IA é a nova arma da ciência para evitar as próximas epidemias de gripe; entenda
Cientistas conseguiram antecipar características de patógeno circulante com base em sua ''árvore de família'' no passado
Decidir qual vacinas usar para combater a gripe no planeta é uma tarefa difícil, porque requer saber quais linhagens do vírus vão circular mais a cada ano. Para ajudar nesse planejamento, uma atribuição da Organização Mundial da Saúde (OMS), cientistas desenvolveram um método que usa inteligência artificial.
Leia também
• Inteligência artificial: Musk adverte que a IA é "uma das maiores ameaças" à Humanidade
• Japoneses usam inteligência artificial para criar nova geração de drogas; entenda
• IA: abreviatura de inteligência artificial supera "nepo baby" e é eleita palavra do ano
A abordagem dos pesquisadores foi usar um banco de dados com sequências genéticas de amostras de vírus coletadas mundo afora desde 1980, depois alimentar um modelo de machine learning (aprendizagem de máquina) para tentar prever como o influenza continuaria evoluindo.
Em um estudo na edição desta semana da revista Science Advances, o grupo liderado pela cientista da computação iraniana Maryam Hayati, da Universidade Simon Fraser, de Vancouver (Canadá), descreve como o método obteve sucesso em um teste.
Usando os dados obtidos até 2020, eles conseguiram "prever" características genéticas de uma cepa do vírus que circulou em 2021. Por meio de um algoritmo que avaliava a genética da 'árvore de família' do patógeno e inferia como diferentes variedades se distribuíam ao longo do passado, os pesquisadores reproduziram a decisão da OMS sobre qual vacina deveria ser usada naquele ano.
O trabalho ainda é uma iniciativa em estágio inicial, mas os pesquisadores dizem crer que ele pode ser útil como ferramenta informativa. Autoridades de saúde em geral esperam que amostras colhidas pela vigilância epidemiológica estejam disponíveis para avaliar o perfil da epidemia em cada temporada. Depois disso, o tempo para tomar decisões é curto, por isso qualquer informação antecipada pode contribuir para o trabalho da OMS.
"Cada vez mais será útil ter uma gama ampla de ferramentas disponíveis, incluindo esta que desenvolvemos integrando informações sobre árvore hereditária de diferentes genes", escreveram Hayati e seus colegas.
O estudo da pesquisadora foi feito enfocando as sequências genéticas que codificavam duas proteínas essenciais do vírus, a hemaglutinina e a neuraminidase. Essas duas moléculas ficam posicionadas na superfície do patógeno e são uma espécie de "chave" que o influenza usa para entrar nas células humanas.
As iniciais H e N dessas proteínas estão presentes na sigla que define a variedade do vírus circulante, como o influenza tipo A H1N1. No estudo publicado nesta sexta-feira, Hayati usou especificamente a variante H3N2 do vírus, sem ainda aplicar a técnica às outras.
"As vacinas atuais em geral são mais efetivas contra o influenza tipo B ou contra o tipo A H1N1 do que para o H3N2. Isso se deve em parte ao fato de mudanças genéticas ocorrerem com mais frequência no H3N2 do que nos outros tipos e subtipos", afirmam a cientista e seus coautores.
Por isso o grupo diz crer que, em princípio, uma abordagem funciona para esse influenza deve funcionar para os outros também.
Hemisfério ausente
O estudo que usou inteligência artificial para antecipar características das variedades circulantes, porém, teve uma limitação: os pesquisadores usaram essencialmente dados de amostras de vírus coletadas em epidemias de gripe no hemisfério norte do planeta. Possivelmente, o algoritmo pode estar enviesado para cobrir as epidemias de gripe boreais.
"Existem poucas sequência disponíveis para o hemisfério Sul, limitando o desenvolvimento de métodos como esse especificamente desenhados para o influenza nessa metade do globo", escrevem os pesquisadores. "Análises que fizemos reduzindo amostragens, porém, indicam que a precisão do método tende a ser robusta."
No estudo, o grupo repetiu as simulações realizadas buscando reproduzir padrões de evolução e distribuição do vírus vistos para os anos de 2016 até 2019. Os cientistas conseguiram uma taxa de sucesso que variou de 75% a 89%.
Após a pandemia de 2019, afirma Hayati, o padrão de circulação do influenza sofreu mudanças, e ficou mais difícil de se prever. Essa perturbação pode ter afetado em alguma medida o sucesso dos pesquisadores nos testes.
Esse ruído, porém, afeta também o trabalho da OMS com técnicas mais tradicionais, por isso os cientistas defendem que a vigilância global contra a gripe tenha à disposição ferramentas mais diversificadas, como plataforma de inteligência artificial.