Israel aprova acordo de cessar-fogo com o Hamas, e libertação de reféns deve começar no domingo (19)
Adesão oficial aos termos negociados no Catar ainda depende de aprovação do Gabinete de Governo, que reúne todos os ministros da coalizão do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu
Israel aprovou nesta sexta-feira (17) o acordo de cessar-fogo e libertação de cativos em Gaza, concluindo as etapas formais estabelecidas pela burocracia israelense para aderir aos termos anunciados na quarta-feira por mediadores reunidos no Catar.
Com a conclusão do processo, o governo israelense espera que a troca de reféns por prisioneiros palestinos comece neste domingo, com a libertação dos primeiros reféns às 12h15 (07h15 em Brasília).
O aceite final israelense à proposta foi concluído após duas votações realizadas nesta sexta-feira, primeiro no Gabinete de Segurança, um órgão restrito com apenas 11 integrantes, e depois no Gabinete de Governo, que inclui todos os ministros do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A acordo ainda poderá ser contestado por via judicial por iniciativas civis, mas a expectativa é de que não se crie nenhum problema para a troca dos reféns.
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O Gabinete do premier afirmou que a aprovação pelo organismo de segurança foi concluído "após examinar todos os aspectos diplomáticos, de segurança e humanitários" do acordo. A conclusão do órgão, ainda segundo a equipe de Netanyahu, foi de que o acordo "favorece a realização dos objetivos da guerra".
A primeira aprovação provocou reações diversas dentro do espectro político israelense. O presidente Isaac Herzog acolheu a decisão do Gabinete de Segurança como "um passo vital" e disse esperar que o governo "faça o mesmo em breve".
Em sentido oposto, o ministro da Segurança Interna, Itamar Ben-Gvir, fez um último apelo para que os membros do Gabinete de Governo votem contra o acordo — principal representante da ala mais radical da coalizão de Netanyahu, Ben-Gvir afirma que a troca aprovada irá devolver "terroristas" ao território palestino, e ameaçou deixar o governo caso os termos fossem aprovados.
O primeiro-ministro do Catar descreveu o acordo e a libertação dos reféns como "a última chance de Gaza". Em entrevista à rede Sky News, o xeque Mohammed bin Abdulrahman Al Thani defendeu a criação de um Estado palestino como um meio para a paz e disse que o "fracasso não é uma opção".
O premier catari também elogioi a atuação de Donald Trump, que assumirá a Presidência dos EUA na segunda-feira, afirmando que sua gestão pode "criar um impacto maior" no Oriente Médio.
A formalização do acordo avançou nesta sexta-feira, um dia após um impasse travar o processo de aprovação pelo lado israelense.
O Gabinete de Netanyahu acusou o Hamas de tentar incluir novas exigências nos termos na quinta-feira, um dia após o anúncio oficial de que tanto palestinos quanto israelenses haviam concordado com uma mesma proposta. O grupo palestino rejeitou as acusações, mas o imbróglio atrasou a validação do recurso em um dia.
Em meio ao impasse, equipes de negociadores e mediadores internacionais continuaram as tratativas no Catar, com as partes internacionais envolvidas na conversa expressando otimismo com o desfecho positivo para a frente diplomática. Na manhã desta sexta (início de madrugada no Brasil), o Gabinete de Netanyahu confirmou que as desavenças haviam sido superadas.
"O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi atualizado pela equipe de negociação [reunida no Catar] de que termos foram alcançados para a liberação dos reféns", publicou o Gabinete do premier pouco depois das 05h (meia-noite em Brasília). "O primeiro-ministro ordenou que o Gabinete de Segurança seja convocado mais tarde hoje (sexta-feira). O governo será convocado mais tarde para aprovar o acordo".
O Hamas também confirmou que as negociações haviam avançado após o impasse. Em um comunicado, o chefe do Gabinete de Mártires e Prisioneiros do grupo, Zaher Jabareen, afirmou nesta sexta-feira que "os obstáculos que surgiram devido à falha da ocupação [como o Hamas se refere a Israel] em aderir aos termos do acordo de cessar-fogo foram resolvidos".
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Em uma declaração ao canal de TV al-Arabiya, outro alto funcionário do Hamas, Bassem Naim, argumentou que o acordo só foi possível pela iminente posse do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, acusando a gestão de Joe Biden de ser "cúmplice" de Israel, ao oferecer um apoio irrestrito.
— Eu não poderia imaginar que isso seria possível sem a pressão da nova administração liderada pelo presidente Trump, porque seu enviado na região, [Steve] Witkoff, esteve aqui nos últimos dias — afirmou, acrescentando que o diplomata foi responsável de anotar pontos de discordância e "exercer pressão" sobre o governo israelense".
A reunião apenas com os integrantes do Gabinete de Segurança de Israel, formada por 11 integrantes do governo, começou no início da tarde (manhã no Brasil), após Netanyahu se reunir com a equipe de negociação que retornou de Doha durante a noite, para uma avaliação de segurança e implementação do acordo.
Enquanto a reunião do Gabinete de Segurança ainda ocorria, o governo convocou a reunião ampliada com os ministros para às 15h30. Inicialmente, o plano do governo era marcar a reunião apenas para o sábado, após o shabat — dia do descanso no judaísmo, entre o pôr do sol da sexta e o pôr do sol do sábado, mas foi antecipada em meio ao clamor das famílias dos reféns para que a medida fosse votada emergencialmente.
"Não há justificativa para esperar até depois do shabat, [pois] esta é uma questão de vida ou morte", pronunciou-se o Fórum das Famílias de Reféns e Desaparecidos em meio ao impasse.
Votos para a libertação
A imprensa israelense afirma que que Netanyahu já tem os votos suficientes para aprovação junto aos ministros. Em uma série de publicações na rede social X, o escritório do premier afirmou mais cedo que as famílias dos reféns já foram avisadas sobre o sucesso das negociações, e que deveriam "se preparar" para receber de volta seus entes queridos.
"Aguardando aprovação do Gabinete [de segurança] e do Governo, e cumprimento do acordo, a libertação dos reféns pode ocorrer de acordo com o cronograma planejado a partir de domingo", acrescentou o Gabinete de Netanyahu em um comunicado anterior ao início da reunião.
Libertação dos primeiros reféns
Embora o procedimento interno israelense ainda preveja a abertura de uma janela para que civis apresentem objeções ao acordo na Suprema Corte do país, espera-se que os tribunais não impeçam a consolidação do termo. Com isso, a expectativa é de que a libertação dos primeiros reféns comece a partir das 12h15 (07h15 em Brasília) de domingo.
Inicialmente, o acordo trata sobre a libertação de 33 cativos, vivos ou mortos, em troca de prisioneiros palestinos detidos em Israel. O Ministério da Justiça israelense divulgou uma lista parcial com 95 nomes, entre os quais há mulheres e crianças.
De acordo com o jornal The New York Times, mais nomes serão divulgados após a aprovação total do cessar-fogo. A primeira etapa, que deve durar seis semanas, também inclui uma retirada gradual de forças israelenses de determinadas posições, com o retorno da população civil ao norte de Gaza.
O Hamas deve liberar com uma antecedência de 24 horas o nome dos reféns que serão soltos a cada dia, o que significa que já no sábado devem ser confirmados quem estará na primeira entrega.
Os avanços para a aprovação, contudo, não diminuíram a intensidade dos combates no campo de batalha. Um novo balanço da Defesa Civil de Gaza divulgado pela CNN informou nesta sexta-feira que 116 pessoas, incluindo 30 crianças e 32 mulheres, foram mortas no enclave desde que o cessar-fogo foi anunciado na quarta-feira. Mais de 264 pessoas ficaram feridas.
Diante da ofensiva, o grupo palestino afirmou que Israel realizou um "intensificação deliberada" dos ataques aéreos, no que se referiu como "massacres" para "frustrar o acordo de cessar-fogo". No comunicado, o grupo pede para que os mediadores internacionais pressionem o Estado judeu a interromper as ações militares.
Em comunicado, o G7 — composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido — endossou "totalmente" o acordo de cessar-fogo, descrito pelo grupo como "um desenvolvimento significativo que tem o potencial de garantir a libertação de todos os reféns restantes; facilitar ainda mais a ajuda humanitária urgentemente necessária; e abrir caminho para que os civis retornem e reconstruam suas casas e suas vidas."
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou que o acordo representa um "aumento significativo" nas entregas de alimentos, combustível e medicamentos em Gaza, imersa em uma crise humanitária desde o início do conflito devido à represália israelense e aos cercos impostos por Israel ao território.
Em entrevista coletiva, o russo disse esperar que, além do "alívio da situação humanitária", a trégua traga também a "estabilização a longo prazo" para a Faixa de Gaza.
A aprovação no Gabinete de Segurança também foi comemorada por entidades judaicas no Brasil. A Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) disse receber "com esperança" a notícia do acordo para libertação de parte dos reféns.
"Este momento representa um passo significativo em direção à possível resolução do conflito, embora ainda haja um longo caminho pela frente", afirmou Marcos Knobel, presidente da Fisesp, citado em um comunicado divulgado pela entidade.
"É fundamental, todavia, ressaltar que este acordo não pode e não deve ser interpretado como validação aos atos do grupo terrorista. Reiteramos nossa visão de que a paz e o bem-estar dos civis, tanto em Israel quanto em Gaza, devem ser sempre prioridade absoluta em quaisquer negociações, tendo como princípio a defesa de valores humanitários e preservação da vida". (Com AFP e NYT)