em novembro de 2018, quando foi preso na operação Furna da Onça, desdobramento da Lava Jato no Rio. Ele é acusado de ter sido um dos parlamentares que receberam um "mensalinho" para votar com o governo de Sérgio Cabral na Assembleia do Rio.
Nascido e crescido em Bangu, zona oeste, seu reduto eleitoral, Jairinho formou-se em medicina, mas acabou tornando-se herdeiro político do pai. Vereador desde 2005, quando tinha 27 anos, ele está em seu quinto mandato após ter sido reeleito no ano passado com 16 mil votos.
Na Câmara Municipal do Rio, foi 1º Secretário e líder do governo em mandatos anteriores do prefeito Eduardo Paes (DEM) e na última gestão do ex-prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Na disputa pela prefeitura no ano passado, trocou de lado e trabalhou pela eleição de Paes.
Com bom trânsito e em ascensão na política fluminense, Jairinho chegou a ser cotado para uma vaga no TCM (Tribunal de Contas do Município). Ele ligou para o governador Cláudio Castro (PSC) no dia seguinte à morte do enteado, perguntando o que acontecia em casos do tipo.
À reportagem Castro afirma que respondeu ao vereador que, de praxe, uma investigação deveria ser aberta. Jairinho quis saber, então, qual delegacia ficaria encarregada pelo caso. Segundo o governador, o parlamentar estava agitado, como sempre foi, e disse que uma tragédia havia ocorrido.
Outra fonte da política do Rio afirma à reportagem que, quando jovem, Jairinho era um rapaz doce, cuidadoso e tranquilo. À medida que foi ganhando prestígio, se tornou muito agitado e "não parava quieto".
Mandato na Câmara.
A Câmara informou que Jairinho teve sua remuneração imediatamente suspensa após a prisão. O regimento interno da Casa prevê que o vereador que for preso ficará automaticamente afastado do exercício do mandato a partir do trigésimo primeiro dia.
O conselho de ética da Câmara decidiu nesta quinta-feira (8) que pedirá à Justiça acesso aos autos da investigação para avaliar se encaminhará uma representação contra Jairinho por quebra de decoro. Ele foi afastado do conselho, do qual fazia parte, e teve sua vaga ocupada pelo vereador Luiz Ramos Filho (PMN).
Resolução da Casa determina que entre as penalidades por conduta incompatível com o decoro parlamentar estão a suspensão temporária e a perda do mandato.
Já o Solidariedade informou que Jairinho está afastado e licenciado do partido. "Aguardamos junto às autoridades competentes a apuração dos fatos com o processo de investigação e uma posição final da Justiça", afirma nota da legenda.
No caso de afastamento do exercício do mandato por mais de 120 dias, o vereador será substituído pelo suplente. No caso de Jairinho, entraria no seu lugar Marcelo Diniz, presidente da Associação de Moradores da Muzema, comunidade na zona oeste do Rio controlada por uma milícia.
Em abril de 2019, dois prédios desabaram na comunidade, matando mais de 20 pessoas. Investigações do Ministério Público apontaram que a milícia constrói e vende imóveis irregulares na região.
Diniz foi chamado a depor na Polícia Civil para prestar esclarecimentos sobre a atuação da associação da Muzema. Havia suspeitas de que a instituição estivesse sendo utilizada como uma imobiliária clandestina para negociar os imóveis dos grupos paramilitares.
Durante a campanha eleitoral do ano passado, ele foi intimado novamente a depor pela Polícia Civil, por suspeita de ligação com a milícia, segundo noticiou o jornal Extra.
A corporação investigava de que forma grupos criminosos estavam influenciando o pleito –em determinadas regiões, apenas candidatos apoiados pelo tráfico ou pela milícia podem fazer atos de campanha.