Heróis do dia a dia: conheça pessoas e projetos que se dedicam ao próximo durante todo o ano
Ações promovem campanhas solidárias e beneficentes
“Se tem gente com fome, dá de comer.” Os versos do poeta pernambucano Solano Trindade (1908-1974), ativista do movimento negro, escritos em 1944, dão nome à campanha nacional que surgiu durante a pandemia causada pela Covid-19 com o objetivo de entregar cestas básicas, kits de higiene e cartões alimentação a famílias em situação de vulnerabilidade.
Realizada pela Coalizão Negra por Direitos e entidades parceiras, a ação mapeou mais de 200 mil famílias e arrecadou, até então, mais de R$ 20 milhões, usados para diminuir a insegurança alimentar das pessoas beneficiadas. No Estado, a campanha é gerenciada pela Articulação Negra Pernambuco (Anepe), movimento que reúne 26 coletivos.
A assistente social Ingrid Farias, de 32 anos, é uma das coordenadoras da ação. “Eu comecei a me envolver com causa solidária no meu bairro, na adolescência, por volta dos 14 ou 15 anos”, contou. Entre a infância e a juventude, ela, que hoje profissionalmente atua com o atendimento a pessoas em situação de rua, morou no Conjunto Dom Helder, em Jaboatão dos Guararapes, e em Brasília Teimosa, no Recife, onde reside.
Em Pernambuco, como explica Ingrid, a campanha “Tem Gente com Fome”, iniciada em março deste ano, distribuiu, até o momento, quase duas mil cestas agroecológicas, com valor equivalente a R$ 200, e cartões alimentação no valor de R$ 142,50, alcançando cerca de 9.500 pessoas, em ao menos 12 municípios, entre eles Moreno, Camaragibe, Vitória de Santo Antão e Garanhuns.
“Além das famílias atendidas, tem o beneficiamento também para os mercadinhos de bairros, porque a campanha orienta que as pessoas comprem os seus produtos em comércios locais”, lembrou. Nacionalmente, mais de 100 mil famílias já foram contempladas com a iniciativa.
Duas décadas de ações sociais
Fundada há 20 anos, a Central Única das Favelas (Cufa) promove ações contínuas nos âmbitos político, social, esportivo e cultural. À frente do braço pernambucano da entidade, está, desde 2019, a produtora cultural Altamiza Melo, 38 anos, presidente da Cufa PE.
“A Cufa aqui em Pernambuco replicou todas as ações nacionais. Nós também desenvolvemos alguns programas de capacitação ligados ao fortalecimento de empreendedoras e também estimulando novos moradores de favela para o empreendedorismo”, disse.
Uma das mais recentes ações da instituição é a campanha “Mães da Favela”, que distribui cestas básicas e “Vales Mães”, no valor de R$ 100. Em Pernambuco, foram entregues 118.900 cestas e 2.880 vales em mais de 10 cidades. Em âmbito nacional, foram beneficiadas mais de 3,5 milhões de famílias, gerando impacto em mais de 14 milhões de pessoas e mobilizando 65 mil agentes para a entrega do material.
A secretária Anjuly Mendonça, 36 anos, entrou para a equipe de voluntários da Cufa PE há dois anos, após vencer uma depressão. “Aqui eu faço o que eu mais gosto, que é ajudar o outro”, disse.
Fábio José, 29, chegou à entidade há cinco meses em busca de doação e hoje também ajuda nas entregas das cestas. “Antes eu passava necessidade e hoje tenho alimento e consigo ajudar a minha família”.
Anjos de centenas de pessoas
Todos os dias, faça sol ou chuva, seja fim de semana ou feriado, a ONG Anjos da Noite promove, no centro do Recife, a distribuição de aproximadamente 350 marmitas - aos domingos, o número sobe para perto de 600.
“São pessoas em situação de rua e pessoas que têm suas casas mas não têm o seu alimento”, explica a idealizadora do projeto, Conceição Rodrigues, de 45 anos.
A iniciativa nasceu em 2015, quando Conceição, então cobradora de ônibus, percebeu que muitas pessoas pediam carona no transporte coletivo para ir em busca de alimentação digna no centro.
Naquele ano, na primeira saída do grupo, ela reuniu mais oito amigos e levaram 50 pães e 40 litros de sopa, que alimentaram cerca de 35 pessoas. Hoje, o projeto conta com 92 voluntários e também promove ações para distribuição de cobertores, materiais de higiene e atendimento a abrigo de idosos.
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“O meu sonho maior é que um dia eu fique em casa, que eles não precisem mais. Que cada um tenha seu lar, que cada um tenha seu alimento.”
Doação em família
Para além dos projetos formalmente instituídos, os “heróis do dia a dia” são, também, pessoas que praticam o amor ao próximo e acabam mobilizando família e amigos a fazerem o mesmo. É o caso do analista financeiro Breno Anderson, de 28 anos.
“Aprendi com meus pais desde cedo que fazer o bem sem olhar a quem era uma ação muito gratificante e que a maior recompensa disso tudo era poder lutar por um mundo melhor. Aos meus 14 anos de idade, ingressei com um grupo de amigos para dar aula de informática em uma comunidade carente na cidade de Camaragibe. De lá pra cá, percebi que poderia fazer muito mais e comecei a procurar projetos e idealizar ações na minha comunidade”, contou.
Frequentemente, e com a colaboração da família e amigos, ele realiza a coleta e distribuição de roupas e cestas básicas. O seu projeto mais especial, aliás, chegou a sua quarta edição no último dia 5, quando se vestiu de Papai Noel e levou alegria para crianças do município de Igarassu, onde mora desde 2018.
“O Papai Noel Solidário tem como intuito levar alegria para as crianças das comunidades da minha cidade e resgatar em seus familiares o espírito natalino. Desde o início do projeto até agora, já ajudamos a tornar mais feliz o Natal de aproximadamente 2.500 crianças e adultos, com doações de cestas básicas, roupas, calçados, brinquedos e sacolinhas de confeitos e pipoca para a criançada”, frisou.
Voluntariado como vocação
Vocação pode ser a palavra usada para descrever o que levou o pedagogo Ednaldo Souza, 42, a fundar, há oito anos, o projeto Sabor Solidário, que oferece alimentos e cursos a moradores do município de Paulista.
“Nós temos três vertentes, a gente trabalha com alimentação, com refeição, que é um assistencialismo mais imediato, e com o desenvolvimento das pessoas, por meio de cursos gratuitos que podem gerar renda rápido, como designer de sobrancelha e produção de doces e salgados”, detalhou.
A iniciativa, com sede no bairro de Paratibe, atua especialmente nas comunidades do Papelão e do Cano, localizadas na cidade. Mensalmente, são distribuídas em torno de 100 cestas básicas. O projeto, que conta com cerca de 50 voluntários, também disponibiliza atendimento psicológico e assistência jurídica.
Além disso, a cada terceiro domingo do mês, promove um almoço no centro do Recife para pessoas em situação de rua. “Oferecemos em média 400 refeições, servidas no estilo buffet, e, naquele dia, aquela pessoa tem a opção de um self-service, digamos assim”.
As férias do pedagogo, inclusive, são tiradas em janeiro para que ele possa se dedicar ainda mais ao projeto e às atividades de fim de ano.
“Bom seria se o Sabor Solidário não precisasse existir. Mas é uma missão. Talvez por eu ter vivido, por ter sentido a fome, saber como dói a fome, é que eu digo ‘se Deus me deu, eu preciso dividir, eu preciso compartilhar’. Existem os que são vocacionados a ser padre, a ser professor, e existem os que são vocacionados a serem voluntários. Ser voluntário é vocação. Talvez essa seja a minha missão”.