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Inteligência artificial: desafios e oportunidades na educação básica do Brasil

Ferramentas tecnológicas que usam a IA podem contribuir na rotina de estudantes, professores e demais profissionais de educação

Especialista em tecnologia e educação Roberto AlvesEspecialista em tecnologia e educação Roberto Alves - Foto: Divulgação

Cada vez mais popularizada na sociedade, a inteligência artificial se consolida, especialmente desde a massificação das chamadas IAs generativas, como o ChatGPT e Midjourney, como uma revolução tecnológica transformadora de diversos setores, incluindo a educação.

No Brasil, a aplicação da IA na educação básica apresenta desafios e oportunidades significativas. 

Por um lado, as escolas enfrentam barreiras como falta de infraestrutura, capacitação de professores e desigualdade no acesso a tecnologias e à conectividade. Por outro, no entanto, a IA oferece recursos que podem otimizar processos administrativos, melhorar a análise de dados educacionais, gestão de recursos e suporte à tomada de decisão.

Para o especialista em tecnologia e educação Roberto Alves, gerente geral de tecnologia na Secretaria de Educação do Recife, o uso da IA no setor educacional deve ser feito além da sala de aula e de questões pedagógicas, mas também em níveis administrativo e de gestão.

"A gestão pública pode se beneficiar de diversas formas, como por exemplo na otimização de recursos, no melhor planejamento de sua rede, entender dificuldades específicas de estudantes, personalização do ensino, desenvolver ações de forma proativa para o combate do abandono escolar, entre outros", pontua.

A integração de dados, por sua vez, pode identificar ações proativas e políticas públicas direcionadas para a atuação preventiva nas redes escolares, o que poderia evitar, por exemplo, que o estudante abandone a escola. 

Lançado no primeiro semestre deste ano pelo governo federal, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) prevê a realização de um investimento de R$ 23 bilhões em ações relacionadas à tecnologia. 

Com o objetivo de tornar o País uma referência mundial em inovação e eficiência no uso tecnológico, o planejamento é dividido em diversas áreas e deverá ter impacto imediato no setor da educação. 

Para tal, o PBIA estabelece como uma de suas metas a transformação do País em um modelo global de eficiência e inovação no uso de IA no setor público. 

"Isso torna a política pública muito mais efetiva. As secretarias de educação poderiam planejar melhor sua distribuição de merenda, por exemplo, analisando o comportamento em tempo real da sua rede. Usar tecnologias para gestão, juntamente com as análises geradas por IA, podem evitar vários tipos de desperdícios nos processos de abastecimento da rede de educação dos municípios de qualquer tamanho", completa o especialista.

Potencializar as humanidades
Roberto Alves defende que a discussão sobre o uso da IA na educação não pode se limitar à eventual substituição de atividades dos professores em sala de aula. Atuando no auxílio ao professor, a IA o libera para focar no lado humano da educação.

"A aula do professor não é somente aquele momento em que ele está em sala. Começa antes, tem planejamento, tem que montar documentação, tem toda uma dinâmica de atividades para atender às demandas pedagógicas", destaca o especialista em tecnologia e educação ao explicar possibilidades de ajudar o professor nas funções administrativas. 

"A inteligência artificial pode ser para o professor um potencializador das suas humanidades. A partir do momento em que o professor se desprende dessas funções administrativas, ele vai ter tempo para analisar e entender melhor o desenvolvimento de cada estudante e pensar em novas dinâmicas e novas ferramentas para utilizar em sala", completa Roberto Alves.

Obstáculos e como superá-los
O cenário educacional brasileiro exige um olhar atento sobre como equilibrar os desafios impostos com as potencialidades da inteligência artificial para transformar a educação básica brasileira em um modelo mais eficiente e inclusivo, especialmente no foco na transformação digital completa da educação pública. 

Roberto Alves lembra que os avanços podem ser vistos nas principais capitais, mas a realidade em centros menores é diferente, em aspectos que passam por pontos como infraestrutura, capacitação e conectividade. 

"Não é somente capacitar os profissionais da educação, mas criar realmente um plano de transformação digital dessas redes para que, inclusive, possam antes de falar de inteligência artificial e eficiência de dados, possam digitalizar processos básicos da gestão. A maioria dos municípios ainda têm uma estrutura de informação básica das redes de educação pouco desenvolvidas", pontua o especialista, citando que as tecnologias não podem ser motores de transformação educacional caso as estruturas básicas sejam vistas com a devida importância.

Tecnologia não é "solução mágica"
O especialista defende ainda que as tecnologias e a IA não podem ser vistas como "soluções mágicas". Roberto Alves ressalta que estudantes de todas as redes de ensino já estão, por exemplo, usando recursos da IA, sobretudo as generativas, para ajudar em atividades e trabalhos escolares. 

"Quando usamos equipamentos e tecnologias digitais sem estratégia pedagógica e de gestão, podemos gerar ainda mais dificultadores para as dinâmicas dos professores em sala. Quando falamos de educação, estamos falando de gente para gente. Estamos falando de pessoas desenvolvendo pessoas e, nesse contexto, tecnologia nenhuma vai resolver todos os problemas", frisa o especialista.

Roberto pondera que a sociedade passa, atualmente, por um momento de mudança cultural, também na educação pública. É preciso, por exemplo, não enxergar somente o processo de aprendizagem em que o estudante é ensinado a trazer respostas, e sim, como usar tecnologia e recursos educacionais digitais para que, possam fazer melhores perguntas.

"Quando o estudante tem, por exemplo, uma inteligência artificial à disposição, a poucos cliques para baixar no celular de forma gratuita e muitos já utilizam no dia a dia, devemos observar novas dinâmicas de aprendizagem, desenvolver o pensamento computacional e crítico dos estudantes, para que possam fazer melhores perguntas. No mundo da IA Generativa, quanto melhor o desenvolvimento do contexto, do raciocínio e das perguntas, melhor o estudante será respondido por essas tecnologias", explica.

As estruturas, portanto, devem ser repensadas quando se fala de processos e de gestão. Essas operações podem ser otimizadas e melhoradas, em busca de melhorar a eficiência das redes de ensino, em todas as áreas. 

Questões éticas
No debate do uso da IA na educação, é crucial questionar como a coleta e o uso de dados podem ser realizados de forma ética e responsável. A utilização da inteligência artificial, inclusive, levanta preocupações sobre a potencialização de vieses existentes, como a discriminação por gênero, raça ou classe social. 

Nesse ponto, a falta de transparência nos algoritmos e a dificuldade de compreensão de seu funcionamento podem perpetuar desigualdades e injustiças no ambiente educacional. Dessa forma, a implementação da IA na educação básica exige um debate amplo e transparente sobre os limites éticos.

Roberto Alves explica que as fontes básicas das IAs são a internet, onde há, muitas vezes, informações com esses vieses. "Por esse motivo que buscamos enfatizar sempre a formação dos profissionais da educação tanto no âmbito administrativo como no pedagógico, para que tenhamos o conhecimento de que nem tudo poderá ser 100% verdadeiro, para que possamos usar o potencial dessas tecnologias de forma ética e consciente", destaca o especialista, lembrando da importância do senso crítico por parte de quem busca usar a tecnologia, como o próprio professor.

Por fim, Roberto Alves defende um chamado à ação para gestores, professores e toda a comunidade escolar em torno de estabelecer abordagens conscientes e planejadas da IA na personalização do aprendizado e gestão escolar. 

"Existe um potencial muito grande em todos os aspectos da educação pública, podemos dar saltos positivos nos resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), no nível de aprendizado dos estudantes e na qualidade da educação pública de forma geral. Temos que preparar nossos estudantes para o futuro, que será cada vez mais tecnológico e disruptivo, com grandes mudanças culturais. Essas novas tecnologias que estamos discutindo e fomentando hoje, vão estar cada vez mais presentes na vida cotidiana de todas as classes sociais. A utilização de tecnologias e IA no âmbito pedagógico, apoiada por uma estratégia de transformação digital planejada, habilitam as secretarias de educação no desenvolvimento e utilização de soluções digitais que potencializam os resultados dessas redes de forma exponencial", finaliza Roberto. 
 

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