HIV: laboratório investigado por erros recebeu quase R$ 10 milhões do governo do Rio sem licitação
Só em fevereiro de 2023, o PCS Lab Saleme passou a ter um vínculo formal com o governo para atender as UPAs
Quase metade dos pagamentos feitos pelo Governo do Rio de Janeiro ao laboratório PCS Lab Saleme, investigado por erros em exames de HIV, decorreu de contratações feitas sem licitação.
Desde 2022, a empresa recebeu R$ 21,2 milhões dos cofres do estado. Desse total, R$ 3,7 milhões (ou 17%) foram pagos por meio de termos de ajuste de contas (TACs) — ou seja, os pagamentos eram feitos após a execução do serviço, mediante apresentação de nota fiscal, sem que a empresa sequer tivesse contrato com o governo. Já outros R$ 6,2 milhões foram recebidos em contratos considerados "emergenciais", fechados em processos com dispensa de licitação.
Os primeiros pagamentos feitos pelo governo à empresa remontam ao final de 2022. Na ocasião, a gestão de várias Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) passou de Organizações Sociais (OS) para a Fundação Saúde, órgão vinculado à secretaria de Saúde, num processo iniciado em 2020.
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Sob a justificativa de que o serviço de exames clínicos nas unidades precisava continuar sendo prestado mesmo sem um contrato em vigor, o governo optou por realizar pagamentos ao laboratório por meio de TACs.
Os serviços começaram a ser prestados em agosto de 2022 e, só naquele ano, mais de R$ 1 milhão foi pago pela empresa dessa maneira. Os serviços começaram a ser prestados em agosto.
Só em fevereiro de 2023, o PCS Lab Saleme passou a ter um vínculo formal com o governo para atender as UPAs. No entanto, a contratação da empresa não foi realizada a partir de uma concorrência pública: o contrato, para realizar exames em quatro UPAs na Zona Oeste do Rio no valor de R$ 2,1 milhões, foi assinado com dispensa de licitação pela Fundação Saúde.
Na época, o secretário de Saúde era Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior, o Doutor Luizinho (Progressistas), que é parente dos sócios do laboratório. Um deles, Walter Vieira, preso ontem, é casado com sua tia; já o outro sócio, Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, que assina os contratos da empresa com o governo, é filho de Walter.
Doutor Luizinho permanaceu na secretaria de janeiro a setembro de 2023 e, ao deixar o cargo, indicou sua sucessora, Cláudia Mello, e seguiu tendo influência na pasta. Sua irmã, a dentista Débora Lúcia Teixeira Medina de Figueiredo, ocupa até hoje um cargo de direção na Fundação Saúde.
Em outubro, o PCS Lab Saleme fechou um novo contrato com a pasta, novamente com dispensa de licitação. Por R$ 3,8 milhões, a empresa passou a ser responsável pelos exames clínicos do Hospital estadual Ricardo Cruz, em Nova Iguaçu — reduto político de Doutor Luizinho e mesma cidade onde fica a sede da empresa.
Novamente, a justificativa para o procedimento emergencial foi o "risco a saúde e a segurança da coletividade" que a interrupção da prestação de serviço acarretaria, já que o hospital também havia sido incoporado à Fundação de Saúde no mesmo mês. O processo de contratação da empresa começou ainda na gestão de Luizinho.
Somente em dezembro de 2023, mais de um ano depois de começar a receber pagamentos do governo, o PCS Lab Saleme foi contratado a partir de um processo licitatório. Na ocasião, o laboratório apresentou a melhor proposta para prestar o serviço de realização de exames clínicos em 11 unidades de saúde do estado. Esse contrato, que engloba o HemoRio e a Central de Transplantes, foi o que culminou na realização dos exames que não detectaram HIV nos órgãos transplantados.
Inicialmente, o contrato tinha o valor de R$ 9.801.008,74, mas teve o valor aumentado, em março deste ano, em R$ 1.679.459,04 para incluir o atendimento a mais duas unidades, os postos de atendimento médico (PAM) de Cavalcanti e de Coelho Neto, na Zona Norte. Ao todo, os três contratos do PCS Lab Saleme com a Fundação Saúde preveem a prestação do serviço num total de 18 unidades, entre hospitais, PAMs, institutos e centros especializados.
Durante o último processo de licitação, no entanto, o Dr. Saleme teve sua capacidade técnica para produzir exames questionada. Segundo o recurso interposto por uma concorrente, o laboratório não conseguiu comprovar que tinha experiência prévia para executar metade dos exames previstos por contrato. O documento que faz parte do processo de concorrência aponta que o Dr. Saleme só conseguiu comprovar a execução de 581 mil exames por ano — e o edital previa pelo menos 628 mil.
O Dr. Saleme alegou, em ofício que também faz parte da licitação, que "realiza o objeto do certame há mais de dez anos, já tendo realizado, só em favor da Secretaria municipal de Nova Iguaçu, mais de 2 milhões de exames clínicos e anatomia patológica". O laboratório tem contratos com a prefeitura de Nova Iguaçu desde 2016. A Fundação Saúde entendeu que "a empresa vencedora atendeu as exigências do edital" e homologou o resultado.
Laços familiares
Matheus Vieira, um dos sócios do PCS Lab Saleme, também é sócio de outra empresa do ramo da saúde, a Quântica Serviços de Radiologia. A firma foi contratada por mais de R$ 8 milhões pela OS Instituto de Psicologia Clínica Educacional e Profissional (IPCEP), que administrava o Hospital estadual Getúlio Vargas e a UPA da Penha, para realizar serviços de exames de raio-x, tomografia computadorizada e ultrassonografia nas duas unidades.
Segundo o RJTV, da TV Globo, quem assina o contrato, representando a OS, é Daniel Cardoso de Sá, genro do ex-presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha.
Sá, que é casado com a deputada federal Dani Cunha (União Brasil), deixou a OS em julho passado. o IPCEP já recebeu quase meio bilhão de reais dos cofres do estado.