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Irmã Rosita: Conheça a história da brasileira premiada pela ONU por trabalho com refugiados

Em outubro, a ativista religiosa se tornou a segunda pessoa do país laureada; até então, o único vencedor havia sido Dom Paulo Evaristo Arns, fundador da Pastoral da Criança

Segunda brasileira a receber Prêmio Nansen, Rosita Milesi é ativista, advogada e religiosaSegunda brasileira a receber Prêmio Nansen, Rosita Milesi é ativista, advogada e religiosa - Foto: Acnur/Divulgação

Há 36 anos, a ativista, advogada e religiosa Rosita Milesi se dedica a acolher um grupo que, nos últimos anos, se tornou um dos principais alvos da extrema direita ao redor do mundo: os imigrantes.

À frente do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), ela se tornou este ano a segunda brasileira da História a receber o Prêmio Nansen, do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur). Até então, o primeiro e único laureado havia sido o ex-arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, em 1985.

— Existe muita distorção na visão que a sociedade tem dos temas da migração e do refúgio e esse conjunto de equívocos tem a ver com vários fatores: com o desconhecimento sobre a causa, medos infundados, posições preconceituosas, e infelizmente, com o uso político dessa pauta por muitos — afirma ao Globo. — É triste constatar que políticos mundo afora obtêm ganhos promovendo o ódio contra essas pessoas, incentivando a divisão entre os seres humanos de forma irresponsável.

Aos 79 anos, irmã Rosita também é coordenadora da RedeMir, que reúne quase 70 organizações em prol do acolhimento a deslocados, e integra o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Formada em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, ela fez mestrado na área de migração e refúgio na Universidade Pontifícia Comillas, na Espanha.

Lei de Refugiados
Em mais de três décadas de atuação, Rosita conta já ter visto diferentes ondas migratórias, motivadas tanto por guerras quanto por tragédias humanitárias. Agora, as mudanças do clima são a nova causa do deslocamento forçado.

— Recebemos aqui desde pessoas fugidas da Guerra Civil de Angola, nos anos 1990, até as vítimas do terremoto monstruoso que tivemos no Haiti em 2010. Depois, mais recentemente, o fluxo da crise humanitária vivida pela Venezuela — relembra, destacando “a necessidade de cuidados urgentes no enfrentamento às mudanças climáticas, geradoras dos maiores contingentes de deslocados na atualidade.”

De acordo com o Acnur, irmã Rosita teve um papel importante na formulação da Lei de Refugiados de 1997, que ampliou os direitos dos deslocados. A legislação brasileira é considerada uma das mais progressistas do mundo, sendo reconhecida pela acolhida e proteção em contraste com diversas nações que recentemente têm avançado em políticas anti- imigração.

— Irmã Rosita é uma lenda para muitos no Acnur e tem sido reconhecida assim há muito tempo — destacou o alto comissário do Acnur, Filippo Grandi, durante a entrega do prêmio, em outubro. — Ela faz um trabalho incrível para migrantes e refugiados no Brasil. Ela conseguiu mudar a legislação em seu país.

Por muito tempo, no entanto, irmã Rosita achou que sua vocação era outra. Nascida no interior do Rio Grande do Sul, ela cresceu em uma família de agricultores com os pais e 11 irmãos. Aos 9 anos, foi morar em um colégio das Irmãs Scalabrinianas, onde descobriu a vontade de ensinar:

— Sonhava um dia ser professora. Mas a missão e iluminação da fé me levaram por outros caminhos e acabei me dedicando ao Direito.

A vocação religiosa, por outro lado, despertou cedo. Aos 15 anos, ela iniciou sua formação como noviça, e aos 19 já havia feito os votos que selaram seu destino. Na época, porém, a Congregação das Irmãs Missionárias ainda não se dedicava ao trabalho com migrantes — finalidade para a qual havia sido criada, seguindo as Scalabrinianas da Itália. Foi a partir dos anos 1970 que a organização se voltou para esse acolhimento. Em 1986, Rosita ficou encarregada de criar o Centro de Estudos Migratórios da Congregação.

— Foi neste momento que se iniciou minha proximidade com o tema do refúgio e das migrações. Passo, então, dois anos em Roma e, no retorno ao Brasil, em 1988, fui destinada a Brasília — conta. — Já na capital, busquei viabilizar o Centro de Estudos e, simultaneamente, abracei a missão de apoiar missionários em sua movimentação. Naquela época, a mobilidade enfrentava muitas dificuldades frente à burocracia da documentação e dos pedidos de visto.

22 mil beneficiados
Na mesma época, fundou o Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, estabelecendo um Departamento de Direito e Cidadania voltado à assistência legal aos migrantes e refugiados. A alta demanda, no entanto, a motivou a ir além e, em 1999, nasceu o IMDH.

— Centenas de pessoas aguardavam há anos uma solução para seu status legal no Brasil. O regime ditatorial havia terminado, mas a cultura da segurança nacional e do estrangeiro como um perigo não havia sido superada — pontua. — O atendimento jurídico cresceu muito e, com o passar do tempo, foi necessário pensar em uma instituição específica para atendimento direto aos migrantes e refugiados.

Com seis eixos de atuação, que incluem o auxílio para obtenção de documentos, apoio psicossocial e integração comunitária, o instituto, com sede em Brasília e escritório em Roraima, beneficiou mais de 22 mil pessoas só no ano passado. Para Rosita, porém, a homenagem recebida tem um gosto agridoce diante do atual cenário internacional.

— É difícil e triste celebrar a beleza do Prêmio Nansen, em homenagem a um homem que usou sua lucidez para salvar vidas, enquanto crianças inocentes estão sendo mortas pela insensatez das guerras ou definhando pela fome, num planeta tão rico em recursos e possibilidades — disse em referência ao norueguês Fridtjof Nansen, laureado com o Nobel da Paz após criar um passaporte para refugiados. — Dedico ele a todas as pessoas que dão algo de si para acolher refugiados, deslocados, migrantes e apátridas que sofrem as consequências de situações que não causaram.

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