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Política internacional

Irã viola acordo nuclear, toma petroleiro e aumenta tensão no Golfo

O país ainda havia anunciado a retomada de enriquecimento de urânio

Cargueiro sul-coreanoCargueiro sul-coreano - Foto: Tasnim News / AFP

O governo do Irã tomou um petroleiro sul-coreano nesta segunda (4), ao mesmo tempo em que anunciou a retomada do aumento de enriquecimento de seu urânio, violando o acordo nuclear de 2015.

As medidas ocorrem em meio a um aumento da movimentação militar americana no golfo Pérsico, o que leva a especulações crescentes sobre a possibilidade de Donald Trump se despedir da Presidência com uma guerra.

No caso do petroleiro, o navio MT Hankuk Chemi foi apreendido por barcos da Guarda Revolucionária iraniana no caminho entre os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita, sob a acusação de estar poluindo águas do golfo com produtos químicos.

O governo de Seul, aliado dos EUA, queixou-se e determinou o envio de navios de guerra para a região. O incidente ocorreu às vésperas da visita a Teerã do vice-chanceler sul-coreano, que deveria tentar negociar um acordo entre os dois países.

 



O Irã acusa a Coreia do Sul de congelar bilhões de dólares a serem pagos por petróleo exportado e que seriam usados para comprar comida e remédios, num momento em que a pandemia de coronavírus atinge duramente o país persa.

Teerã também anunciou que elevou para 20% o grau de enriquecimento de seu urânio, uma resposta ao assassinato atribuído a Israel de seu principal cientista nuclear, no fim de novembro.

Tel Aviv classificou o ato como a ultrapassagem de uma linha vermelha. "Eu apelo à comunidade internacional para não tolerar os atos desafiadores do Irã e ver este passo como uma linha vermelha que requer uma resposta decisiva e imediata. Israel nunca permitirá que o Irã adquira uma arma nuclear", disse o chanceler Gabi Ashkenazi.

O Estado judeu é a única potência nuclear, ainda que não declarada, no Oriente Médio.

O Irã assim se afasta de vez do acordo nuclear costurado pelo governo de Barack Obama e outros em 2015, no qual os aiatolás basicamente se comprometiam a não buscar a produção de uma bomba atômica em troca do fim de sanções econômicas debilitantes.
O acerto sempre teve muitos críticos devido ao fato de não limitar, por exemplo, os avanço do Irã em seu programa de mísseis balísticos. Trump fez os EUA deixarem o acordo em 2018, deteriorando a relação entre os países.

Entre vários pontos, como inspeções e estoque limitado de urânio, o texto só permitia o enriquecimento do minério em ultracentrífugas para fins médicos e de pesquisas até 3,67%. Para ser usado em uma arma nuclear, o urânio precisa de 80% de enriquecimento, então os 20% anunciados são uma espécie de alerta.

Aos poucos, Teerã foi rompendo partes do acordo, que ainda mantém com ONU, União Europeia, Reino Unido, China, Rússia, França e Alemanha. Em 3 de janeiro de 2020, Trump mandou matar o principal general do Irã, Qassim Suleimani, que estava no Iraque, quase levando os países à guerra.

As tensões foram controladas após um inédito ataque iraniano a uma base americana no país árabe, mas no fim do ano passado o assassinato de Mohsen Fakhrizadeh, principal cientista nuclear do país, degradou o processo de novo.

Ao recrudescimento das tensões somou-se uma mobilização militar americana no golfo.

Desde outubro, antes da eleição que Trump perdeu, embora ele não reconheça a derrota, o Pentágono despachou 2.000 soldados adicionais e um esquadrão de caças para a Arábia Saudita.

Manteve o porta-aviões USS Nimitz perto das águas iranianas e enviou um submarino com mísseis de cruzeiro para a região, além de promover três missões ostensivas na área com bombardeiros estratégicos B-52.

Toda essa flexão de musculatura bélica ocorreu enquanto Israel, que tem em Trump provavelmente o presidente americano mais próximo em sua história, matava Fakhrizadeh e enviava um submarino para o golfo.

Na véspera do Ano-Novo, o chanceler iraniano, Javad Zarif, afirmou que Washington buscava um "pretexto para a guerra", já anunciado com manobras diplomáticas agressivas. Começaram a circular rumores na imprensa israelense e árabe de que Israel estaria pressionando Trump a atacar as centrais nucleares do Irã.
No Iraque, jornais locais afirmam que novas baterias antiaéreas foram instaladas no fim do ano em torno da base americana no aeroporto de Bagdá.

O analista iraniano baseado nos EUA Trita Parsi, vice-presidente do instituto Quincy Group, afirmou por e-mail que, mesmo que a movimentação americana tenha sido apenas uma forma de dissuadir uma retaliação no primeiro aniversário do assassinato do general Suleimani, a percepção em Teerã é outra.

"Não há motivo para achar que confrontar o Irã para criar caos e evitar a posse de Joe Biden [que o derrotou em novembro] daria certo. Mas a insanidade da ideia não é razão suficiente para que Trump não a tentasse", escreveu Parsi.

Não custa lembrar que o presidente acaba de ser flagrado tentando forçar o responsável pela recontagem de votos na Geórgia, estado vital onde perdeu para Biden, a maquiar o resultado em seu favor.

Parsi lembra que Trump seguiu todos os conselhos do maior financiador do Partido Republicano, o bilionário pró-Israel Sheldon Adelson: reconheceu Jerusalém como capital do Estado judeu, aceitou a anexação israelense das Colinas de Golã (Síria) e soltou o espião de Tel Aviv Jonathan Pollard.

Adelson pede também uma guerra contra o Irã. Como ocorre no governo de Jair Bolsonaro no Brasil, que adotou medidas pró-Israel baseadas nas de Trump, o eleitorado evangélico apoiou Trump. Há uma crença entre setores dele de que Israel precisa estar firmemente estabelecido para que o fim do mundo previsto na Bíblia ocorra, levando a essa heterodoxa aliança entre judeus e cristãos radicais.

Com efeito, o maior ganho da política externa de Trump até aqui foi o estabelecimento de acordos entre Israel e países árabes do Golfo e do Norte da África, gerando uma aproximação inclusive com a poderosa Arábia Saudita. Tudo em nome de uma aliança para cercar o Irã.

Tal movimento belicista de última hora, contudo, teria resistência no Pentágono, argumenta Parsi. "Há um risco claro de que essas três últimas semanas da Presidência Trump possam ser as mais perigosas."

 

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