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DIREITOS DAS MULHERES

Importunação sexual no transporte: saiba com denunciar e o que fazer

Conheça canais de denúncia que podem ajudar polícia a identificar autor de crime e atuar em casos de violência contra mulher no transporte

O ano era 2015, as primas Sarah* e Beatriz*, na época com 14 e 15 anos, voltavam para casa, na Várzea, Zona Oeste do Recife, após um dia cansativo de passeios pelo bairro da Boa Vista, no centro da cidade. O caminho da volta, feito de ônibus por meio da antiga linha 2432 - CDU/Várzea, deveria ser tranquilo.

Por volta das 16h, as duas entraram no ônibus, sentando atrás da cadeira do cobrador. Minutos depois, um homem, mais velho, também entrou no coletivo e, mesmo com lugares vagos, se posicionou de pé, ao lado do banco das meninas. Aproveitando a proximidade, ele utilizou o momento para esfregar os órgãos genitais no corpo de Sarah. 

Percebendo o incômodo da prima, Beatriz se ofereceu para trocar de lugar. Ainda assim, o homem continuou o ato obsceno, dessa vez no corpo de Beatriz. Com medo, as duas se afastaram da beirada do banco. "Sentamos quase uma no colo da outra e deixamos o assento do corredor praticamente vago", relembra Beatriz.

Não foi suficiente, o homem sentou no pequeno espaço vazio deixado pelas garotas, apertou-se ao lado das duas meninas, pressionando o contato entre o corpo dele e o delas. A ajuda veio de uma outra mulher, adulta, no fundo do ônibus: "Não tá vendo que as meninas estão incomodadas com o senhor se esfregando nelas? Se levante", gritou a mulher desconhecida, relatam as vítimas.

Frequência 
Casos como esses não costumam ser a exceção, mas sim a frequência da experiência feminina dentro dos transportes públicos, sejam eles coletivos - ônibus, trens e metrô - ou individuais - táxis, carros particulares de aplicativos e mototáxis. Em 2019, uma pesquisa do Instituto Patrícia Galvão com o Instituto Locomotiva ouviu mais de 1.000 brasileiras que usam diversas formas de transporte no dia a dia. 

O levantamento confirmou que atos de importunação sexual estão presentes na vida da maior parte das mulheres brasileiras usuárias dos meios de transporte público. De acordo com os dados, 97% das entrevistadas afirmaram ter sido vítimas de assédio em meios de transporte. Outras 71% conhecem alguma mulher que já sofreu assédio em público.

Entre os relatos, estavam queixas de olhares insistentes, cantadas indesejadas, comentários de cunho sexual, perseguição, passadas de mão ou homens que se esfregam no corpo da mulher se aproveitando da lotação, caso semelhante ao das primas Sarah e Beatriz.

O que fazer?
Nesses momentos, fica a dúvida: o que fazer? O sentimento de impotência costuma ser a primeira reação nos casos em que o agressor desce do veículo ileso, e a denúncia uma das poucas ferramentas que promete reafirmar os direitos das mulheres violentadas. 

Nos transportes coletivos, a recomendação da Polícia Militar de Pernambuco é acionar as forças de segurança através do 190 para que os agentes tentem localizar os suspeitos ainda no momento da ação criminosa. Posteriormente é necessário ser feito o registro em uma Delegacia de Polícia Civil, para que seja feita a investigação do caso. 

Além disso, recai sob os órgão públicos responsáveis pelo gerenciamento destes transportes a obrigação de promover a fiscalização e conscientização. 

Grande Recife
Desde 2023, o Grande Recife Consórcio de Transporte tem atuado contra a importunação sexual em transportes públicos por meio da campanha “Vamos pensar no coletivo: importunação sexual é crime”, realizada em parceria com as secretarias da Mulher e Defesa Social. 

A iniciativa busca conscientizar sobre o crime de praticar ato libidinoso contra alguém sem consentimento, que estabelece pena de 1 a 5 anos de reclusão. Nos terminais integrados e dentro dos ônibus, são distribuídos panfletos informativos e materiais como o “violentômetro”, que alerta mulheres sobre sinais de abuso e como reagir. Além do 190, denúncias podem ser feitas pelos números 0800.081.0158 (Grande Recife) e 0800.281.8187 (Secretaria da Mulher). 

Estado
Em novembro, em uma das atividades da campanha dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, a Secretaria da Mulher de Pernambuco realizou formação para públicos estratégicos, incluindo os trabalhadores do transporte coletivo.

As iniciativas têm como objetivo sensibilizar e capacitar esses profissionais para identificar e agir em casos de violência contra mulheres, além de reforçar os direitos das vítimas e os deveres da sociedade na prevenção e combate ao problema.

Motoristas e cobradores de ônibus participaram de capacitações voltadas para o reconhecimento e a atuação em casos de importunação sexual e outros tipos de violência. Thaís Alves, coordenadora do programa de formação, destacou a importância da iniciativa, explicando que “os ônibus são espaços públicos onde violências de diferentes formas podem ocorrer. Queremos que esses profissionais se tornem aliados, reconhecendo os sinais e sabendo como encaminhar as vítimas para a rede de proteção”.  

Aplicativos
Quando os crimes acontecem dentro de carros particulares de aplicativo, a identidade do agressor pode ser revelada mesmo em caso de fuga. Para isso, as vítimas precisam entrar em contato com as plataformas.

A Uber informou que tem adotado uma série de medidas para melhorar a segurança de usuárias e motoristas parceiros. Em nota, a plataforma destaca que oferece ferramentas como compartilhamento de localização, gravação de áudio e vídeo das viagens, além de um botão de emergência para contato com a polícia, que já funciona em alguns estados integrando o serviço ao 190. 

Já a 99, também de carros particulares, esclareceu que tem implementado medidas de segurança, como monitoramento em tempo real, gravação de áudio e compartilhamento de rotas, além de oferecer uma Central de Segurança 24h com suporte para incidentes e promover campanhas de conscientização para respeito entre os usuários. A empresa também destacou a importância de manter o cadastro no aplicativo atualizado para garantir o funcionamento das ferramentas.

Garantia
A Nina, aplicativo criado para combater a importunação sexual no transporte público, tem ganhado destaque no cenário nacional para garantir os direitos das mulheres violentadas dentro desses espaços.

Fundada por Simony César, a ferramenta nasceu a partir da percepção da necessidade de enfrentar a importunação sexual de maneira mais estruturada e eficiente, criando soluções tecnológicas que possam contribuir para a segurança das mulheres nos transportes públicos.

“Com base em experiências reais e na análise de dados, o projeto foi pensado para oferecer não apenas um canal de denúncias, mas também ferramentas de monitoramento e suporte para a gestão pública e empresas”, explica Simony.

A Nina opera com um sistema integrado que inclui um chat para denúncias e um painel de controle acessível 24h, permitindo monitoramento em tempo real e organização de informações como mapas de calor, rankings de linhas com mais denúncias e terminais problemáticos. As denúncias são classificadas como preventivas, feitas quando o ato não está ocorrendo no momento, ou emergenciais, que exigem resposta imediata, como intervenção da Guarda Municipal, acolhimento da vítima e encaminhamento para a rede de apoio psicossocial.

“O impacto desse mapeamento é significativo, pois oferece às autoridades dados concretos para planejar ações de segurança e mobilidade, além de criar um ambiente mais seguro para as mulheres”, destaca.

*Nomes das vítimas foram alterados para proteção de identidade
 

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