ÁSIA

Hong Kong condena dois editores de extinto site de notícias por 'sedição' em duro golpe à liberdade

Chung Pui-kuen e Patrick Lam, que alegam inocência, podem ser presos após serem acusados de publicar textos considerados tendenciosos

Chung Pui-kuenChung Pui-kuen - Foto: Peter Parks/AFP

Os dois veteranos do turbulento cenário da imprensa de Hong Kong não hesitaram em publicar vozes pró-democracia em seu site Stand News, mesmo quando a China intensificou sua repressão à segurança nacional para silenciar os críticos na cidade.

Então, a polícia bateu à porta e, mais de dois anos e meio depois, um juiz condenou nesta quinta-feira os dois jornalistas — o ex-editor-chefe do Stand News, Chung Pui-kuen, e seu sucessor, Patrick Lam — por conspirar para publicar materiais sediciosos no extinto veículo de notícias liberal. Ambos estão sujeitos a possíveis penas de prisão.

A decisão histórica destacou o quanto a liberdade de imprensa diminuiu na cidade, onde os veículos de notícias locais já se autocensuram para sobreviver e algumas organizações de notícias estrangeiras deixaram ou transferiram sua equipe em meio ao crescente escrutínio das autoridades.

Durante o julgamento, os promotores caracterizaram os artigos de notícias e os artigos de opinião publicados pelos dois como tendenciosos contra o governo e uma ameaça à segurança nacional.

Os artigos eram semelhantes aos que a Stand News vinha publicando há anos. Mas depois que as autoridades esmagaram os protestos que abalaram a cidade em 2019, a China impôs uma lei de segurança nacional, e a tolerância à dissidência na mídia livre da cidade começou a evaporar.

Os dois editores alegaram inocência. Chung disse em seu depoimento no tribunal que eles estavam operando dentro dos princípios jornalísticos, para entregar histórias com valor de notícia e de interesse público.

— Não tínhamos uma agenda oculta ou quaisquer outros objetivos que não pudessem ser vistos — disse ele em seu depoimento durante o julgamento no ano passado. — Vimos eventos muito importantes com muito interesse público; só queríamos documentá-los.

Ex-colegas de Chung o descreveram como um líder destemido e um jornalista justo que incentivava os funcionários a procurar políticos pró-Pequim para entrevistas ou artigos de opinião, mesmo que esses pedidos fossem regularmente recusados.

— Ele era firme em seus ideais — disse Lam Yin-pong, um ex-editor do site que agora dirige uma agência de notícias on-line individual. — Ele é o que tem mais força de vontade. Seu sacrifício é muito extremo.

Os Estados Unidos classificaram a condenação dos dois ex-editores como um novo golpe para a reputação da cidade chinesa.

"A condenação dos editores do Stand News por sedição é um ataque direto à liberdade de imprensa e mina a outrora orgulhosa reputação internacional de Hong Kong por sua transparência", escreveu o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, na plataforma de mídia social X, antigo Twitter.

Campanha contra dissidentes
O julgamento é o exemplo mais recente da campanha das autoridades contra a dissidência em Hong Kong, que levou à prisão dezenas de ativistas, políticos da oposição e cidadãos comuns que publicaram comentários on-line.

A campanha levou a um êxodo de residentes locais e expatriados e expulsou algumas empresas estrangeiras, já que a economia da cidade luta para se recuperar da pandemia.

— O veredicto pode impor um efeito inibidor adicional sobre o setor de mídia local, que vem exercendo forte autocensura desde 2020 — disse Eric Lai, especialista em direito de Hong Kong do Georgetown Center for Asian Law.

Em sua decisão, o juiz do caso, Kwok Wai-kin, escreveu que era necessário equilibrar a liberdade de expressão "com a prevenção dos possíveis danos causados por publicações incendiárias". Kwok é um dos juízes escolhidos a dedo pelo executivo-chefe de Hong Kong para julgar casos de segurança nacional.

Os dois editores, que passaram quase um ano na prisão após serem presos, tiveram sua fiança estendida até a sentença prevista para o final de setembro. Lam não compareceu à audiência desta quinta-feira devido a problemas de saúde, informou seu advogado.

A imposição da nova lei de segurança de Hong Kong gerou alguma incerteza sobre como os casos políticos existentes serão tratados. Os jornalistas do Stand News foram acusados em 2021 de acordo com uma lei de sedição da era colonial britânica, que prevê uma pena máxima de até dois anos de prisão.

Mas a nova lei de segurança nacional de Hong Kong, introduzida este ano, aumentou a pena máxima por sedição para sete anos e dez anos, se uma "força externa" estiver envolvida. Ela substituiu a lei de sedição.

Especialistas jurídicos disseram que, em pelo menos um outro caso relacionado à segurança nacional, os tribunais aplicaram retroativamente as novas punições mais severas. Não está claro se isso acontecerá quando o tribunal condenar os dois editores.

Entenda o caso
A Stand News foi fundada em 2014 e seus princípios fundadores incluíam a proteção da democracia, da liberdade e dos direitos humanos.

Ganhou maior destaque pela transmissão ao vivo dos protestos antigovernamentais que duraram meses em 2019, com sua equipe pequena, mas aparentemente onipresente, cobrindo agilmente o movimento e a resposta das autoridades.

Chung e Lam foram presos no final de dezembro de 2021. Centenas de policiais foram até a redação e recolheram caixas de provas. O Stand News substituiu sua página inicial por um aviso anunciando que seria fechado.

Durante o julgamento, os promotores citaram 17 artigos que, segundo eles, estavam no centro de uma conspiração entre os dois editores e a empresa proprietária do Stand News para publicar materiais sediciosos.

Esses artigos incluíam um artigo de opinião escrito por Nathan Law e uma entrevista com Ted Hui, ambos ex-legisladores que agora vivem em autoexílio no exterior e são procurados pela polícia de Hong Kong.

O julgamento dos editores do Stand News tem sido atormentado por atrasos. Originalmente planejado para durar 20 dias, ele se estendeu por mais de 50.

O veredito estava programado para ser proferido em outubro passado, mas foi adiado três vezes.

Chung passou 36 dias no banco das testemunhas, com a promotora Laura Ng sugerindo a ele que o Stand News era uma plataforma para críticos ferrenhos de Hong Kong e Pequim. Chung respondeu que procurou incluir vozes de todo o espectro político porque acreditava que a discussão aberta era saudável para a sociedade.

— Para mim, a liberdade de expressão está próxima de um tipo de fé — disse ele.

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