Indígenas tentam salvar as araucárias e seu próprio povo no sul do Brasil
Estima-se que restam apenas 3% das florestas originais que abrigam essa espécie
Carl Gakran é categórico: a extinção das araucárias no sul do Brasil levaria ao desaparecimento de seu povo, os indígenas xokleng. Por isso, eles plantam milhares de mudas desta espécie em extinção que lhes fornece alimento, remédio e sentido espiritual.
"Os xokleng não existem sem as araucárias (...). Nosso povo e nossa cultura também correm risco de extinção, porque não temos mais o nosso alimento tradicional", explica Gakran, de 32 anos, habitante da terra indígena Ibirama-Laklano, no interior de Santa Catarina.
"Muito foi destruído da nossa floresta, por causa do grande valor comercial da madeira da araucária", uma conífera presente em outros países do Hemisfério Sul como Chile, Argentina e Austrália.
Leia também
• Cannabis medicinal: STJ vai decidir se permite cultivo da planta com fins terapêuticos no Brasil
• Você conhece todas as propriedades da aroeira? Veja como e quando utilizar
O desmatamento desenfreado da 'Araucaria angustifolia', variedade nativa da região sul do Brasil, colocou esta espécie na lista oficial de flora ameaçada de extinção no país, divulgada em 2022.
Estima-se que restam apenas 3% das florestas originais que abrigam essa espécie, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Por isso, Carl e sua esposa Gape Gakran fundaram há quatro anos o Instituto Zag ("araucária" na língua xokleng), um projeto de conservação com o qual calculam já ter plantado mais de 50 mil exemplares.
De suas árvores de troncos compridos, casca áspera e galhos em forma de castiçal, são extraídos madeira e pinhões, sementes ultranutritivas que constituem a base da alimentação dos xokleng, cuja população estimada é de 2.200 pessoas.
"Somos seus guardiões, ela é nossa mãe, nossa árvore sagrada", explica Gape Gakran, de 36 anos, vestida com uma jaqueta de algodão colorida e um grande cocar de penas, enquanto amamenta sua filha.
Ritual de proteção
O processo de reflorestamento envolve toda a comunidade. De cada pinhão, eles conseguem uma muda que leva cerca de um ano para germinar, plantada em saco biodegradável.
Antes de plantar, passam por um ritual de proteção com cantos e danças xokleng em volta de uma fogueira.
As araucárias, que os xokleng também usam em seus remédios tradicionais, demoram entre 12 e 15 anos para começar a dar pinhão. E vivem em média 400 anos.
Assim como outros povos indígenas, os xokleng sofreram décadas de perseguição e suas terras foram invadidas por diversos grupos, como madeireiros e agricultores.
O território Ibirama-Laklano, que os xokleng dividem com os povos guarani e kaigang, é alvo de uma ação judicial de demarcação no Supremo Tribunal Federal, cujo veredicto afetará inúmeras outras terras em disputa.
A região perdeu parcialmente seu status de reserva depois que um tribunal de instância inferior aceitou o argumento de que os indígenas não podem reivindicar o território porque não estavam lá em 1988, ano em que foi aprovada a Constituição que reconhece o direito às suas terras ancestrais.
Os indígenas afirmam que não estavam na área porque a ditadura militar (1964-1985) os expulsou à força.
Para os xokleng, plantar araucárias é outra forma de resistência.
"Aprendi com meus avós que os povos indígenas nasceram para preservar a floresta, nós somos os guardiões dessa terra, das florestas de araucárias. E precisamos do apoio de todo o mundo para protegê-las", conclui Carl Gakran.