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Incerteza sobre futuro do Grupo Wagner pode trazer vantagens para Ucrânia

Expectativa é que não haja grandes mudanças a curto prazo na batalha e motim não deixou grandes brechas na linha de frente russa, mas confusão é boa notícia para Kiev

Integrantes do Grupo Wagner se preparam para sair de Rostov no Don, no sábado Integrantes do Grupo Wagner se preparam para sair de Rostov no Don, no sábado  - Foto: Roman Romokhov / AFP

Da curta rebelião do grupo paramilitar Wagner foi uma boa notícia para alguns soldados ucranianos. Há dúvidas até que ponto os combatentes liderados por Yegveny Prigojin — alguns dos mais bem equipados, treinados e com táticas mais atrozes entre os inimigos — continuarão a ser uma força ímpar na linha de frente, como eram há meses. A longo prazo, as consequências dos eventos do último fim de semana são uma incógnita.

Apesar de a Ucrânia ter anunciado nesta segunda-feira por meio de sua viceministra de Defesa, Ganna Maliar, a recuperação do vilarejo de Rivnopil, em Donetsk, o mais provável é que a linha de frente fique relativamente inalterada nas próximas semanas. A contraofensiva de Kiev até o momento não teve grandes ganhos e enfrenta forte resistência, mas a expectativa é que o caos e a moral abalada entre os soldados do presidente Vladimir Putin dê ao menos alguma vantagem aos inimigos.

Ainda assim, o tom predominante entre autoridades americanas e analistas independentes é de cautela: é muito cedo para determinar quais serão as repercussões a longo prazo da briga de meses entre Prigojin e o establishment militar russo, que atingiu seu ápice com o motim. Além disso, a inteligência de momento é que não há muitas brechas a serem exploradas.

A marcha dos homens do Wagner, de acordo com análises preliminares, não levou soldados russos a deixarem seus postos no sul ou no leste da Ucrânia para reforçar a segurança da capital, segundo autoridades americanas. E, enquanto a guerra acontecia, não houve trégua na guerra: antes sequer de sábado amanhecer, mais de 50 mísseis foram disparados contra o território ucraniano.

Mas a incerteza ao redor do futuro do Wagner gera ao menos algum alívio em Kiev. Em Bakhmut, o grupo teve um papel essencial na campanha para a tomada da cidade, palco da batalha mais violenta de guerra até então e a principal vitória russa no campo de batalha neste ano.

A disputa em Bakhmut, no leste ucraniano, solidificou a aliança vacilante entre o grupo paramilitar e as Forças Armadas russas — parceria que foi rompida assim que a captura se concretizou. Para Rob Lee, pesquisador do Instituto de Pesquisas de Política Externa, nos Estados unidos, "a relação prévia entre o Wagner e o governo russo provavelmente acabou":

"Mesmo que isso não tivesse acontecido, não está claro se o Wagner teria um papel similar ao que teve em Bakhmut daqui para a frente"afirmou.

A intensidade das batalhas em Bakhmut fez com que grandes números de russos ficassem feridos ou fossem mortos nos primeiros meses deste ano, avaliam autoridades americanas. Ao tomarem a cidade durante o primeiro semestre, as forças do Wagner mostraram que aprenderam com os meses de batalha no ano passado: melhoraram suas táticas e dificultaram muito a organização de uma defesa ucraniana.

Os combatentes do Wagner eram, de longe, mais numerosos que os soldados ucranianos, com onda atrás de onda de recrutas vindos diretamente dos presídios russos. As manobras táticas arriscadas também dificultavam. Mas Bakhmut foi uma vitória que custou caro para Prigojin.

A cidade, de valor mais simbólico que estratégico, era um prêmio que muitos militares em Moscou não consideravam digno. A importância para a batalha perdeu ainda mais peso depois que os ucranianos conquistaram terrenos altos na periferia da região, impedindo que os russos a usassem para orquestrar ataques que os levassem até Kramatorsk, a próxima cidade na lista para expandir a área ocupada no leste ucraniano.

Os eventos que ocorreram durante e depois da captura de Bakhmut parecem ter precipitado a ruptura entre o Wagner e o ministério da Defesa. As forças de Prigojin só conseguiram tomar o centro da cidade após Putin ordenar que seu Exército fortificasse os combatentes do Wagner para proteger suas posições de ataques ucranianos — ajuda importante para a conquista da cidade pelos paramilitares e que reforçou a importância do Exército. O chefe paramilitar, contudo, parece ter tirado outras conclusões.

Nas última semanas, o Ministério da Defesa russo tomou medidas para integrar o Wagner às Forças Armadas regulares, o que teria reduzido o poder de Prigojin. Neste mês, por exemplo, a Duma, a Câmara Baixa do Parlamento russo, aprovou uma lei destinada a devolver ao Estado o monopólio da violência, com a obrigação de que todos combatentes, mobilizados, voluntários ou presidiários se submeterem à hierarquia do Ministério da Defesa.

"Essa é uma das razões pelas quais Prigojin ficou com raiva, porque percebeu que agora está fora da Ucrânia" disse Tatiana Stanovaya, pesquisadora do Carnegie Endowment para a Paz Internacional.

O exército do dirigente checheno Ramzan Kadirov se submeteu completamente à medida, mas o Wagner não quis submeter seus soldados ao Kremlin. Desde então, suas críticas aos dirigentes das Forças Armadas russas tornaram-se mais estridentes, e as inteligências ucraniana, britânica e americanas passaram a crer que ele poderia usar suas tropas para tentar forçar a queda do ministro da Defesa, Sergei Shoigu.

Ainda mais rápido, contudo, o motim que começou na sexta começou: no sábado, Prigojin anunciou que interromperia a marcha em direção a Moscou após um acordo aparentemente intermediado pelo presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko. O chefe do Wagner, por sua vez, receberá asilo de Minsk.

O Kremlin anunciou que os combatentes do Wagner que não participaram da revolta assinariam contratos com o Ministério da Defesa, e que aqueles que tiveram papel nos atos do fim de semana não seriam processados. A declaração indicou que o grupo paramilitar, ao menos em sua forma atual, deixaria de existir: por mais que parte dos combatentes deva continuar a lutar agora sob o guarda-chuva das forças oficiais, não está claro quantos deles concordarão em fazê-lo.

O Wagner tem sido uma ferramenta importante para a política externa russa, particularmente em países africanos como o Mali e a República Centro-Africana, e na guerra civil síria que já dura mais de uma década. Se é quase certo que haverá mudanças sob o controle do Kremlin, também parece provável que não seja dissipado como uma força de combate relativamente eficaz.

E os planos futuros de Prigojin, agora possivelmente na Bielorrússia, também não podem ser descartados.

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