Logo Folha de Pernambuco

Engravidar ou não?

Impactos da pandemia geram preocupações em mulheres em idade reprodutiva

Pesquisa realizada em Pernambuco apontou que 75% das mulheres sentem medo de engravidar durante a pandemia

Carolina Alves ficou preocupada ao saber que estava grávida do pequeno João Gustavo, hoje com quatro mesesCarolina Alves ficou preocupada ao saber que estava grávida do pequeno João Gustavo, hoje com quatro meses - Foto: Melissa Fernandes/Folha de Pernambuco

A pandemia causada pela Covid-19 tem gerado consequências nos mais variados aspectos. Uma pesquisa sobre o impacto do coronavírus nas decisões reprodutivas das mulheres brasileiras iniciou, na última segunda-feira (13), a sua terceira fase de execução, que deve durar até o próximo mês de agosto, com entrevistas realizadas de forma presencial e remota. O objetivo é identificar como a emergência sanitária vem afetando as escolhas das mulheres em idade reprodutiva sobre o desejo e o momento de engravidar

Coordenada pela Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisa realizou as duas primeiras fases em 2020 e 2021, entrevistando, respectivamente, 3.998 e 2622 mulheres, entre 18 e 34 anos, residentes na Região Metropolitana do Recife, no Agreste e na Zona da Mata.

Os dados revelaram que mais de 75% das mulheres citaram o enorme medo e preocupação com a Covid-19, bem como suas consequências econômicas e impactos na saúde, como motivos para adiar ou evitar a gravidez durante a pandemia. Em 2021, segundo o estudo, 32% das mulheres indicaram ter mudado de ideia em relação à gravidez por causa da pandemia do coronavírus.

“A gente sabe que a Covid teve um impacto especial sobre a saúde reprodutiva das mulheres, principalmente das mulheres grávidas e puérperas. O Brasil foi o líder e continua liderando as mortes maternas por Covid. Então, é uma epidemia que atinge as mulheres em idade reprodutiva e não só por essas mulheres que morreram de Covid, mas também pelas dificuldades de ter acesso aos serviços de saúde porque a rede estava completamente despreparada”, destacou a médica e professora Sandra Valongueiro, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da UFPE e um dos nomes à frente do estudo.

Historicamente, o número médio de filhos por mulheres no Brasil vem diminuindo ao longo das décadas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1940 esse índice chegava a 6,16 filhos por mulher. Já em 2020, a média diminuiu para 1,76. Além dos contextos geracionais, que se refletem no menor número de filhos por famílias, durante crises sanitárias o número de mulheres grávidas também tende a diminuir. 

Sandra Valongueiro, médica e pesquisadora da UFPE - Foto: Divulgação

“A taxa de fecundidade já vinha caindo em Pernambuco e no País. Durante a zika, no Estado caiu 10% o número de nascimentos, depois subiu um pouco mas não voltou ao que era antes. A epidemia de microcefalia começou em outubro de 2015. Nesse período, as mulheres começaram a tentar evitar engravidar e a partir de junho os nascimentos começaram a diminuir, que é justamente em torno de nove meses a partir do início da epidemia”, comentou Valongueiro. Após o início da pandemia da Covid-19, a taxa de fecundidade também reduziu no Estado (veja mais detalhes sobre nascimentos no infográfico mais abaixo).

Mãe do pequeno João Gustavo, de quatro meses, a funcionária pública Carolina Alves, de 26 anos, não pretendia engravidar durante a pandemia. “Não só a Covid como outras doenças que assolam o nosso País nos deixaram, e ainda deixam, com muito medo. Nossa maior preocupação foi com todo o cenário em que o Brasil se encontra, tanto com a pandemia como a situação financeira. Por sorte, tivemos muito apoio e cuidado dos familiares e amigos durante todo o período da gestação”, disse.

Carolina Alves é mãe do pequeno João Gustavo - Foto: Melissa Fernandes/Folha de Pernambuco

O receio foi ampliado por ter perdido uma amiga gestante vítima da Covid-19, quando as vacinas ainda não haviam sido recomendadas para este público. Agora, já mãe, as preocupações se voltam, também, para as perspectivas quanto ao futuro. “Penso no que posso contribuir para deixar o mundo um pouco melhor para meu pequeno”, disse Carol, que afirmou não pensar em ter um segundo filho nos próximos anos.

“O principal motivo é por causa da situação financeira do país. E por ter sido mãe durante a pandemia, meu psicológico ainda está se recuperando, foi uma tensão. Não gostaria de passar por isso novamente”, refletiu.

A jornalista Apilly Ribeiro, de 31 anos, está no sétimo mês da gestação. A gravidez, contou, apesar de muito desejada, não havia sido planejada para ocorrer neste momento. “Há mais ou menos cinco anos, quando comecei a namorar meu marido, passamos a falar muito sobre parentalidade e passamos a desejar ser pais juntos. Tínhamos tudo mais ou menos planejado para um momento mais calmo, e sempre fomos dando prioridade às questões profissionais minhas e dele”, disse.

Apilly Ribeiro aguarda a chegada do primeiro filho - Foto: Divulgação

A chegada do primeiro filho vem, também, em meio à mudança de país. “Quando soube da gravidez eu fiquei em choque, passei um dia inteiro chorando, só não sabia se era felicidade ou medo. Logo todo esse medo se transformou em ânimo e recalculamos todos os planos para a chegada de Miguel. Hoje estamos muito felizes e vivendo um dia de cada vez, curtindo cada momento da gestação e fazendo muitos novos planos”, destacou. 

Assistente social, Karlla Mendes, de 32 anos, não deseja ser mãe e viu esse pensamento ser reforçado durante a pandemia. “Nunca tive vontade de ser mãe e vi que a pandemia é algo que não podemos controlar e isso me assusta, porque não podemos proteger 100% uma criança. Também lembro que na época do 'boom' da zika eu fiquei com o medo triplicado de engravidar. Mas, o fator principal de eu não querer ter filhos é realmente a minha liberdade”, contou.

Karlla Mendes reforçou a ideia de não engravidar - Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco 

Um estudo realizado pela farmacêutica Bayer e tendo como um das instituições parceiras a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) apontou, em 2019, que 37% das brasileiras não desejam ter filhos.

“Eu queria que as pessoas entendessem que uma mulher não é 100% completa só porque tem um filho, ou porque não tem. São escolhas, existem outras coisas. Ser mãe é algo que eu nunca tive vontade e eu me sinto muito segura quanto a isso”, comentou Karlla.

Segundo a pesquisadora Sandra Valongueiro, os dados obtidos durante as duas primeiras fases do estudo coordenado pela Universidade do Texas em parceria com a UFPE e a UFMG trarão conclusões mais completas a partir da análise da terceira fase, iniciada este mês. “Por exemplo, tivemos mulheres que disseram que desejavam evitar uma gravidez mas a gente não sabe se elas conseguiram manter essa intenção de não engravidar durante a pandemia”, analisou.

A pesquisa, aliás, também estudou questões sociais, como raça e escolaridade das entrevistadas. Segundo o levantamento, 69% das mulheres brancas tiveram ou suspeitaram de ter tido Covid; o índice é de 74% para as não brancas e chega a 77% para as mulheres pretas. Em 2021, 75% das mulheres que possuem ao menos graduação incompleta relataram preocupação em ter problemas financeiros por causa da pandemia; no grupo que possui até o ensino médio completo a proporção é de 85%. 

“Os dados confirmam a situação de maior vulnerabilidade de mulheres negras, especialmente em relação às mulheres que relataram ter Covid. Com relação às mulheres que têm menor escolaridade, isso é um indicativo de que elas têm a situação socioeconômica mais precária e faz com que tenham mais preocupação de engravidar. São situações onde houve a maior perda de emprego, diminuição de renda, todas essas coisas foram mais agravadas entre mulheres negras e entre mulheres de menor escolaridade”, finalizou a pesquisadora.

Veja no inforgráfico abaixo o índice de nascidos vivos em Pernambuco nos últimos anos:

Impactos do Zika e da Covid-19 nas decisões reprodutivas das mulheres

Veja também

Putin ordena "produção em série" de mísseis hipersônicos "Oreshnik"
GUERRA

Putin ordena "produção em série" de mísseis hipersônicos "Oreshnik"

"Chip da beleza": Anvisa atualiza regras sobre implantes hormonais; entenda
SAÚDE

"Chip da beleza": Anvisa atualiza regras sobre implantes hormonais; entenda

Newsletter