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Europa

Home office na Europa: países criam incentivos para nômades digitais com renda

Enquanto o pós-pandemia fez explodir o fenômeno, diferentes destinos parecem fazer uma espécie de leilão das melhores condições para os interessados

Andreia Martins, jornalista, posa em rua de Londres, próxima parada da sua jornada como nômade digital Andreia Martins, jornalista, posa em rua de Londres, próxima parada da sua jornada como nômade digital  - Foto: Reprodução / Arquivo pessoal

Se você tem uma renda mensal de mais ou menos R$ 6,5 mil, pode solicitar residência temporária na Finlândia — e deslocar-se sem restrições pelos 27 Estados da União Europeia (UE) que compõem o Espaço Schengen. Bem menos, R$ 4,3 mil, são necessários para se instalar na Albânia. Mas sem a mesma liberdade de movimento, já que o país não pertence à UE.

Na República Tcheca, sequer é necessária uma renda mínima mensal; basta dispor de algo como R$ 26,5 mil no banco — o único inconveniente é precisar ter algum tipo de vínculo, mesmo que freelance, com uma empresa de lá.

Enquanto o pós-pandemia fez explodir o fenômeno dos chamados nômades digitais — profissionais que trabalhando on-line sem base fixa conseguem pular de um lugar a outro — diferentes países parecem fazer uma espécie de leilão das melhores condições para atraí-los.

A lógica é essencialmente econômica: além de receber (ainda que com fortes descontos) os impostos dessa massa de pessoas, as nações veem seus setores de comércio e serviços ganharem novos consumidores. E, não menos importante: cérebros novos trazem ideias frescas e ajudam, assim, a oxigenar o mercado criativo local.

Espanha e Portugal foram duas das mais recentes nações a se juntarem a uma lista que, só na Europa, inclui ainda Estônia, Croácia, Malta, Grécia, Hungria, Letônia e Islândia, entre outras. Desde 2020, vários desses países publicaram novas leis ou adaptaram outras anteriormente existentes para ampliar os casos em que trabalhadores à distância podem requerer vistos de residência temporária. No caso estoniano, a recente regulamentação inclui até mesmo a expressão nômade digital.

Se, na já mencionada Finlândia, a renda mensal que o trabalhador por conta própria ou empregado em regime remoto deve ter para solicitar o visto de residência válido por um ano não supera o equivalente a R$ 7 mil, os dois países da Península Ibérica estabeleceram pisos bem mais altos. Na Espanha, são € 2.334 (algo como R$ 12,3 mil pelo câmbio atual). Em Portugal, € 2,8 mil (quase R$ 15 mil) — ou praticamente quatro vezes o salário mínimo de € 760 pago aos portugueses.

— Para mim, não é uma opção, minha renda ainda não alcança isso — diz Andréia Martins, jornalista paulista que está provisoriamente estabelecida em Lisboa com sua esposa antes do próximo "salto nômade" das duas: Londres.

Como muitos brasileiros, ela se beneficiou do passaporte europeu da mulher para poder viver ali. Já a transferência para o Reino Unido está garantida porque elas solicitaram a autorização de trabalho antes da consumação do Brexit — a saída da UE — em fevereiro de 2020. Mas se, no futuro, outra escala se somar à aventura, Andréia estará preparada. Ela tem informação reunida sobre as regras de vários países para atrair trabalhadores remotos:

— O que me move é a busca de novas experiências, conhecer novos lugares. O maior desafio é ter renda em reais e gastar em euros. Mas, sabendo disso, me planejei, juntei reservas. Produzo conteúdos para o Brasil, mas também fiz um curso de sommelière, um campo forte em vários países da Europa. É preciso estar aberta a diferentes possibilidades, a mudar de foco.

1,3 milhão de brasileiros
Dados atuais da plataforma internacional Nomadlist, um diretório que reúne "dezenas de milhares de membros", como descreve seu site, mostram que brasileiros como Andréia ocupam uma posição de destaque entre as principais nacionalidades dos nômades digitais. Com quase 1,3 milhão desses profissionais espalhados pelo mundo, o Brasil é o sétimo no ranking, atrás de EUA (27 milhões), Reino Unido (4,1 milhão), Rússia (2,8 milhões), Canadá (2,5 milhões), França (2 milhões) e Alemanha (1,7 milhão).

A renda média e a ocupação não são detalhadas por nacionalidade na pesquisa. Mas, no cômputo global, 40% trabalham em tempo integral, à distância, para uma empresa; 17% são freelancers; e 16% fundaram sua própria start-up. Os que ganham até US$ 2 mil por mês são menos de 6% do total, e a maioria — 36% — afirma receber entre US$ 8,3 mil e US$ 20 mil mensais.

Essas cifras parecem corroborar a ideia de que nômade digital é só um eufemismo para ricos (ou pessoas de classe média alta) que podem se permitir trotar o mundo por já terem "a vida ganha". Mas Fabiola Mancinelli, pesquisadora do assunto e professora do Departamento de Antropologia da Universidade de Barcelona, garante que não é bem assim.

— O nomadismo é um conceito que abrange um conjunto nada homogêneo de pessoas. Há os programadores informáticos e outros profissionais bem remunerados que podem se permitir viver em Barcelona. Mas há também os jovens que utilizam o trabalho remoto para viajar e escolhem nações onde o custo de vida lhes permite aproveitar melhor seus salários — diz.

Mancinelli — ela mesma uma italiana vivendo na Espanha — conta que a pandemia foi o grande motor das leis nacionais para atrair trabalhadores de maneira temporária. Não por acaso, a maioria dos territórios que adotaram a prática tinha no turismo, dos setores mais impactados pelos confinamentos, uma importante fonte de renda.

Medidas com problemas
Mas o sucesso dos incentivos ao fluxo de pessoas também trouxe problemas. E a subida ainda maior nos preços dos aluguéis em várias cidades europeias — um fenômeno anterior, vinculado ao turismo de massas que tira imóveis do mercado para direcioná-los a visitantes temporários — é só um deles.

— Outro é o encarecimento generalizado dos preços. Também a desaparição do comércio local em algumas zonas, substituído por um setor de bares e restaurantes gentrificado. São questões que oocorrem mais nas metrópoles. O cenário seria diferente em contextos rurais, onde os nômades digitais poderiam contribuir para dinamizar regiões tranquilas e levar a elas um toque cosmopolita.

Esta é a ideia por trás do projeto Pueblos Remotos (Povoados Remotos), criado por Carlos Jonay Suárez Suárez. Natural das Ilhas Canárias, arquipélago espanhol na costa africana a dois mil quilômetros de Madri, este estrategista digital e empreendedor crê que o que hoje é um nômade digital desenraizado pode, amanhã, vir a ser a semente de uma transformação no lugar onde decidir se assentar:

— Trazemos pequenos grupos de trabalhadores remotos e os unimos ao entorno rural, promovendo integração real. Os fundos NextGeneration (de até € 250 bilhões, ou R$ 1,3 trilhão, para projetos sustentáveis), da União Europeia, já estão sendo usados para projetos assim: estimular a atração de nômades digitais e, com eles, abrir mercados, gerar novas indústrias a partir das potencialidades da região, beneficiadas pelas ideias novas que chegam com essas pessoas. Os países que investirem nisso só têm a ganhar.

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